Páginas

Marcilio Patriota e a alma penada





Marcílio era viciado em jogo de baralho e quando tinha algum dinheiro fazia o uso das cartas. Certa vez jogou durante todo um final de semana na cidade de São José do Egito(PE).

Na madrugada de domingo para segunda depois de perder todo dinheiro, resolveu apostar a própria roupa. Não era o dia da sorte e em poucos minutos perdeu as calças a camisa e os sapatos.

Liso, com fome e só de cuecas rumou para Ouro Velho (PB) a pé, naquela madrugada fria e escura. Já próximo de Mundo Novo, avistou através da claridade da lua nova uma casa velha e abandonada.

Entrou na casa espantando os morcegos com o chapéu de palha e deitou-se em um dos quartos, porém não conseguiu dormir, estava muito frio e de vez em quando ele ouvia uns gemidos vindos da cozinha.

Sentou-se no chão e começou a pensar, bem que poderia ser uma alma penada e lhe oferecer uma bela botija. Sonhava acordado, se fosse verdade o que iria fazer com o dinheiro da alma. Bem, para começar compraria a Fazenda de Zé Nunes; o caminhão de Severino Ford; roupas novas e jurava nunca mais pegaria em uma carta de baralho. Também não poderia esquecer-se de ir a Monteiro e pagar uma missa a Padre João Honório em sufrágio da alma penada.

De repente uma luz forte invadiu o quarto ofuscando seus olhos e encostada na parede uma mulher vestida de branco falou com uma voz rouca e trêmula:

- Moço eu queria que o senhor pagasse dez mil reis que fiquei devendo na bodega, só assim eu saio do purgatório.

Marcílio se levantou indignado, aprumou o velho chapéu de palha na cabeça, dirigiu-se a porta, pois não dava mais para dormir ali, olhou indignado para a alma e respondeu:

- Vá para o inferno alminha sem vergonha, logo eu que não tenho um centavo!


O Soldado de Zé Ester



Nasceu no Boi Velho, que na época pertencia à Monteiro e era família dos Bernardos e de Caboco Ferreira todos gente afamada naquelas quebradas dos Velhos Cariris.

Só tinha um problema , Zé que era pequeno e magro que só um sibito, queria a todo custo entrar pra gloriosa Polícia Militar da Paraíba, onde pretendia alcançar quem sabe , o posto de marechal , uma patente muito em voga no exército brasileiro , isso lá no limiar dos anos sessenta aonde era tido como certo que o mundo ia se acabar e os Estados Unidos , alimentavam uma guerra idiota com os comunistas da Rússia , fato que nem de longe interessava a Zé.

Apesar da compleição física contrária a qualquer regimento militar – um metro e cinquenta e poucos centímetros, e uns cinquenta e poucos quilos, Zé , por indicação de um padrinho forte, foi incorporado à briosa Polícia Militar da Paraíba.
De farda caqui , quepi e coturno , ele era o próprio Zé Carrapeta , personagem do poema O ABILOLADO, do poeta Chico Pedrosa.

Depois que passou "a pronto" foi lotado no quartel de Campina Grande , onde enfrentou a antipatia do comandante que não lhe dava descanso.

Cumprido o prazo de recolhimento e treinamento no quartel de Campina , eis que chega a hora do bravo contingente partir para cumprir o seu dever ou seja: Todo mundo ir para o interior , estabelecer a ordem nas regiões mais críticas onde ainda imperava o "faroeste" , quando se falava que o rifle 44 , era a justiça do Piancó.

Conceição na Paraíba, por exemplo, não era naquela época o melhor lugar do mundo pra se ser soldado de polícia.

Zé morria de medo de ser enviado pra lá o que era quase certo por parte do seu comandante truculento .

Todo mundo perfilado , o comandante gritando , soldado fulano, vai pra tal lugar , soldado cicrano tal lugar e quase chegando a vez de Zé que teve uma ideia terminal, começou a falar bem alto, como se estivesse conversando com os colegas:

"Não me mandando pra Prata nem pra Ouro velho , onde eu tenho inimigos , pra mim qualquer lugar, tá bom".

Não deu outra, o chefão gritou de lá:

Soldado José Paes de Lira, vai destacar na Prata.

E Zé queria outra coisa?

Nunca foi promovido, nunca prendeu ninguém (pelo menos sozinho), e também até morrer, nunca mais saiu do eixo Prata/Boi Velho, onde fez muitos amigos e compadres e tomou suas cachaças até viajar desta para a melhor, em baixa definitiva.


Zelito Nunes

Nós tamo é lascado!!!






Dois matutos de Monteiro no Cariri paraibano, cansados da seca e das promessas dos políticos, decidiram tentar a vida em uma cidade grande. Venderam o burro, o jumento e o cavalo e na esperança de um dia voltar, rumaram para o Rio de Janeiro.

Chegando lá, por sorte, arranjaram empregos de serventes em uma pequena construção, o salário era pequeno mal dava para sobreviver e raramente sobravam alguns trocados para enviarem para aos familiares na Paraíba.

Durante o período do carnaval dois árabes, fazendo turismo no Rio, passaram em frente à obra e viram os paraibanos de enxadas nas mãos, mexendo areia e cimento. O sol estava escaldante e os nordestinos suavam até pela ponta do nariz. Os turistas se aproximaram e admirados de tanta bravura, perguntaram quais os salários dos dois. Eles informaram que ganhavam o salário mínimo e que era muito pouco.

Os turistas, perguntaram se eles não aceitavam ir morar na Arábia Saudita e trabalhar lá recebendo salários mais justos. Os paraibanos esclareceram que não seria possível viajar para um lugar tão longe, pois faltava o dinheiro das passagens. Os árabes afirmaram que isto não seria um problema já que os mesmos estavam de avião particular e daria para levar os dois.

Depois do carnaval e após uma prece ao Padim Pade Ciço, os nossos irmãos embarcaram para mais uma aventura. Quando o avião estava sobrevoando o deserto do Saara, apresentou uma pane, sendo necessário um pouso não programado.

Um dos paraibanos desceu do avião, olhou em frente só viu areia, do lado direito areia, do lado esquerdo e na parte de trás também só se via areia e ai ele com ar de preocupação virou-se para o companheiro e falou: SEVERINO, NÓIS TAMO É LASCADO QUANDO CHEGAR O CIMENTO!

Por Severino Nunes de Melo

Milonga






Milonga é doidinho e vive catando coisinhas no chão, na cidade de São José do Egito e ninguém (nem ele mesmo) lhe sabe o nome, ou de onde veio.

Mulato e baixinho, tem o tipo físico dos habitantes da zona canavieira de Pernambuco, lugar de onde acham que ele veio.

Solícito, não é homem para negar um mandado a ninguém, por isso, um lhe dá a roupa outro a comida e assim vai tocando a sua vida, debaixo da benevolência e da imensa piedade de Deus.

Otacílio era um rapaz ainda muito novo, quando morreu de um “sucesso”.

Uma “Lazarina” de cano fino, uma medida de chumbo seis, outra de pólvora “Elefante”, duas buchas de corda bem vaquetadas, uma espoleta “Pica-pau”, e um garrancho que bateu na queixa da espingarda, que era “muito doce” (espingarda doce é aquela que dispara com muita facilidade e que a gente conduz com muito cuidado, nos braços, assim como quem carrega roupa engomada), promoveram o tiro que lhe varou a titela.

O que foi uma pena pois era um rapaz muito moço ainda.

Como ninguém tinha coragem de dar a notícia ao seu avô, já velhinho e morando a uma certa distância, Milonga se encarregou de ser o emissário de tão triste novidade .para o coitado que era louco pelo neto a quem chamava de Tercílio por que não conseguia pronunciar-lhe o nome corretamente.

Lá vai Milonga cumprir a sua missão macabra... Encontra o velhinho, sentado numa espreguiçadeira, na sala da casinha onde morava, conversando com as suas “apragatas”, assuntando coisas da vida, sem importância.

Milonga, sem “arrodeios”, botou a cabeça na janela e foi logo anunciando a tragédia:

– Seu Chiquinho, sabe Tercílio, seu neto ?

– Sim, o que foi que houve?

– Morreu! – Morreu dum tiro de espingarda, lá nele, bem na caixa dos peitos!
O pobre não se conteve:

– Ah meu Deus, meu neto morreu e eu não quero mais viver, eu quero ir junto com ele!, Eu quero ir pro céu com ele!

Milonga, que a tudo assistia impassível, foi providencial:

– Apois ”côide” logo, seu Chiquinho, que já tão fechando o caixão!


http://ocarao.blogspot.com.br/

Valei-me, meu Santo Antônio








– Valei-me, meu Santo Antonio!
Foi com um berro, meio que de devoção, meio que de desespero, que Seu Claudiomiro – e sua turma da lida na roça – pulou da caminhonete em movimento. Não era assombração de verdade, mas eles nem perceberam. O susto foi maior!
– Vixe Maria, seu moço! Me borrei todo!
Foi assim…
Seu Claudiomiro estava na beira da estrada, esperando uma carona para voltar à cidade. O dia foi árduo na labuta. A roça de milho carecia cuidados, afinal a colheita era aguardada.
O velho contava causos do santo casamenteiro pra sua turma, enquanto um filho de Deus generoso passasse de carro para dar-lhes carona.
Quilômetros antes, Joaquim de Nôinha pegou carona numa caminhonete. Foi em cima, na carroceria. Lá, era transportado um caixão vazio. Seria doado a uma família carente da cidade, que teve um dos entes queridos falecido na noite anterior.
Começou a chover.
Para escapar do aguaceiro, Joaquim de Nôinha não pensou duas vezes e se abrigou dentro do caixão.
A caminhonete foi avistada por Seu Claudiomiro e a turma de roceiros. Braço em riste, pediu carona e o generoso condutor também parou.
Sorridentes, os roceiros pularam na carroceria, sem imaginar que outro viajante estaria ali, num local inusitado.
O sorriso deu lugar a olhar de reverência. Poderia ter ali um defunto, naquele caixão.
– Deus guarde sua alma. Rezava Seu Claudiomiro.
A essa altura, a chuva já havia passado e, depois de um cochilo tirado por Joaquim de Nôinha no escurinho do caixão, o moço resolveu sair!
– Tarde, pessuá!
– Valei-me, meu Santo Antonio! Gritou Seu Claudiomiro.
– Creindeuspadre! Arremataram os roceiros, aos berros, antes de pularem da caminhonete em movimento!
Pensaram que um morto-vivo saíra do caixão! E foi assim, correndo léguas, que a turma deu novo sentido ao santo casamenteiro: protetor dos viajantes contra assombrações!

http://bahianalupa.com.br/causos-nordestinos-valei-me-meu-santo-antonio/