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Por uma arte de contar histórias - por Fanny Abramovich







Ler histórias para as crianças, sempre, sempre é suscitar o imaginário, é ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, e encontrar muitas ideias para solucionar questões - como os personagens fizeram - é estimular para desenhar, para musicar, para teatralizar, para brincar... Afinal, tudo pode nascer de um texto.
O significado de escutar histórias é tão amplo. É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos conflitos, das dificuldades, dos impasses, das soluções, que todos atravessamos e vivemos, de um jeito ou de outro, através dos problemas que vão sendo defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelos personagens de cada história (cada um a seu modo). E assim esclarecer melhor os nossos ou encontrar um caminho possível para a resolução deles... É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções importantes como: a tristeza, a raiva, a irritação, o medo, a alegria, o pavor, a impotência, a insegurança e tantas outras mais, e viver profundamente isso tudo que as narrativas provocam e suscitam em quem as ouve ou as lê, com toda a amplitude, significância e verdade que cada uma delas faz (ou não) brotar...
É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica... É ficar sabendo história, geografia, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula. Porque, se tiver, deixa de ser literatura, deixa de ser prazer, e passa a ser didática, que é outro departamento (não tão preocupado em abrir todas as comportas da compreensão do mundo).
Ouvir e ler histórias são também desenvolver todo o potencial crítico da criança. É poder pensar, duvidar, se perguntar, questionar... É se sentir inquieto, cutucado, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se pode mudar de ideia. É ter vontade de reler ou deixar de lado de uma vez.
É ficar fissurado querendo ouvir de novo mil vezes ou saber que detestou e não querer nenhuma aproximação com aquela história tão chata ou tão boba ou tão sem graça. É formar a opinião, é ir formulando os próprios critérios, é começar a amar um autor, um gênero, uma ideia e daí ir seguindo por essa trilha e ir encontrando outros e novos valores (que talvez façam redobrar o amor pelo autor ou viver uma decepção, mas isto tudo faz parte da vida).
Ouvir histórias é ficar conhecendo escritores - e daí ser importantíssimo dizer à criança o título do que está escutando e seu autor (se for material recolhido da cultura popular, se for autor desconhecido, que se diga também...). Faz parte da formação saber quem nos disse coisas bonitas, ou encantadas, ou maravilhosas ou chatas, para que a referência fique e o caminho esteja aberto para continuar mergulhando nos textos de quem se admira, para dar uma colher de chá a quem não nos envolveu tanto num primeiro contato ou para desistir (ou adiar para um outro momento da vida...) a proximidade com um escrevinhador que nos desagradou ou nos decepcionou.
Para contar uma história, é preciso saber como se faz... Afinal, nela se descobrem palavras novas, se depara com a música e com a sonoridade das frases, dos nomes... Capta-se o ritmo, a cadência do conto, fluindo como uma canção. E para isso, quem conta tem que criar o clima de envolvimento, de encanto. Saber dar as pausas, o tempo para o imaginário de cada criança construir seu cenário, visualizar os seus monstros, criar os seus dragões, adentrar pela sua floresta, vestir a princesa com a roupa que está inventando, pensar na cara do rei... e tantas coisas mais.
E se forem as ilustrações do livro, feitas por um desenhista, dar o tempo para que todos vejam (ou os que preferem caminhar na sua própria e pessoal ilustração, que fechem os olhos). Quando a criança for manusear sozinha o livro, que o folheie bem folheado, que olhe tanto queira, que brinque com seu formato, que se delicie em retirá-lo da estante (reconhecendo-o sozinha, seja em casa ou na escola) que vire página, ou que pule algumas para reencontrar aquele momento especial que estava buscando.
Se a criança não lê é porque não lhe estão apontando caminhos para o desfrute de bons e belos textos. Que existem (tantos) e são fáceis de achar. Literatura é arte, literatura é prazer. Que a escola encampe esse lado e deixe as cobranças didáticas para os departamentos devidos. E nesse sentido, ela faz parte do leque da educação artística e não da língua portuguesa. Uma das atividades mais fundantes, mais significativas, mais abrangentes e mais suscitadoras de tantas outras, é a que decorre do ouvir e do ler uma boa história...


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