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Doroteia, a Centopeia




    Todo dia parecia festa no canteiro do jardim.
     Muitas flores, de muitas cores.
     Muitos insetos barulhentos e quietos.
  Formigas, abelhas, besourinhos, borboletas, grilos, num corre-corre, num pula-pula, num voa-voa, prá lá, prá cá.
    É verdade que muitos estavam trabalhando, não viviam só brincando. Formigas carregavam folhas, abelhas faziam mel, aranhas teciam teias, minhocas cavavam túneis.
     Todos muito ocupados. E muito amigos...
     Quando acabava o dia, todo mundo se reunia.
     E era cada brincadeira, cada conversa, cada risada...
     Mas um dos bichinhos andava muito esquisito ultimamente.



     Era Doroteia, a centopeia, que antes era bem alegre e agora só sabia resmungar.
     Gemia e reclamava. Implicava e sumia.
     Não queria ver os amigos. Não queria saber de ninguém.                        
     E todos se preocupavam:
     — Que será que ela tem?
     Mas ninguém descobria. Mas ninguém adivinhava.
    — Ela anda de mau humor – disse a formiga Tita.
    — O sorriso dela era tão doce – disse a abelha Zizi –, mas ela não sorri mais.
    — Quem sabe se ela não está doente? – perguntou a Joaninha.
     E todos gritaram:
   — Isso mesmo! Vamos chamar um médico.


     Veio o médico. O famoso doutor Caracol, aluno do doutor Caramujo,  médico mais famoso ainda.
      Quando ele chegou perto, Doroteia botou a língua de fora e fez careta.
      Ele logo abriu a maleta:
      — Obrigado, assim posso examinar melhor.
      Ela ficou envergonhada e parou de ser malcriada.
      Todos os amigos de Doroteia estavam preocupados e queriam notícias dela. Doutor Caracol explicou:
      — Topadas com os pés da frente dos dois lados. Unha encravada no pé número 18 do lado esquerdo e no 27 do lado direito. Calos nuns 35 pés do lado direito e nuns 42 do outro lado.
      — Que horror! Coitadinha! E por quê?
      — Sapatos apertados. Ela até hoje usa os sapatos que botou no dia em que aprendeu a andar. Já deixei com ela a receita de sapatos novos. Bem até logo.
      E foi embora. 


 Ana Maria Machado

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