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O Saci





Por aquele tempo o saci andava desesperado. Tinham-lhe surrupiado a cabaça de mandinga. O moleque, extremamente irritado, vagueava pelos fundões de Goiás.
Pai Zé, saindo um dia à cata dumas raízes de mandioca castela que Sinhá-dona lhe pedira, topou com ele nos grotões da roça.
 
O preto, abandonando a enxada e de queixo caído, olhava pasmado o negrinho que lhe fazia caretas e trejeitos, a saltar no seu único pé, e fungando terrivelmente.
- Vancê quer alguma coisa? – perguntou pai Zé admirado, vendo agora o moleque rodopiar como o pião de ioiô.
 
- Olha negro, - respondeu o saci, - vancê gosta de sá Quirina, aquela mulata de sustância: pois eu lhe dou a mandinga com que ela há de ficar enrabichada, se vancê me arranjá uma cabaça que perdi.
 
Pai Zé, louco de contentamento, prometeu. A cabaça, ele sabia-o, fora amoitada pelo Benedito Galego, um caboclo sacudido que, cansado das malandrices do moleque, a tinha roubado das grimpas do jatobá grande, lá nas roças do ribeirão.
 
Pai Zé fora uns do que o tinham aconselhado, para obstar que o saci, como era de sue costume quando incomodado, tornasse a levantar as árvores da derrubada que o Benedito fizera nessas terras.
 
Arrastando as alpercatas de couro cru pelas terras de sô feitor, pai Zé capengava satisfeito e inchado com a promessa do Saci.
 
Desde Santo Antônio que ele rondava sá Quirina, procurando sempre ocasião de lhe mostrar que apesar dos seus sessenta e cinco anos e meio, um olho de menos e falta de dente na boca, não era negro para se desprezar assim por um canto, não, que sustância ainda ele ainda tinha no peito para agüentar com a mulata e mais a trouxa de sá Quitéria, sua mulher, se ele tinha!
 
Mas a cafuza era dura de gente convencer. Toda a eloquência que ele penosamente engendrara em seu bestunto de africano e que lhe tinha despejado pela festa de São Pedro, não teve outro resultado senão a fuga da roxa quando o encontrava.
 
Mas agora, gaguejava o preto, eu lhe amostro, - que o saci é mesmo bicho bom pra deitar um feitiço.
 
Com a rica dádiva dum quartilho de cachaça e meia-mão do seu fumo pixuá, pai Zé alcançou do galego a cabaça desejada.
 
Sá Quitéria, porém, não via com bons olhos o afã de seu velho pela posse da milonga. E ela também deitar quebrando, se sabia!
 
- Perguntassem a bruxa de nhá Benta, que desde as vésperas de reis estava entrevada na trempe do jirau e não era zarolho e cambaio do seu homem que a enganasse.
 
Por isso a velha ciumenta estava de tocaia, desejosa por saber de seu intento. Lá ia pai Zé, arrastando novamente as alpercatas de couro cru pelas terras de sô feitor, à entrevista do saci. Atrás dele, sorrateira, lá ia também sá Quitéria.
 
O negro chegou aos grotões e chamou pelo saci, que de pronto apareceu.
 
-Toma lá a sua cabaça de mandinga, seu saci, e dá-me cá o feitiço pra sá Quirina.
 
O moleque desbarretou-se, tirou uma pitada grossa da cumbuca, fungou, e entregando o resto a pai Zé, disse: "Dá-lhe a cheirar esta pitada, que a crioula é sua escrava".
 
E desapareceu, fungando, pulando no seu único pé, nos grotões e covoadas da roça.
 
"Ah, negro velho dos infernos, que conheci a tua tramoia", gritou sá Quitéria furiosa, saindo do bambuzal e segurando-o pelo papo.
 
E, na luta do casal, lá se foi o feitiço que o pobre pai Zé adquirira com o sacrifício dum quartilho de cachaça, e a meia mão do seu bom fumo pixuá.
 
Desde então, nunca mais houve paz no casal, que se devorava às pancadas; e pai Zé arrenegava sem descanso o maldito que introduzira a discórdia no seu rancho.
 
Porque, o ioiô, concluiu o preto velho que me contava essa história, a todo aquele que viu e falou com o saci, acontece sempre uma desgraça.


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