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Um Susto de História com uma Bruxa Feia e um Gato Preto
A noite estava completamente escura mas não chovia… A temperatura até estava quente para a época, mas o gato preto estava enroscado perto do lume. Dormitava. De vez em quando abria um olho a controlar os movimentos da dona.
A fraca luz, na cozinha de paredes escurecidas pelo fumo, não deixava ver grande coisa, mas os gestos – à custa de tantas repetições – já quase podiam ser feitos de olhos fechados.
A velhinha, completamente vestida de negro, entoava a sua cantilena, enquanto mexia o conteúdo da panela enegrecida pelo fumo da lenha.
Estás a imaginar a cena, não estás? O que tu não imaginarias – nem ela, provavelmente – é que, nas redondezas, uma figura baixota, atarracada, mas com um chapéu enorme que parecia fazê-la mais alta e roupas negras que praticamente a tornavam invisível no negro da noite se encaminhava para sua casa e estava, aliás, já ali bem perto.
O chapéu em cone, de abas largas e de cor também negra; as roupas que vestia e sobretudo aquela cara, em que não faltava um nariz disforme, onde saltava à vista uma verruga – Sim! Tinha uma enorme verruga no nariz – a vassoura que trazia numa das mãos e arrastava pelo chão… não havia engano possível… quem se aproximava, a coberto da noite, era uma figura verdadeiramente sinistra.
Dentro de casa, calmamente, a velhinha lançava na panela uma pequena quantidade de algo que tirara de um dos frascos alinhados no aparador perto de si – uma medida sabiamente afinada pela experiência de muitos anos.
A sobrepor-se aos fracos sons que resultavam dos gestos tantas vezes repetidos e à sua voz ainda melodiosa, ouviram-se cinco fortes pancadas na porta.
O gato abriu os olhos, levantou-se, eriçou os pelos, arqueou a coluna e saltou na direcção donde viera aquele barulho que o incomodara no seu sono. A velhinha, sobressaltada, calou-se e parou de mexer a panela negra de onde saíam abundantes vapores e, penosamente, dirigiu-se à porta.
As mãos da simpática velhinha tremiam… e não era de frio.
Como já te contei, a temperatura até estava agradável…
O quê! Pensavas que era uma bruxa? Embora pudesse parecer, não! Não era uma bruxa! Era mesmo apenas uma velhinha que, com mão trémula, abriu a porta devagar…
Olhou a bruxa nos olhos – olhos que mal se viam na carantonha horrível…
Esta sim, era uma bruxa! Aquela cara feiosa, com a enorme verruga no nariz – também ele bastante avantajado e adunco – e um ar malévolo era, sem ponta de dúvida, a de alguém que queria assustar, que queria que ninguém tivesse dúvidas de que estava na presença de uma bruxa má.
A velhinha, com uma voz onde o susto parecia genuíno, perguntou:
- Porque é que tens uma cara tão feia?
- É para te pregar um susto! Um susto tão, tão grande…
E a bruxa esticava os braços, num gesto sugestivo, a ameaçar a velhinha de horrores enormes.
- Só escapas se me deres já… aquilo que já sabias que eu hoje… cá viria procurar!
E a bruxa entrou pela casa com o ar decidido de quem sabe bem o que quer. Já dentro da casa a sinistra figura pôs a mão à cara horrenda e, determinada, puxou pelo nariz.
Com a outra mão, pegou em algo que os dedos trémulos da velhinha seguravam… e levou à boca. Depois, com a beiça lambuzada do chupa-chupa, deu um beijo doce à avó.
A vassoura, a máscara e o chapéu do disfarce do dia das bruxas lá ficaram, atirados para um canto.
Entretanto a bruxinha notou:
- Cheira bem! Estavas a cozinhar?
- Estou a fazer sopa. Está quase pronta. Queres um pratinho?
- Claro! Isso pergunta-se? A sopa da avó é a melhor do mundo. O resto do chupa fica para depois…
E a menina deu a mão à avó e, seguidas pelo pachorrento gato preto, dirigiram-se à cozinha.
João Alberto Roque
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