Era um velho que tinha uma filha e três filhos. Um dia, apareceu um
rapaz que lhe pediu a filha em casamento. Assim que acabou de se casar pegou
a mulher e foi-se embora com ela, sem querer que a moça levasse nada, nada,
da casa do pai. Só mesmo a roupa do corpo foi o que ela levou. Porque o rapaz
era São Pedro, portanto não havia de conduzir para sua casa coisa que tivessem
ranço de pecado.
A moça vivia muito bem. Porém, tinha um desgosto: era que o marido não passava um dia que fosse em casa, pois sendo pastor de ovelhas não podia nunca deixar de levar os animais para o pasto. O irmão mais velho da moça indo visitá-la, ela contou-lhe isso. Então o rapaz esperou que o cunhado voltasse. Quando foi de noite, que ele chegou, disse: - Cunhado, minha irmã se queixa de que você desde que se casou ainda não pôde parar um dia que fosse, em casa, por causa das ovelhas. Eu amanhã vou pastorar elas e o cunhado fica em casa. São Pedro disse que sim. Quando foi no outro dia de manhã, chamou as ovelhas e entregou-as ao cunhado, recomendando-lhe que por onde elas passassem ele passasse também; onde elas parassem, ele parasse também; de tarde, quando elas voltassem, ele voltassem também. Aí, as ovelhas partiram, seguindo o rapaz no coice do rebanho. Depois de caminharem muito, chegaram à beira de um grande rio, sobre o qual tinha uma ponte que era formada por uma espada de prata, de gume para cima, afiado que nem navalha. As ovelhas meteram o pé e passaram. Quando o rapaz viu aquilo disse: - Qual! Quem é que vai passar aqui por cima? Eu, não! Sentou-se debaixo de um pé de árvore, na beira do rio, e ficou bem de seu, o dia inteiro. Entretanto, São Pedro que o vinha acompanhando de longe, passou por ele sem ser visto e seguiu atrás das suas ovelhas. Quando foi chegando de tarde, lá vêm as bichinhas. Assim que elas chegaram perto da ponte, São Pedro se escondeu. Logo que passaram a ponte o rapaz enfiou atrás delas. Ao chegar em casa, São Pedro já estava lá bem desencalmado. Perguntou ele: - Então, cunhado, como se foi? - Eu, bem. – Acompanhou os animais até no pasto? - Acompanhei, sim. – E não viu nada no caminho? - Eu, não. – Então não viu nada? - Eu, não. Disse São Pedro à mulher que seu irmão não servia e mandou-o embora. No dia seguinte veio o segundo cunhado e fez o mesmo que o primeiro. No terceiro dia veio o caçula, ao qual São Pedro fez a mesma recomendação que fizera aos outros dois. Respondeu-lhe o rapazola com firmeza: - Deixe estar, cunhado. Não tenha medo. São Pedro, não satisfeito, acompanhou-o de longe, como tinha feito com os dois mais velhos, espiando-os. Quando as ovelhas chegaram à beira do rio, que passaram pelo gume da espada, o rapaz ficou olhando, e disse: - Assim como vocês, ovelhinhas, bichinhos de Deus, passaram, e esta espada não vos ofendeu, eu também hei de passar e ela não há de me ofender. Mal foi botando o pé na espada e esta virando-se numa ponte, passando ele perfeitamente. Quando São Pedro viu isso voltou logo para casa, para passar o dia com sua mulher, porque compreendeu que o cunhado daria conta do recado. Chegando mais adiante, viu o moço duas pedras enormes que batiam uma na outra, lançando faíscas de fogo ao redor, que fazia medo. As ovelhas passaram entre as duas pedras, sem nada sofrer. O rapaz também passou. Com muito receio, mas passou. Quando chegou mais longe, estavam dois leões, que eram uns monstros, brigando em termo de se acabar, arrancando-se os pedaços, de danados que se achavam. As ovelhas passaram entre os dois leões. O rapaz também passou. Andando um bocado, encontrou um campo coberto de capim muito verde e viçoso, onde estavam pastando uns cavalos tão magros, que estavam se quebrando pela espinha. Passaram as ovelhas e o rapaz as seguiu. Depois encontrou um campo coberto de capim seco, esturricado, e uns animais muito gordos, muito bonitos, pastando. Passaram as ovelhas e ele. Mais além deu numa fogueira enorme, donde saía cada língua de fogo que parecia um fim de mundo. As ovelhas meteram o pé dentro daquela labareda toda, passando sem se queimar. O rapaz fez o mesmo. Finalmente deu num jardim, que era uma babilônia de grande, bonito que era uma maravilha, onde as ovelhas pararam então, começando a pastar. O rapaz ficou abismado de ver tanta flor, tanta roseira vindo abaixo de rosas. Então disse: - Eu vou apanhar umas rosas para levar à minha irmã. Começou a colher rosas. Colheu, colheu, e foi botá-las dentro do chapéu, voltando para colher mais. Tornando a ir botá-las dentro do chapéu só encontrou ali cinco rosas. Disse: - Ora, senhor, as ovelhas me comeram as rosas! Foi buscar outro bocado de rosas, botou dentro do chapéu e tornou a ir buscar mais. Voltando, só encontrou cinco rosas dentro do chapéu. Estava nessa lida, abaixo e acima, quando viu as ovelhas se prepararem para voltar para casa. Aí, ele agarrou no chapéu e nas cinco rosas, acompanhando as ovelhas. Ao chegar em casa, São Pedro o recebeu muito satisfeito. Jantaram, conversaram muito e por fim São Pedro perguntou-lhe o que havia visto no caminho. O moço referiu tudo quanto se passara. Então São Pedro explicou-lhe: as ovelhas eram as almas dos bons; o rio, com a ponte de prata, era o Jordão, onde São João batizou Cristo; as duas pedras e os dois leões, as comadres e os compadres que brigam neste mundo e quando morrem vivem eternamente a brigar no outro; os cavalos magros pastando no campo verde, os ricos ambiciosos, que vivem neste mundo na abundância, sem nunca estarem fartos de dinheiro; os animais gordos pastando no campo seco, os pobres fartos por natureza; a fogueira, o purgatório; o jardim, o paraíso; e aquelas cinco rosas, as cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Depois de dito isso, São Pedro lavou os pés da mulher, lavou os do cunhado, botou os dois nas palmas da mão e subiu com eles para o céu. (MAGALHÃES, Basílio de. O folk-lore no Brasil) |
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