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A Mulher Que Vendia Histórias






Naquela tarde, a água da chuva escorria barrenta pela calçada. Maria da Lua ia arrastando com ar displicente os pés grossos e pesados, metidos num velho chinelo. E com voz rouca e grave, ela vendia ilusões.                                                       
- Quem tem coração vazio?    Eu conserto sonhos. Encontro ilusões esquecidas…  Conto histórias de qualquer tipo e tamanho!   Quem compra uma história?
Maria da Lua não era uma mulher comum. Seu ofício de contar histórias for herdado de família. Sua mãe criou oito filhos apenas narrando casos. E ela seguiu esta profissão materna. Andarilha, percorreu caminhos compridos,cidades longínquas, lugarejos sem nome…                                                                                                          As narrativas de Maria da Lua variavam de tema e tamanho. Podiam ser de amor, de aventura, de terror…  Algumas vezes nem tinham fim, outras nem começo. Suas sagas não custavam muito: ela cobrava conforme a cara do freguês.
Numa certa manhã, quase princípio de tarde, ela passeava pela calçada lamacenta e esburacada de um povoado que também não tinha história. Era tão pequenino que sequer aparecia no mapa.  Gritando para o vento, ela empurrava as horas e tentava, sem cerimônia, o seu valioso produto. A voz mesclava diversos tons e ecoava pelas vielas daquele lugar sem nome.

  - Quem quer história? Remendo coração. Crio ilusões.  Invento qualquer tipo de vida…
 Cansada de apregoar ao léu, e querendo também imaginar algum conto para si mesma, ela encontrou uma pedra no caminho e sentou nela. Foi quando apareceu um homem que se aproximou. Ele guardava um olhar fosco, e suas mãos trêmulas mostravam uma dor de alma. Interrompendo os pensamentos de Maria da Lua suplicou:
- Senhora dona da Lua e dos sonhos, vim de muito longe à sua procura.  Atravessei pontes, estradas compridas para encontrá-la. Sou um homem sem coração. Matei por dinheiro, dormi na mata, vi criança faminta, passei sobre corpos abandonados aos cães. Conte-me uma história que invente um passado para mim. Pago o preço que for necessário… 
 Maria da Lua não se intimidou:
- O senhor quer que eu comece por onde?
- Não precisa ser do nascimento – respondeu de imediato.   E com intimidade de quem perambula pelo passado como pelo presente ela começou a narrar a vida daquele  desconhecido.
“ - Era uma vez um moço vazio por dentro, que nasceu numa terra distante. As portas e janelas da pequena casa onde veio à luz eram de madeira e nunca se fechavam. O dia a dia transcorria simples e sem confrontos… Até que partiu para conhecer o mundo. ”
Conforme Maria da Lua ia narrando, a expressão do homem ia se transformando. A brisa parecia levar para longe aquela melancolia.. As suas mãos pararam de tremer. Ele já não se sentia um homem sem história, ganhava uma cuja singeleza retratava quem ele era e dava sentido à sua existência.
Maria da Lua continuou.
  “- Ele caminhou por estradas sem fim e rompeu fronteiras proibidas, chegando finalmente a uma cidade esquecida, com ruas de lodo e sinos sem pêndulos. Apesar da pobreza e da insignificância, o lugar exalava energia. Ali, ele também me encontrou…”    
Neste ponto da narrativa, o homem que vivia transbordando tristeza, experimentou através das palavras daquela mulher um sentimento extraordinariamente forte e desconhecido, que fazia da vida de Maria da Lua se fundir com a dele: resgatando-lhe a história perdida, ela criara para ambos o mesmo presente, e o mais profundo amor.

Fonte:  Editora Guarda-Chuva; Conto Brasileiro.

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