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O Escorpião e a Rã





                                                                       Rubem Alves

          Um dia a floresta pegou fogo. E incêndio não tem medo de rabo de escorpião. Só havia um jeito de fugir da morte: era atravessando o rio, para o outro lado. Os bichos que sabiam nadar pulavam na água, levando seus amigos nas costas. Mas o escorpião nem tinha amigos nem sabia nadar. E não havia ninguém que se arriscasse a oferecer-lhe carona.
           O escorpião então, valentia e coragem sumidas ante o fogo que se aproximava, foi forçado a se humilhar. Dirigiu-se com voz mansa à rã, que se preparava para a travessia.
         - Por favor, me leve nas suas costas –ele disse.
         - Eu não sou louca. Sei muito bem o que você faz a todos que se aproximam de você- replicou a rã.
        - Mas veja – argumentou o escorpião - , eu não posso picá-la com o meu ferrão. Se fizesse morreria, afundaria, e eu junto, pois não sei nadar.
          A rã ponderou que o raciocínio estava certo. Podia ser que o escorpião fosse muito feroz, mas não podia ser burro. Todo mundo ama a vida. O escorpião não podia ser diferente. Ele não iria matar, sabendo que assim se mataria... e como tinha bom coração resolveu fazer esta boa ação.
        - Muito bem – disse a rã ao escorpião. –Suba nas
         O escorpião se encheu de alegria, subiu nas costas lisas da rã, e começaram a travessia.
        - Antes era só o ferrão...E até que não é ruim . O corpo da rã é bem maciinho...
          Enquanto isso a rã ia dando suas braçadas tranquilas, nado de peito, deslizando sobre a superfície.
         - E como é gostoso navegar – continuou o escorpião nos seus pensamentos. – Estes borrifos de água, como são gostosos. É bom ter a rã como amiga...
           Estavam bem no meio do rio. O escorpião olhou para trás e viu a floresta em chamas.
         - Se não fosse a rã, eu estaria morto neste momento.
      E um estranho sentimento, desconhecido, encheu deu coração: gratidão. Nem sempre veneno e ferrão são a melhor solução. A vida com a rã, macia e inofensiva que não inspirava medo a ninguém...
    Sentiu seu corpo descontrair-se. Achou que a vida era boa....Era bom poder baixar a guarda e descansar.
    Voltou-se de novo para trás para olhar a floresta incendiada. Mas, ao fazer isto, viu-se refletido, corpo inteiro, na  água do rio que brilhava a luz do fogo.  E o  que viu horrorizou:seu rabo,antes ereto agora dobrado,desarmado. Escorpião de rabo mole... Todos ririam dele. E sentiu um ódio profundo da rã.
        - Espelho, espelho meu, existe bicho mais terrível que eu?
       A resposta estava naquele rabo mole, refletido no espelho da água. E a única culpada era a rã...
       A rã morreu. E com ela o escorpião.
       A estupidez do poder é maior que o amor a vida.

O POBRE E O RICO






          Certo dia o pai de uma família rica levou seu filho para viajar para o interior, com o firme propósito de mostrar o quanto as pessoas podem ser pobres.
          Eles passaram um dia e uma noite num sítio de uma família muito pobre. Quando retornou da viagem, o pai perguntou:
          __Como foi a viagem?
          __ Muito boa, papai!
          __ Você viu como as pessoas pobres podem ser?
          __ Sim. E o que você aprendeu?
          O filho respondeu:
          __ Eu vi que temos um cachorro em casa, eles tem quatro. Nós temos uma piscina que alcança o meio do jardim, eles têm um riacho sem fim. Nós temos uma varanda coberta e, é iluminada com luz, eles tem  as estrelas e a lua. Nosso quintal vai até o portão de entrada, eles tem uma floresta inteira.
         Quando o pequeno garoto estava acabando de responder, seu pai ficou espantado. E o filho acrescentou:
          Obrigado, pai por você me mostrar o quanto nós somos pobres.

      “ Tudo o que você tem, depende da maneira de como você olha para as coisas.
       Se você tem amor, amigos, família, saúde, bom humor, atitudes positivas para com a vida, você tem tudo! Se você é pobre de espírito, você não tem nada!”

O Urubu Vaidoso






                                                                 
      O Urubu julgava-se superior ás outras aves, só porque podia voar muito alto. Por isso, desprezava-as e não desejava mesmo tê-las como amigas.
       Era uma tarde de verão. O Urubu achava-se pousando no galho de uma árvore, quando ali pousou, também o sabiá.
       Ao vê-lo, disse-lhe o pássaro cantador.
       - Boa tarde, amigo!
       - Alto lá! Amigo? Não! Fique sabendo de uma coisa: não me agrada a amizade com criaturas de voo rasteiro. O seu voo vai pouco além do cimo das árvores, enquanto o meu atinge grande altura. Posso até ir ao céu se quiser. Veja que quem voa baixo, não é da mesma espécie de quem voa alto. Não se emparelhe comigo.
       E o urubu, todo envaidecido, continuou:
        - Quer ver como alcanço o céu?
        E alcançando voo, partiu.
        O sabiá seguia-o com olhar de admiração.
         O Urubu subiu, subiu, subiu... subiu tanto que o sabiá o perdeu de vista, porque a ave negra foi além das nuvens.
         Como fosse época de grandes tempestades, o tempo mudou. Nuvens escuras surgiram no firmamento e um vento soprava, com impetuosidade, sacudindo as árvores e arrancando-lhes as folhas.
         E uma chuva pesada desabou sobre a terra. Sucediam-se os relâmpagos, e os trovões ribombavam, ecoando no espaço.
         O Urubu continuava voando acima das nuvens, sem poder descer por causa do forte aguaceiro.
         A tempestade durou muito tempo. O Urubu cansou de voar.
         Não aguentou por mais tempo, as asas  abertas. Fechou-as. Veio ele, então, lá em cima, numa decida louca, gritando:
        -  Socorro!Acudam-me!..
          O sabiá, sem se lembrar  da ofensa sofrida, correu em seu auxílio: Pôs uma porção de folhas no chão, impedindo que o vaidoso se machucasse, na queda.

Esther Pires Salgado

(Fábulas e Lendas, Rio de Janeiro, Companhia de Artes Gráficas,1955)