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A Princesa Do Sono Sem Fim






Há muito tempo atrás. Num reino distante morava uma rainha muito malvada. A danada tinha a sina de lobisomem. Comia gente! Uma coisa horrível!!
O príncipe seu filho era um moço bom e valente. O rapaz vivia triste com essa sina de sua mãe. Sua única alegria era ir conversar com um velho, muito velhinho, que morava longe do palácio, perto de uma floresta sombria.
O velhinho armava uma rede na varanda para o príncipe descansar e o rapaz passava horas e horas ouvindo as histórias do velho amigo.
Um dia, o príncipe estava lá deitado e viu no alto das árvores um pano vermelho. Parecia uma bandeira. Ele perguntou o que era aquilo e o velho contou:
- Aquilo é um palácio encantado. Meu avô contou a meu pai, que contou pra mim. E a história é assim:
Era um reino, onde o rei e a rainha vivam tristes porque não tinham filhos. Eles sonhavam com um herdeiro e a Rainha pedia com tanta vontade... e fazia tantas promessas... que um dia conseguiu. Ficou grávida e nasceu uma menina bonita como o sol. Todo o dia tinha festa no palácio por causa do nascimento da princesinha. Para o batizado o rei convidou todas as fadas que moravam por perto. Só não convidou a fada velha porque ninguém sabia onde ela morava. Alguns até achavam que ela já tinha morrido. As fadas vieram todas e já estavam na mesa do banquete quando a fada velha apareceu resmungando muito. Soltava fogo pelas ventas de tanta raiva por não ter sido convidada. A fada mais nova reparou na zanga da fada velha e mais do que depressa se escondeu atrás de uma cortina. Depois do banquete as fadas deram os seus presentes. Fadaram boas sinas e dons maravilhosos para a princesinha. Cada uma dizia a coisa mais bonita do mundo:
- Eu te fado que sejas linda como a luz do sol. – disse a fada azul.
- Eu te fado que sejas boa como o amor de mãe! – disse a fada rosa
- Eu te fado que sejas rica como um tesouro! – disse a fada dourada.
- Eu te fado com a sabedoria dos mais sábios! – disse a fada amarela.
E assim foram todas dizendo belezas e o rei ficava cada vez mais feliz, ao lado da rainha que tinha a princesinha nos braços. Quando todas as fadas que estavam na mesa deram os seus presentes, a fada velha se levantou e com a fala cheia de mágoa disse:
Não sei porque tão boas sinas para a princesinha já que ela nem vai aproveitar!
Ninguém entendeu o que ela queria dizer. E erguendo os braços a fada velha deu a sina:
- Ouçam bem, todos vocês: a princesa crescerá em graça e formosura! Amada por todos que a cercam! Mas... até a idade de dezesseis anos! Quando completar a décima sexta primavera ela picará o dedo no fuso de uma roca de fiar e morrerá. Sem remédio para isso!
Disse o que disse e desapareceu. As fadas, que já tinham fadado e não podiam desmanchar o que a fada velha tinha feito, choravam sem consolo. Foi então que a fada mais nova saiu do seu esconderijo e disse:
Não posso desmanchar o que foi fadado porque não tenho poderes para isso. Mas, como ainda não dei meu presente, posso tentar ajudar.
E erguendo os braços a jovem fada agitou a sua varinha dizendo:
Fado que a princesinha não morra quando o fuso lhe ferir o dedo! Que fique dormindo por cem anos! Vai dormir até ser acordada pelo beijo de um lindo príncipe! Um beijo de amor!
Mesmo assim, a festa perdeu a graça e acabou. O rei proibiu, sob pena de morte, que alguém fiasse com o fuso naquele reino. Por precaução, quando a princesinha fez quinze anos, foram todos para um outro palácio. Um castelo mais escondido que o rei possuía. Ao chegar no grande palácio, a menina andava, para cima e para baixo. Curiosa como só ela. E lá num quarto no alto da torre, encontrou uma criada que estava fiando. Na verdade era a fada velha disfarçada. A princesinha nunca tinha visto aquilo e quis fazer igual. Assim que a menina pegou no fuso, ele saltou de sua mão e furou seu dedo. A princesinha caiu para trás, como morta. A fada velha deu uma terrível gargalhada e sumiu numa cortina de fumaça. Todos correram e deitaram a menina numa cama. A fada mais nova veio voando e bateu a varinha de condão no alto do palácio. Todo mundo que estava dentro pegou no sono profundo. Os músicos ficaram com os instrumentos na boca e a cozinheira ficou dormindo na frente do fogão onde uma galinha estava sendo assada. Até o fogo adormeceu. A fada mais nova fez um novo gesto com a varinha e uma densa floresta surgiu em volta do castelo para proteger os que dormiam ali. Só o rei e a rainha não adormeceram. Eles beijaram sua filha, abençoaram e foram embora, com a fada, para o seu reino. Rezavam todos os dias para que o encanto tivesse fim. Mas a terrível sina não se quebrou, o rei e a rainha morreram e o reinado deles acabou. Só ficou o palácio dentro dessa floresta, com a princesa dormindo o seu sono mágico e centenário. E assim termina essa triste história, disse o velho, que é verdadeira do inicio ao fim.
O príncipe ficou curioso em saber se a história que o velho contou era verdadeira mesmo. No dia seguinte, bem cedo, pegou um facão afiado e foi para floresta. Chegou e meteu o facão, abrindo caminho, porque a mata era fechada. Ia abrindo e entrando, e assim trabalhando, foi andando, até que deu com o palácio coberto de cipós, sem nenhum rumor, parecendo morto. O príncipe entrou pela porta principal e foi vendo: soldados, músicos, damas, senhores, até os bichos, Tudo parado, dormindo a sono solto.
Ele subiu por uma escada e passou por salas cheias de gente roncando. Até que entrou num quarto onde viu uma cama protegida por um lindo dossel. O príncipe puxou a cortina do dossel e viu a moça mais bonita do mundo, profundamente adormecida. O rapaz ficou completamente apaixonado. Nunca tinha visto uma jovem tão linda. Ele aproximou-se devagar e beijou a princesa. A jovem abriu os olhos e disse:
- Oh, príncipe! Como demoraste em vir!
O palácio estremeceu e todo mundo acordou. O príncipe ouviu as cornetas tocando, bichos berrando, gargalhadas, gritos, música, enfim... barulho de gente viva.
Veio um mordomo muito bem vestido anunciar que o jantar estava à mesa e o príncipe comeu a galinha que estava sendo assada há cem anos.
Ficou aí como num céu aberto e os dois casaram sem perder tempo.
Os dias voavam e o casal era muito feliz.
Mas o príncipe escondia um segredo: sua mãe que tinha sina de lobisomem. O rapaz ia ao palácio da rainha para dar ordens e voltava para o castelo de sua amada. Sempre dizia que estava caçando e não queria que ninguém o acompanhasse.
No fim de um ano a princesa teve um filho. Um menino lindo a quem deram o nome de Belo-Dia. E no outro ano nasceu uma menina, que foi chamada de Bela-Aurora.
Mas o reino entrou em guerra e o príncipe tinha que seguir com as suas tropas. Como não queria deixar a mulher e os filhos sozinhos, resolveu levar todos para o palácio da rainha. Foi na frente e contou toda a história para sua mãe. A rainha fez uma cara estranha e ficou imaginando as piores coisas.
Antes de partir, o príncipe dividiu o palácio em duas partes A Rainha ficaria num lado e a princesa com os filhos no outro. O rapaz chamou um velho mordomo, que era seu amigo, e pediu que vigiasse sua família e tivesse muito cuidado com a rainha.
Assim que o príncipe montou a cavalo e viajou, a malvada rainha começou a ter vontade de comer gente. Ficou mesmo bruta e, como o desejo não passava, chamou o velho mordomo. Mandou que lhe servisse Belo-Dia, com bom molho e batatas coradas, para o almoço do dia seguinte.
O velho só faltou morrer. Pensou.... pensou.... e procurou a princesa. Contou tudo e a moça ficou desesperada. O velho mordomo levou Belo-Dia para sua casinha, longe do palácio e escondeu-o. Na manhã do outro dia matou uma lebre, preparou e serviu a malvada rainha. A danada comeu lambendo os beiços.
Dias depois veio o desejo e ela queria comer Bela-Aurora. Queria a menina assada e temperada com melado. O velho levou a menina para casa e assou uma gata. A rainha comeu chupando os dedos de felicidade.
Dois dias depois exigiu que a princesa fosse refogada em molho de tomate e cebola para o jantar. O velho mordomo levou a princesa para sua casa, juntou-a aos filhos e matou uma ovelha. A rainha comeu saboreando.
Os dias iam passando e a rainha só pensava em comer gente. Saia pelas ruas do reino para caçar como uma desesperada. Uma noite, foi para bem longe do palácio e viu uma casinha escondida na mata. A malvada se aproximou e ficou escutando. Ouviu a voz da princesa e a de seus netos conversando dentro da casa. Eles falavam sobre o príncipe e da saudade que tinham dele. Mas a rainha malvada não tinha coração, nem pena para isso. Percebeu logo que aquela era a casa do velho mordomo e resolveu se vingar. Mandou prender a nora, os netos e o velho. Depois ordenou que se fizesse uma fogueira enorme para queimar aqueles que a desobedeceram. Os guardas, sem outra alternativa, amarram os quatro infelizes num tronco em cima da fogueira. A rainha ficou na varanda assistindo a tudo. Numa gargalhada ela mandou os guardas botarem fogo na lenha. Quando as chamas começavam a crescer ouviu-se uma corneta e barulho de cavalos que se aproximavam. Era o príncipe que voltava vitorioso das guerras. O rapaz estava morto de saudades da mulher e dos filhos e vinha com seus soldados no maior galope. Chegando na praça e vendo aquela cena terrível, o príncipe pulou de seu cavalo, puxou a espada e libertou a princesa, os filhos e o seu velho amigo. Bufando de raiva, o jovem guerreiro gritou perguntando quem se atrevera a maltratar aqueles que ele mais amava no mundo.
A rainha com medo da ira do príncipe saltou da varanda para a fogueira. Morreu, queimada, estorricada, virada cinza e pó. Foi soprada para sempre pelo vento.
O príncipe foi para o palácio abraçado com a princesa e carregando nos ombros Belo-Dia e Bela-Aurora. Convidou seu velho amigo para continuar morando com eles e todos foram felizes como Deus com os anjos. Felizes para sempre.

Conto popular - Adaptação de Augusto Pessôa

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