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A Princesa que tudo via







Era uma vez uma princesa que conseguia tudo o que queria. É que, no alto da torre mais antiga de seu palácio, havia uma sala circundada por doze janelas mágicas. Através delas, a princesa podia ver qualquer coisa que se passasse no seu reino e até mesmos nos reinos de além-mar. Bastava pensar no que queria ver e olhar por uma das janelas; se a primeira delas não lhe mostrasse nada é porque o que procurava estava muito longe ou muito bem escondido. Mas logo na segunda ou na terceira janela aparecia a imagem desejada. As janelas revelavam desde as alturas inatingíveis das nuvens às profundezas da terra e do mar. Nada escapava á princesa: ninguém saia do seu reino sem que ela soubesse, nenhum inimigo se aproximava sem que ela estivesse prevenida. Assim, era natural que seu poder se tornasse cada vez maior e que muitos príncipes pretendessem se casar com ela.
A princesa, todavia, não encontrava nenhum pretendente à sua altura. É bom dizer que, com tanto poder, ela se tornara um pouco arrogante, cheia de si. Decidiu, então, lançar um desafio: aquele que conseguisse se esconder dela, pelo menos uma vez, se tornaria o seu príncipe consorte.
Os príncipes e outros nobres foram os primeiros a se apresentar. A princesa dava a todos eles três chances. A cada dia podiam tentar um esconderijo diferente. Somente no final do dia, ao pôr-do-sol, a princesa subia à torre e consultava suas janelas.
Um dos príncipes pretendentes ouvira falar que “nada mais escondido que agulha no palheiro”, e, seguindo à risca a idéia, entrou num paiol de milho e cobriu-se de palha de tal maneira que nem mesmo as galinhas que ali vierem ciscar deram pela sua presença. Mas bastou a princesa olhar pela primeira janela e ele foi descoberto.
O príncipe não se deu por vencido: no dia seguinte, mandou que seus servos cavassem no sono um túnel profundo, onde ele ficou bem escondido, coberto de pedras. E já quase ia se sufocando quando a princesa, no fim da tarde, olhou pelas suas janelas e mandou buscar.
Como ultima tentativa, o príncipe tomou um navio e navegou para uma ilha distante. A princesa olhou pela primeira janela e nada viu; olhou pela segunda e nem precisou chegar à terceira para mandar um emissário dizer ao infeliz pretendente que suas chances estavam esgotadas.
E depois dos nobres vieram os plebeus. Cada um inventava um esconderijo mais extravagante, porém poucas vezes a princesa precisou chegar à segunda janela para descobri-lo. Um a um os pretendentes foram sendo dispensados.
Um dia, um jovem e bravo soldado que voltava de uma guerra num país distante, ouviu falar da princesa. Atraído pelo desafio, decidiu ir até o palácio e tentar sua sorte.
No meio do caminho, deparou-se o soldado com um carneirinho que balia desesperado, preso nos arames farpados de uma cera. O rapaz desembaraçou-o com cuidado. Vendo-se livre, o agradecido animal assim lhe falou:
- Eu sou o príncipe dos carneiros. Meu pai, o rei, gostará de recompensá-lo. Pegue esse punhado de lã e, quando precisar de mim,esfregue-o,chamando-me.
O soldado ficou maravilhado com o que ouviu, guardou a lã e seguiu em frente. Logo adiante, encontrou uma águia que tentava se livrar de uma armadilha. Cuidadosamente ele a soltou e ouvi dela o seguinte:
- Eu sou a rainha das águias e você me salvou. Se um dia precisar de ajuda, esfregue esta pena e chame por mim.
O jovem agradeceu o presente e continuou seu caminho. Logo antes de chegar ao palácio, sua atenção foi atraída por uma formiga que se debatia numa poça d’água. Salvando o bichinho de morrer afogado, mais uma vez ele ouviu:
- Eu sou a rainha das formigas. Guarde esta folha e, se precisar de algo, esfregue-a e chame por mim.
O soldado guardou também a folha com cuidado, logo chegou ao palácio e pediu para ser apresentado à princesa. No dia seguinte, começou a procurar um lugar para se esconder, porém todos os esconderijos lhe pareciam óbvios. Lembrou-se então do carneirinho. Esfregou o punhado de lã e pediu ajuda para esconder-se.
Na mesma hora apareceu um rebanho de carneiros. O próprio soldado, maravilhado, viu-se transformado em carneiro e misturado ao grupo.
Ao pôr-do-sol a princesa subiu à torre. Olhou pela primeira janela e nada viu. A segunda janela, porém, mostrou-lhe o carneiro e a princesa soube que era ele o pretendente. Na manha seguinte, retomando a forma humana, o soldado se apresentou à princesa, que lhe disse:
- Entre os carneiros, tu eras o que ficava junto ao pequenino.
O rapaz reconhecendo que fora descoberto, saiu do palácio, dirigiu-se à orla da floresta, esfregando a pena mágica, chamou pela águia.
Imediatamente a rainha das águias apareceu e transportou-o pelos ares. Levou-o até a mais escarpada das montanhas, transformou-o num ovo e misturou-o aos demais ovos de seu ninho. Depois, ajeito-se por cima deles, cobrindo-os todos e dali não saiu o dia inteiro.
Naquela tarde, quando a princesa consultou a primeira janela, nada pôde descobrir; e nem na segunda, mais a terceira mostrou-lhe o ninho. No dia seguinte, o soldado, apresentou-se a ela, ouviu:
- Entre todos os ovos da águia, tu eras o que ficava mais no centro.
Vencido mais uma vez, o jovem saiu do palácio, procurou um lugar isolado e, esfregando a folha, sua última esperança. Chamou pela rainha das formigas.
- Desta vez – disse ele, depois de lhe contar sua história -, você tem de pensar num esconderijo muito, muito especial. Nada escapa aos olhos da princesa!
- Nada? – duvidou a formiga. – Pois eu sei de algo que ela não vê!
E, transformando o rapaz numa formiguinha, levou-o até os aposentos da princesa.
- Dê um jeito de esconder-se dentro do vestido – aconselhou a formiga. E desapareceu.
O soldado, agora formiga, observou bem a princesa e suas sete pesadas saias. E achou melhor subir pelo vestido dela e escorregar pelo decote. E ali, dentro do corpete da princesa, ele ficou quietinho, esperando o dia passar.
Quando a tarde chegou, a princesa subiu à torre. Olhou pela primeira janela e nada pode vislumbrar, olhou pela segunda e também nada viu. Tampouco a terceira mostrou-lhe alguma coisa e a princesa, já inquieta, passou à quarta janela. E assim foi, de janela em janela, até chegar à décima segunda. Entretanto, por mais que olhasse, ela não conseguia enxergar o que queria.
A noite toda ela passou a consultar as janelas. Em vão. Quando os primeiros raios de sol iluminaram a torre, a princesa, irritada, gritou:
- Desisto! Pode aparecer, que eu me caso com você!
O rapaz saiu, então, de dentro do vestido dela, desceu ao chão, e retomando sua forma humana, confessou à princesa seu esconderijo.
A princesa quis brigar, mas acabou rindo, divertida com a história. O casamento foi realizado naquele mesmo dia e os dois foram sempre, sempre felizes.

Já dizia o Pequeno Príncipe: "Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos".

Conto de tradição oral extraído do livro " Contar Histórias - Um Recurso Arteterapêutico de Transformação e Cura " - Alessandra Giordano - Editora Artes Médicas

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