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Um Caminho Difícil








  Catarina hesitou antes de atravessar a rua. O caminho mais curto para casa da avó passava pelo meio do jardim. Mas de certeza que no parque infantil estavam todos os rapazes turcos da zona. E eles ficam sempre a olhar… Andam por ali e, quando alguém passa, põem-se a olhar para as pessoas e gritam entre eles em turco. De certeza que estão a rir-se dela, Catarina.

   — Nem deixam os nossos filhos ir para os baloiços. Acham que o parque é todo deles — queixa-se a Dª Maria.

   E a Dª Antónia:

   – Ai, o que eles gritaram nas minhas costas… nem quero repetir!

   E a Gabriela disse, e a Paula disse, e o Jacob disse…
- Não! Pelo meio do parque é que não vai!

   Mas na rua principal está a loja com os faisões e os coelhos pendurados à porta. De uma vez, uma gota de sangue caiu no passeio, no preciso momento em que Catarina passava. E o passeio ali é tão estreito…

   E na Rua das Árvores está aquele cão grande que ladra como um maluco. Da última vez, tinha voltado a pôr-se aos saltos e não faltara muito para passar a cerca. Era um pastor alemão. Na mercearia, já tinham dito que os pastores alemães, às vezes, não são muito certos da cabeça. E este tinha um brilho perigoso nos olhos.

   Catarina suspirou. Contou os botões do casaco. Turcos, faisões, cão. Turcos, faisões, cão. Turcos. Bom, tinha de ir pelo parque.

   Esperou que passassem cinco carros vermelhos. Podia ser que aparecesse alguém que também atravessasse o parque e Catarina seguiria atrás.

   Claro que não veio ninguém.

   Para casa, Catarina também não podia voltar. A mãe diria:
— Os Turcos são meninos como tu e os teus amigos; de coelhos e faisões não precisas de ter medo, e cães que ladram não mordem.

   E voltaria a contar a história do cão grande que quase parecia que queria comê-la. Um dia, um carro deitara abaixo a cerca do jardim e o cão continuou a correr exatamente como se a grade ainda lá estivesse e não veio para a rua. Só saltava para o ar.

   Catarina já sabia tudo isto, o que, mesmo assim, não ajudava nada.

   Respirou fundo, atravessou a estrada e transpôs o portão do parque.

   O chão estava cheio de castanhas vermelho-acastanhadas brilhantes. Catarina pegou numa e fechou-a com força na mão. Pôs o pé na fenda entre duas patelas de cimento. Se conseguisse andar em cima dela, não lhe aconteceria nada.

   De repente, uma bola vermelha passou-lhe por entre os pés. Catarina tropeçou. Alguém se riu, muito alto, e outra, logo a seguir. Começou a correr, pisou um ramo caído, escorregou e caiu ao chão.

   Nesse momento, sentiu uma mão no ombro.

   Fechou os olhos com quanta força tinha, mas, passado algum tempo, teve mesmo de abrir os olhos.

   A menina que estava de pé ao seu lado trazia um bebê à cintura. Ambos tinham cabelo preto.

   — Magoaste-te? — A menina ajudava Catarina a pôr-se de pé. Só nesse momento é que Catarina viu o joelho inchado e o sangue a correr pela perna. O joelho começou a arder e a doer.

   — Temos de limpar isso — disse a menina. — Senta-te.

   Catarina deixou-se conduzir até um banco. Sentou-se, obediente, e esperou.

   No parque infantil, estavam quatro rapazinhos a olhar. A menina voltou com um pano molhado. Sentou o bebê no colo de Catarina e começou imediatamente a limpar o joelho. O bebê esperneava e Catarina tinha de o segurar com muita força.

   A menina tirava areinhas da ferida. Era muito cuidadosa, mas, mesmo assim, Catarina encolhia-se toda e quase gritou. Em seguida, a menina tirou um frasco do bolso da saia.

   — Vai arder um bocadinho — disse, enquanto esguichava um líquido cor-de-laranja no joelho. — Já está! Agora só falta o penso.

   — Porque é que tens isso tudo contigo? — perguntou Catarina.

   — Tenho de tomar conta dos meus irmãos e está sempre a acontecer-lhes alguma coisa — respondeu, sentando-se ao lado de Catarina.

   O bebê começou a queixar-se. A menina levantou-o e cheirou-lhe as calças.

   — Claro, já está sujo outra vez. Tenho de ir para casa porque já não tenho mais fraldas.

   Levantou-se, pôs novamente o bebê à cintura, uma perna a balançar para a esquerda, outra para a direita. O bebê ria. Catarina mancava ao lado dela. O joelho ardia-lhe de cada vez que tentava dobrá-lo.

   Os rapazes estavam debruçados sobre a torneira da água, punham os dedos no cano e esguichavam à sua volta.

   A menina gritou-lhes alguma coisa e de seguida murmurou entre dentes:

   — Rapazes…

   Catarina sorriu. A menina interrogou-a com o olhar.

   — Tu disseste isso no mesmo tom com que a minha tia costuma dizer: — Homens!

   A menina disse que sim com a cabeça.

   — Os irmãos são horríveis, não achas?

   — Eu não tenho nenhum — disse Catarina. — Mas gostava de ter um mais velho e um mais novo.

   A menina abanou a cabeça. À saída do parque, disse:

   — Olha, estou quase sempre aqui no parque. Vens cá amanhã outra vez?

   — Talvez.

   A menina e o bebê seguiram para a esquerda, Catarina para a direita. De repente lembrou-se de que nem sequer tinha agradecido.

   — Obrigada! — gritou, embora soubesse que não podia ser ouvida por causa do barulho da rua. — Amanhã eu volto!

Renate Welsh
Jutta Modler (org.)
Brücken Bauen
Wien, Herder, 1987

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