Era uma vez uma gaivota que gostava de ser pomba.
Dizia ela que as gaivotas não servem para nada, ao passo que as pombas sempre
servem para alguma coisa.
– Levam cartas, mensagens, avisos de um lado para o outro – explicava ela às
outras gaivotas. – São as pombas ou os pombos-correios.
– Também há quem as cozinhe com ervilhas – interrompeu-a uma gaivota trocista.
– Essa serventia a nós não nos interessa – arrepiaram-se as outras gaivotas,
que voaram, alarmadas.
Ficou sozinha a gaivota que queria ser pomba. Servir de cozinhado também não
estava nas suas ambições, mas à falta de outro préstimo? E pensou: Gaivota
estufada? Gaivota de cabidela? Gaivota guisada com batatas?
Realmente, não lhe soava bem. E menos bem devia saber, porque nunca lhe
constara que os humanos, de boca aberta para todos os gostos, tivessem incluído
tais receitas nos seus livros de cozinha.
A gaivota que queria ser pomba ficou a olhar o mar. Ia abrir as suas asas para
as lançar sobre as ondas, à cata de peixinho para o almoço, quando um estranho
torpor lhe tomou o corpo. Deteve-se. Encolheu-se. Tapou a cabeça com uma asa.
Aquilo havia de passar.
As outras gaivotas, que há pouco tinham debandado, regressavam à praia,
apanhadas pelo mesmo entorpecimento que atingira a gaivota desta história.
Formaram um bando tiritante, rente ao mar. Umas, levantadas numa só pata,
outras escondidas numa cova da areia, olhavam as águas esverdinhadas,
espumosas, como turistas descontentes com a paisagem.
– Estão as gaivotas em terra – disse uma voz humana, abrindo uma janela, junto
à praia. – Vai haver tempestade. Sendo assim, já não me arrisco a ir para o
mar.
De fato, quando as gaivotas ficam em terra, os pescadores sabem que o tempo
vai mudar. Elas é que dão o sinal. Elas é que sabem. Elas é que pressentem
quando a tempestade se aproxima.
– Afinal sempre tenho alguma utilidade, pensou a gaivota que queria ser
pomba, toda enrolada numa bola de penas, e, daí em diante, preferiu continuar a
ser gaivota.
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