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O casalzinho








Na pré-escola o menininho e a menininha brincavam lá num canto, no recreio, debaixo da goia­beira no parquinho, quando a professora ouviu seus gritinhos abafados (em pré-escola tudo é assim pequenininho, menininho, gritinho e, geralmente a escola também é apertadinha numa casa onde os quartos viraram salinhas de aula, a garagem virou bibliotequinha e o quintal, parquinho onde a crian­çada brinca apertadinha).
Então a professora foi lá ver e eles estavam enganchados pela boca, pelos aparelhos ortodônticos, os “ferrinhos”, como diz a criançada.
É sério: o menininho e menininha, os mais quietinhos da turma, os mais inocentes e fofinhos, educados e meigos, estavam ali de gatinhas na areia, enganchados pela boa e olhando para a professora como a suplicar ajuda, tia ajuda!
Aí alguém da turma viu e gritou:
- O Du e Dé tão se beijando!
Alvoroço é pouco, rebuliço também. Mas essas coisas são as tempestades, vem e vão, vão e vem, não sem antes quebrar um monte coisas. Brinquedos, cadeiras, vasos, cabide, tudo foi de roldão atrás duma professora levando a menininha, ainda enganchados – até que, na sala da diretora, esta senhora arregalou os olhos e sentou estupefata enquanto as professoras deixavam o casalzinho, na falta de lugar melhor, sobre a sua própria mesa!
Fecharam a porta deixando o tumulto lá fora. A menina chorava, o menininho gemia, de olhos arregalados como a perguntar: vão me tirar disto ou vou ter de engolir as lágrimas dela?
Engancharam os ferrinhos, disse uma professora. Vamos chamar o dentista, disse outra. Aí a dire­tora mostrou porque é diretora: abriu a gaveta, pegou uma bolsinha de couro, tirou um alicatinho de manicure e se debruçou sobre o problema.
Quando conseguiu desenganchar os ferrinhos, esperou o casal de refazer, com água açucarada e palavras doces, até que também docemente perguntou:
- Mas por que vocês se engancharam? Estavam se beijando?
O menininho fechou a cara, a menininha protestou, não estava beijando não. Aconteceu foi que estavam brincando e...
- ... ele pediu metade do meu chiclete, e eu falei que ele podia pegar da minha boca, que eu tava com a mão cheia de areia!
- E eu também – o menino confirmou – Então fui pegar com a boca, ué!
E abriu o sorriso de metal.


Pellegrini, Domingos. Ladrão que rouba ladrão. São Paulo. Ática, 2002  

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