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Pintura usando as digitais





Ideias para divertir a criançada
Dá para contar a história e depois criar!!!!

























O PORQUINHO COMILÃO





O porquinho da nossa história era muito comilão.O nosso porquinho era muito comilão! A mãe costumava ralhar com ele, com razão, porque o porquinho andava sempre à procura de alguma coisa para encher a barriga, não se importando nada que o que comesse fosse dele ou não.
Era frequente ouvir a mãe dizer:
 
- Quem é que comeu o bolo que estava guardado na despensa? -Quem é que comeu a salada? - Quem é que comeu a farinha de milho?
Mas o porquinho comilão punha uma cara muito inocente e dizia, mentindo:
 
- Eu não fui, mãezinha!
Depois, saía para a rua muito contente, pois era ele que comia tudo quanto a mãe dizia que faltava.

Numa rua da aldeia, o porquinho viu um seu vizinho que vendia fruta. Oh! Cresceu-lhe logo água na boca ao contemplar aquele carrinho cheio de bonitas maçãs e, num instante, devorou umas poucas delas. O vendedor quis impedir mas não conseguiu, porque o porquinho comilão fugiu a correr.

Mais tarde, chegou o nosso porquinho à horta da senhora Galinha Sábia e apanhou as maiores espigas daquele milho tão dourado que lá havia, comendo-as também, sem ligar nenhuma aos cacarejos de protesto da dona.
Ao passar diante da casa dos coelhinhos, pegou numa travessa cheia de cenouras que eles tinham preparado para lanchar, e fugiu com ela, comendo, ao mesmo tempo que corria, aquela grande ração de cenouras.
-Isto não pode continuar! -disse o avô Coelho. -Cada vez que por aqui passa, o Porquinho Comilão rouba-nos o comer. Temos de o castigar.
E tal como o pensou melhor o fez. Procurou o Gato, o Cão, o Rato e os outros animais e, entre todos eles, estudaram uma maneira de castigar o Porquinho Comilão.
-Pomos-lhe uma armadilha! -disse o Rato.
- Não, ele não cai na armadilha - disse o Gato.
- Era melhor dar-lhe uma boa tareia.
- Não -replicou o Cão -O Porquinho é maior do que nós e vencer-nos-ia. Tenho outra ideia melhor. Aproximem-se para que ninguém nos ouça. Eu explico-lhes o que pensei fazer.
Todos os animaizinhos se aproximaram do Cão e, quando conheceram a ideia genial, deram saltos de alegria.
-Bem! Muito bem! - disseram todos os mesmo tempo -Vamos preparar um bom lanche ao Porquinho Comilão.
Ao pé de uma árvore estenderam uma toalha e, sobre ela,
dispuseram belos petiscos, convencidos de que o Porquinho logo apareceria atraído por aquele banquete. Quando o ouviram chegar, todos os animaizinhos foram, muito depressa, esconder-se atrás das árvores.
-Um lanche? -exclamou o Porquinho, todo contente -Um delicioso bolo, peras doces...TUDO PARA MIM! UHÁU....
Pegou no bolo e engoliu-o em grandes pedaços, mas, subitamente, sentiu que a boca lhe ardia como se tivesse metido fogo nela, e saiu a correr, gritando, à procura de água para se refrescar.
Os astuciosos vizinhos tinham posto uma grande quantidade de pimenta na massa do bolo.

 
Aquele acontecimento serviu para que o Porquinho Comilão se curasse daquela ânsia por comer, porque, desde aquele dia, nunca mais tornou a comer mais do que deve comer um porquinho bem educado.

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O CARRO DE ENTERRO













Era num sábado. Estava em festas o elegante e suntuoso palacete do visconde, a mais rica habitação que havia no Rio Comprido.

Casava-se a formosa Matilde, filha predileta do dono da casa, e ele festejava esse acontecimento o mais ruidosamente possível.

O palácio achava-se todo ornado por dentro e fora; uma esplêndida banda de música executada no saguão trechos escolhidos das óperas mais em moda, e a criadagem vestida com suas finas librés, circulava de um lado para outro, dispondo os últimos preparativos da ornamentação.

O cortejo havia partido às duas horas da tarde para a igreja, e na rua apinhava uma multidão curiosa de assistir à chegada dos noivos, ao regressarem da cerimônia nupcial.


Enquanto assim se dispunham as coisas para a folgança no suntuoso palacete do visconde, uma cena muito diferente se desenrolava em uma casa de mais que modesta aparência da mesma rua.

Em cima de uma mesa que havia na sala dessa casa, que era então um pardieiro, quase em ruínas, via-se, num caixão dos mais baratos que a Santa Casa fabrica, o corpo de uma moça amortalhada. Duas velas alumiavam-na, e em redor permaneciam as pessoas da família e alguns vizinhos, todos gente pobre.

Pai e mãe e irmãos dessa criatura morta desfaziam-se em amargo pranto e sentiam a alma rasgar-se pela mais fina das dores, nesse momento em que se ia fechar o caixão e levá-lo a um carro fúnebre parado à porta.

Pobre gente! Essa de quem iam separar-se para sempre era a sua boa Lúcia, filha e irmã mais velha, que todos estimavam tanto! Pobre Lúcia! Ela era o braço direito daquela família. Do seu trabalho vinham os minguados mil réis com que se pagava à venda, depois que o pai ficara aleijado e a mãe entisicara. A boa Lúcia sempre alegre, sempre resignada! Como não deviam sofrer os pobrezinhos, naquele terrível transe por que passavam.

O pai de Lúcia era um rude operário de obra grossa, um carpinteiro e tivera a infelicidade de quebrar uma perna, caindo de um andaime em que trabalhava.

Essa desventura foi o início de todas as desgraças que assaltaram a família. Conduzido para a Santa Casa, lá esteve quatro longos meses, entre a vida e a morte; e a mulher e os filhos começaram a curtir duras necessidades, pois o pai nada ganhava.

O taverneiro já fechava a cara quando iam às compras, e por mais que a mulher do carpinteiro e Lúcia, sua filha, se matassem numa tina a lavar roupa, o dinheiro não chegava para coisa alguma.

A mãe de Lúcia era uma mulher franzina e muito disposta para moléstias do peito. Com o trabalho excessivo que fazia, logo começou a deitar escarros de sangue pela boca, e dentro em breve nada mais pôde fazer. O carpinteiro tivera alta do hospital, mas não podia ainda trabalhar. Assim a pobre família achou-se na mais negra miséria.

No entanto Lúcia trabalhava cada vez mais. De dia não se arredava da tina de lavar roupa, de noite costurava até o galo cantar. Não pôde resistir por mais tempo à semelhante canseira, e também caiu enferma.

Uma circunstância veio ainda agravar o estado dos infelizes.

A casa em que Lúcia morava pertencia ao mesmo visconde a que já nos referimos, e ele ordenara ao carpinteiro que se mudasse, já que não podia pagar os aluguéis. O visconde, apesar de opulento, era inflexível em questões de dinheiro. De nada valeram os rogos do pobre carpinteiro que a ele se dirigiu, arrastando as muletas e com as lágrimas nos olhos. O visconde manteve a sua ordem.

"Se fosse a ouvir a choradeira de todos", dizia o titular, "bem depressa estaria reduzido a pedir esmola. Não era ele quem fazia as desgraças: era Deus. Pedissem-lhe contas".

O carpinteiro teve que desocupar a casa e fora meter-se no pardieiro de que já falamos e que por piedade lhe cedera um outro carpinteiro, seu amigo e compadre.

Era uma casa de todo imprópria para habitação humana: suja, úmida, acanhada.

Nela os padecimentos de Lúcia foram a mais, e no fim de quinze dias a pobre rapariga entregava a alma a Deus.


No entanto o cortejo nupcial tinha regressado da igreja, e de uma extensa fila de carros apearam os noivos, radiantes de felicidade, e bem assim a multidão dos convidados, homens e mulheres, abafados nas suas toaletes de uma rigorosa etiqueta.

Logo que os carros despejavam a luxuosa carga que traziam, foram manobrados pelos cocheiros, muito tesos nas suas boleias, soberbos nas suas sobrecasacas de casimira cor de camurça e nas suas finas botas de canhão, e entraram na porta cocheira, aberta de par em par.

Noivos e convidados começaram a subir os degraus do vestíbulo. A noiva ia de olhos baixos, deliciosa, no seu vestido de seda branca, linda como uma tentação, debaixo de uma grinalda de flores de laranjeira. Da fisionomia do noivo, um guapo mancebo de vinte e poucos anos, transpirava a maior ventura, parecendo tonto pela felicidade.

Quando porém já tinham todos subido os três degraus do vestíbulo, o carro de enterro que transportava a pobre Lúcia ao cemitério chegava bem defronte ao palacete do visconde.

Era um carro dos de ínfima classe, todo preto e de cortinas esmolambadas, guiado por um cocheiro negro, de cartola de oleado amarrotada, libré sebosa, tendo a fisionomia aguardentada, e que, encarrapitado na boleia, chupava com a maior indiferença deste mundo em cigarro de papel.

Aquela mísera seguia para o cemitério sem o menor acompanhamento.

O carro vinha descendo a rua tranquilamente, ao trote cansado de dois cavalos magros, ossudos. Quando, porém, chegou bem defronte ao palacete, os cavalos que pareciam incapazes de qualquer resistência, encabritaram-se e recusaram avançar. O cocheiro, que não esperava essa revolta dos pacíficos rocins, quase foi levado ao chão; e exasperado, vibrou o pinguelim no dorso das magras cavalgaduras, proferindo as mais cruas obscenidades.

Noivos e convidados, todos voltaram o rosto para ver o que se passava na rua. Os cavalos do coche fúnebre persistiram em não avançar, e o cocheiro, levado ao maior auge da exasperação, desandava os bichos com cabo do pinguelim.

Aquilo parecia mandado pelo diabo. Os cavalos pinoteavam, escouceavam, o cocheiro praguejavam como um possesso. Afinal dando os animais um violento arranco, a poder de pancadas, embicaram o coche para o lado do palacete, e nele o esbarraram. A lança do carro entrou pelo gradil do jardim que adornava a frente do edifício, e ali ficou a traquitana.

Foi preciso que a criadagem do visconde desembaraçasse o carro e auxiliasse o cocheiro a conduzi-lo.

Esse fato impressionou desagradavelmente a todos que faziam parte do cortejo nupcial, e uma senhora já idosa que entre eles se achava, exclamou aterrorizada:

- "Um carro de enterro parar logo aqui, e isso em dia de casamento!... É mau agouro!...

Sem que ninguém pudesse explicar a razão, o festim realizado em casa do visconde correu frio.

Os próprios noivos sentiam-se tristes. O fato de ter parado um carro de enterro à porta do palacete, e naquele dia, roubava a alegria a todos. Como que se adivinhava uma grande desgraça.

E esse mal-estar aumentou quando à meia-noite circulou na sala a notícia de que Matilde, a formosa noiva, tinha repentinamente adoecido.

Logo cessaram as danças. As bandas de música calaram-se, e os convidados foram pouco a pouco retirando-se. Daí a meia hora só se achavam no palacete os parentes e amigos mais íntimos.

Matilde estava realmente doente. Subitamente acometera-a uma violenta dor de cabeça, uma aflição, e dentro de uma hora ardia em febre intensa.

O noivo ficou alucinado. O visconde, já terrivelmente impressionado com o caso do coche fúnebre, despachou criados em todas as direções para chamar médicos, que acudiram pressurosos.

No entanto por mais esforços que empregassem os facultativos, não puderam aniquilar a enfermidade que acometera a inditosa moça. Consumia-se a olhos vistos. No dia seguinte já parecia um cadáver, tão pálida e abatida se achava. No terceiro dia não conhecia mais ninguém. No quarto havia perdido a fala. E na manhã do quinto dia, quando os pássaros começaram a trilhar sobre o arvoredo, cujas ramagens adornavam a janela do seu aposento, a pobre moça exalando um suspiro despediu-se da vida.

Bem dissera a respeitável matrona que fizera parte do cortejo nupcial. O carro fúnebre esbarrando no gradil do palacete fora um mau agouro.

O cadáver de Lúcia, a pobre filha do carpinteiro aleijado, viera chamar para a paz do sepulcro a filha do potentado, do opulento, que tirara um teto a seu pai, em momento de aflição e pobreza. Deus assim o quis. Tanto houve luto no casebre esburacado como no rico solar. Era preciso que o desumano titular também sentisse rasgar-lhe a alma o espinho da dor.


(Padilha, Viriato. O livro dos fantasmas. Rio de Janeiro, Spiker, 1956)

O Careca










Uma vez havia um homem casado que tinha uma enorme quantidade de filhos e cada vez a mulher paria mais. O homem, para sustentar tão grande família, fez-se pescador.
Morava perto de um rio, pescava ali e ia sustentando a filharada. Uma vez, estando a mulher grávida e já no nono mês, o pescador foi ao rio pescar e meteu a tarrafa e nada. Meteu para outro lado, e nada, nem uma piabinha. O pescador já ia saindo muito triste quando ouviu uma voz, que dizia do fundo da água: "Se me deres o que de novo encontrares em casa, eu te darei muito peixe". O homem pensou lá consigo — o que pode haver de novo é um cachorrinho, porque eu tenho em casa uma cadela para parir — e não se lembrou da mulher. Então o pescador disse que sim, que aceitava o negócio. "Pois então pesca pra ali". O pescador meteu a tarrafa e tirou peixe como diabo. Chegando em casa, um filho foi-lhe logo dizendo: "Papai, minha mãe pariu". O homem entrou no quarto e viu seu filhinho. Era um menino. Disse à mulher que na beira do rio tinha uma cabocla que havia dado à luz e a criança tinha morrido, e que por isso ele levava aquele filho para a cabocla criar. A mulher custou a consentir, mas por fim cedeu. O pescador levou a criança e chegando ao rio atirou-a na água no lugar de onde tinha saído a voz. O menino lá no fundo d'água foi dar num palácio muito rico; aí foi criado até rapazinho, mas nunca via ninguém.
Uma vez lhe apareceu um homem e disse-lhe: "Eu sou teu pai. Tenho de fazer uma viagem de quinze dias. Fica aqui com estas chaves (e deu-lhe um maço de chaves) mas não abras porta nenhuma, senão, quando eu voltar, morres". O rapaz ficou e cumpriu fielmente a recomendação. No fim de quinze dias chegou o pai e lhe disse: "Então, está tudo direito?" O rapaz disse que sim. Passaram-se mais quinze dias; no fim deles o homem disse: "Vou fazer nova viagem de mais quinze dias, fica aí com as chaves e não me bulas em nada". O rapaz ficou, mas desta vez não se pôde conter; havia três enormes caldeiras, uma fervendo ouro, outra fervendo prata e outra fervendo cobre. Ele meteu o dedo na de ouro e saiu com o dedo dourado. Limpava, limpava, e nada de sair o ouro.
Rasgou uma tirinha de pano e amarrou no dedo. Abriu outro quarto e viu três cavalos muito gordos, um preto, um branco e um castanho; os cavalos, em lugar de capim, tinham carne para comer. Abriu outro quarto e encontrou um leão muito grande e gordo, que em lugar de carne tinha capim para comer. Abriu outro quarto e viu uma mesa muito grande cheia de gavetas; numa tinha uma porção de papeizinhos brancos dobrados, noutra uma porção de papeizinhos azuis dobrados, noutra uma porção de armas: espingardas, espadas etc. O rapaz não quis bulir em nada e tornou a fechar tudo. No fim de quinze dias chegou o pai: "Então, está tudo direitinho?" — Tudo, não buli em nada.
De tudo quanto o rapaz tinha visto, o que lhe dava mais com o pau na paciência, era a carne para os cavalos comerem e o capim para o leão. Ele fez o plano de trocar. No fim de quinze dias, o pai tornou a fazer viagem. O rapaz, logo que se viu sozinho, foi ao quarto dos cavalos e abriu, foi pegando na carne para tirar, e um cavalo disse: "Não faça isso, não bula em nada, senão morre, seu pai lhe mata." Agora, se quiser sair daqui, vá ao quarto onde tem a mesa, tire dois papéis, um azul e outro branco, tire boa roupa e se vista, tire boas armas e se arme, monte-se em um de nós, vá puxando outro, e quando seu pai chegar há de segui-lo; quando estiver pega não pega, largue um dos papéis; depois largue o outro e deixe o resto por minha conta". O rapaz fez tudo tintim por tintim.
O cavalo lhe recomendou também que ele metesse a cabeça na caldeira de ouro e dourasse os cabelos. O rapaz dourou os cabelos, aprontou-se, armou-se, pegou dois papéis e meteu no bolso; montou no cavalo castanho e foi puxando o branco; para mais incomodar o pai tirou o capim do leão e deu ao cavalo preto, que ficou, e pegou na carne e deu ao leão.
Seguiu viagem a toda a pressa. No fim de quinze dias, o homem chegando ao palácio e vendo tudo desarranjado ficou danado; montou no cavalo preto e seguiu atrás do rapaz.
Depois de muito andar, avistou-o; aí o cavalo em que ia o moço lhe disse que largasse o papelzinho branco; o moço largou e gerou-se uma neblina tão espessa que não se via nada; mas o cavalo preto era muito bom e conseguiu romper a neblina depois de muito custo; mas já o rapaz ia longe. Depois de muito andar, o pai já o ia avistando, quando ele soltou o outro papel e gerou-se um espinhal tão cerrado que ninguém podia atravessar. O homem disse ao cavalo preto: "Eu te desencanto, se me passares esta mata de espinhos". O cavalo respondeu: "Tire-me os arreios e vá montado em osso, que eu passarei". O homem tirou os arreios e montou em osso. Quando o cavalo se viu no meio do espinhal, atirou-o ao chão e lá deixou-o e seguiu para diante. O homem lá morreu e o cavalo encontrou-se com os outros e seguiram todos três. O rapaz já tinha cansado o cavalo castanho e montou-se no branco.
Foram seguindo; depois de muito andar, chegaram perto de uma cidade; aí os cavalos disseram: "Agora nós ficamos aqui encantados nesta pedra e o senhor deixe também aqui suas armas e roupas; siga para a cidade; ali adiante encontrará um boi morto, abra, tire a bexiga, sopre e bote na cabeça para esconder os cabelos dourados. Vá e siga a sua vida; quando precisar de alguma coisa, venha aqui na pedra e nos peça". O rapaz seguiu, encontrou o boi morto, abriu, tirou a bexiga, botou na cabeça e entrou na cidade.
Adiante encontrou um palácio, bateu na porta e apareceu-lhe o velho jardineiro e perguntou-lhe o que queria. O rapaz respondeu que queria um emprego para ganhar a sua vida. O jardineiro teve pena dele e o empregou como seu ajudante. Era isto na casa do rei. O jardineiro perguntou ao rapaz por seu nome. Ele respondeu que não tinha nome. "Pois fica-se chamando o Careca". Passaram-se muitos tempos e o Careca ia vivendo em paz.
Uma vez pôs-se debaixo de umas laranjeiras e tirou a bexiga da cabeça para ver os seus cabelos, e a filha mais moça do rei, que estava na janela, viu os cabelos dourados e ficou apaixonada pelo Careca. O jardineiro tinha o costume de levar todas as manhãs um ramalhete para cada uma das filhas do rei, que eram três. No dia seguinte, ele foi levar os ramalhetes e a princesa mais moça lhe disse: "De amanhã em diante quero que o Careca traga o meu ramalhete". O rei e as irmãs da princesa caçoaram muito; mas a moça insistiu e o Careca todos os dias lhe ia levar o ramalhete. Passaram-se tempos e houve aí no reino umas grandes cavalhadas. O Careca, sabendo delas, e indo todos e ele não, disse ao jardineiro que queria ir à casa do ferreiro para mandar fazer uma faquinha.
O jardineiro consentiu. Depois que todos saíram, o Careca também saiu e foi ter à pedra e contou aos cavalos o que havia. Saiu o cavalo castanho todo arreado, o moço aprontou-se, tomou uma lança, soltou os cabelos e apresentou-se nas cavalhadas. Fez a corrida, tirou a argolinha e ofereceu à filha mais moça do rei; ela lhe deu uma fita verde, que ele amarrou na lança. Todos ficaram admirados daquele lindíssimo moço; mas não sabiam quem era ele.
O rapaz saiu a toda a pressa e ninguém mais o viu. Quando o rei e as princesas chegaram em casa, já lá se achava o Careca na sua roupa de costume. O jardineiro contou-lhe então tudo, falou na boniteza das cavalhadas e no moço de cabelo dourado que tinha aparecido e que ninguém sabia quem era; mas que, se no dia seguinte ele voltasse, seria preso, porque o rei ia mandar colocar tropa para o prender, quando ele quisesse voltar e desaparecer.
No dia seguinte pela manhã foi o Careca levar suas flores à princesa caçula e ela estava doentia de paixão, tendo umas desconfianças que ele fosse o mesmo moço que apareceu nas cavalhadas. À tarde houve novas cavalhadas, e o Careca disse ao jardineiro que ia de novo ver a faquinha, porque o ferreiro não tinha ainda lhe dado, distraído com as festas. Largou-se para a pedra e fez aparecer o cavalo branco e arreios ainda mais ricos do que os primeiros; soltou a cabeleira, aprontou-se e partiu para as cavalhadas.
Havia mais povo ainda do que nas primeiras e lá estava a tropa para prendê-lo quando ele quisesse voltar. Ainda mais espantados ficaram do que na primeira vez. Quando deu-se o sinal para a corrida, o moço partiu, tirou a argolinha e deu à princesa mais moça; ela lhe deu uma fita encarnada, que ele amarrou na lança e partiu a galope. A tropa cercou-o, mas ele saltou por cima e foi-se. Quando todos chegaram ao palácio, já o Careca lá estava na forma de costume. A princesa mais moça começava a definhar; no dia seguinte tornou a pilhar o Careca debaixo de um caramanchão mirando os próprios cabelos, que eram dourados e compridos; ficou a princesa mais alegre e teve certeza de que aquele era o mesmo moço das cavalhadas. Na tarde deste dia houve outra cavalhada, que era a terceira e última. Todos foram e o Careca tornou a sair, desculpando-se com a faquinha. Foi à pedra e fez aparecer o cavalo preto e arreios lindíssimos.
Partiu e, chegando ao ponto das cavalhadas, encontrou muito reforço de tropas para o prender. Não teve medo. Na hora da corrida avançou, tirou a argolinha e ofereceu à princesa da sua escolha e partiu a galope. Fecharam quadrado para o prender, mas o cavalo voou por cima e perdeu-se na corrida, que ninguém mais o viu. Quando o rei chegou ao palácio, já estava lá o Careca muito a seu gosto.
Nunca ninguém desconfiou que o Careca era o moço rico das corridas, senão a princesa mais moça. Ora, aí nesse reino costumava de tempos a tempos aparecer uma fera que tudo devastava, comia muita gente e ninguém podia dar cabo dela. O rei tinha dito que quem matasse a fera havia de casar com a princesa mais velha. Ninguém se atrevia. O Careca, sabendo disso, foi ter à pedra e contou aos cavalos. Saiu o cavalo preto e disse-lhe que se montasse nele, amarrasse-lhe no peito um grande espelho e avançasse contra a fera, porque esta, vendo o seu retrato no espelho, havia de supor que era outra fera, ficaria atrapalhada e o moço a poderia então matar. Assim fez o rapaz; matou a fera, e cortou-lhe as sete pontas das sete línguas. Ninguém viu isto.
No dia seguinte apareceu a fera morta e botou-se editais para ver quem a tinha morto. Ninguém apareceu: então o rei julgou-se dispensado quanto à sua filha mais velha e decidiu-se a casar todas três quanto antes e no mesmo dia.
Mandou procurar príncipes, mas a caçula declarou que só se casaria com o Careca. O rei ficou muito desgostoso, mas não teve outro remédio. O rei ordenou que queria dar um banquete no dia do casamento, todo de pássaros caçados pelos futuros genros. Todos três saíram a caçar, cada um para seu lado. Nenhum matou nada a não ser o Careca, que foi ter à pedra e os cavalos lhe deram aves a valer. Um dos noivos o encontrou, e sem o conhecer pediu que lhas vendesse. O Careca consentiu com a condição de lhe passar ele uma declaração em como lhas havia comprado. O príncipe aceitou e passou a declaração. O Careca guardou. Afinal chegou o dia do casamento. Todos se apresentaram muito bem prontos e o Careca humildemente vestido.
No jantar houve muita alegria, mas o Careca lá para um canto. No fim de tudo o rei disse que antes de todos se despedirem, queria que cada um dos genros contasse uma história. O marido da princesa mais velha levantou-se e disse: "O que tenho a contar é que quem matou aquele bicho, qua a todos fazia medo, fui eu, e não disse há mais tempo porque queria me casar com a princesa por escolha natural e não porque tivesse a promessa do casamento por matar a fera". E mostrou os cotocos das línguas. Levantou-se o marido da segunda princesa e disse: "Eu o que tenho a dizer é que quem caçou todos estes pássaros para esta festa fui eu."
Então levantou-se também o Careca e disse: "A minha história é que os dois genros do rei mentiram; quem matou a fera fui eu, e aqui está a prova. Estas é que são as pontas das línguas e aqueles são os cotocos das línguas. Quem fez a caçada fui eu, e a prova é esta declaração que aqui tenho e que podem ler. Além disto, o moço que embasbacou a todos nas corridas fui eu, e a prova são as fitas que aqui tenho". Aí ele tirou a bexiga da cabeça e todos o reconheceram. Ficaram os dois príncipes muito envergonhados, e a princesa mais moça quase doida de contentamento. 

(Em Romero, Sílvio. Contos populares do Brasil. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954, 2v. (Coleção Documentos Brasileiros, 3), p.247-157)