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O Bom Negócio





Era uma vez um camponês que tinha levado a sua vaca para a feira, e a vendeu por sete moedas. No caminho de volta para casa ele tinha de passar por um lago, e já de longe ele ouvia os sapos gritando:
- Iquá, quá, quá, quá!
- "Bem," disse ele para si mesmo, "eles não sabem o que estão dizendo, são sete moedas que eu recebi não quatro.
Quando ele entrou na água, o camponês gritou para eles:
- "Criaturas estúpidas que vocês são! Vocês não sabem de nada! São sete moedas e não quatro."

Os sapos, no entanto, continuavam a mesma ladainha, "Iquá, quá, quá, quá!"
- "O quê, vocês não acreditam, eu posso mostrar na frente de vocês," e ele tirou o dinheiro do bolso e contou os sete talheres, levando-se em conta que vinte e quatro moedas equivalem a uma moeda. Os sapos, todavia, sem saber o que ele dizia, continuam dizendo "Iquá, quá, quá, quá!"
- "O quê!!! exclamou o camponês que já estava ficando zangado, - "já que vocês acham que sabem mais do que eu, contem vocês mesmos," e jogou todo o dinheiro na água.

Ele ficou parado e ficou esperando até que tivessem terminado de contar e lhe devolvessem o dinheiro de novo, mas os sapos ficaram imóveis e gritavam sem parar: "Iquá, quá, quá, quá!" e além disso, não jogaram o dinheiro de volta para ele. Ele ainda esperou um bom tempo até que a noite chegou e ele foi obrigado a ir para casa.

Então, ele insultou os sapos dizendo:
- "Escuta aqui, seus espirradores de água, seus cabeças gordas, seus olhos esbugalhados, vocês tem bocas grandes e podem berrar até estourarem os seus ouvidos, mas vocês não sabem contar sete moedas! Vocês acham que eu vou ficar esperando aqui até quando terminarem? E com isso ele foi embora, mas os sapos continuavam gritando "Iquá, quá, quá, quá!" depois que ele se foi, até que ele chegou em casa muito furioso.

Passado algum tempo ele comprou uma nova vaca, a qual ele matou, e fez as contas que se ele vendesse a carne por um preço bom, ele poderia ganhar o equivalente ao que duas vacas valeriam, e usaria ainda o couro dela na troca. Quando então ele chegou na cidade com a carne, uma grande matilha de cães estava reunida na frente do portão, e eram chefiados por um cachorro galgo, que pulou na carne, meteu o focinho nela e latindo: "Uau, uau, uau."

Como ele não parava de latir, o camponês disse para ele: - "Sim, sim, eu sei muito bem o que você está dizendo "uau, uau, uau," porque você quer um pedaço de carne, mas eu teria um prejuízo se eu desse um pedaço para você." O cachorro, todavia, não respondia nada, somente "uau, uau, uau." - "Você promete não devorar tudo, então, e você se responsabiliza pelos teus amigos?"

"Uau, uau, uau.," dizia o cachorro. - "Bem, se você insiste, eu vou te dar um pedaço, eu te conheço bem, e sei que você é quem manda, mas eu lhe digo, dentro de três dias eu preciso receber o dinheiro, caso contrário, você vai se ver comigo, e você deve entregar o dinheiro lá em casa." E assim ele descarregou a carne e virou as costas, e os cachorros pularam em cima dela e latiam alto: "uau, uau, uau."

O camponês, ouvindo-os de longe, dizia consigo mesmo: - "Escute só, todos eles queriam um pedaço, mas o grandalhão é o principal responsável por tudo."

Três dias haviam se passado, e o camponês pensou: - "Hoje o dinheiro estará no meu bolso," e ficou muito satisfeito. Mas ninguém aparecia para lhe dar o dinheiro. - "Será que não dá para confiar em ninguém hoje em dia," pensou ele, e finalmente ele perdeu a paciência, e foi até a cidade procurar o açougueiro e exigir o seu dinheiro. O açougueiro achou que era uma brincadeira, mas o camponês dizia: - "Não estou brincando, eu quero o meu dinheiro! Por acaso, o cachorro grande não trouxe para você uma vaca inteirinha que eu matei há três dias atrás?"

Então o açougueiro ficou nervoso, pegou um cabo de vassoura e expulsou o camponês. - "Espere um pouquinho," pensou o camponês, "deve haver ainda justiça no mundo!" e foi para o palácio do rei e solicitou uma audiência. Ele foi levado diante do rei, o qual estava sentado ao lado da sua filha, e lhe perguntou que prejuízo ele havia sofrido. - "O senhor não imagina," disse ele, os sapos e os cachorros tomaram de mim o que me pertence, e o açougueiro me retribuiu com vassouradas," e relatou com todos os detalhes tudo o que havia acontecido. Então, a filha do rei começou a achar tudo muito engraçado e o rei disse para ele: - "Não posso te fazer justiça nesse caso, mas você receberá a minha filha como esposa, -- em toda a sua vida ela nunca riu desse jeito como riu agora, e eu prometi que ela se casaria com aquele que conseguisse fazê-la sorrir. Você deve agradecer a Deus porque você é um cara de sorte!"

- "Oh," respondeu o camponês, "não posso me casar com ela, eu já tenho uma esposa, e ela já é demais para mim, quando eu vou para casa, é tudo tão ruim que é como se eu tivesse uma esposa em cada canto da casa." Então, o rei se ofendeu, e disse: - " Você é um imbecil." - "Ah, senhor rei," respondeu o camponês, "o que você pode esperar de uma vaca, que não fosse um bife?" - "Chega," disse o rei, "vou te dar uma outra recompensa. Vai-te embora agora e volta dentro de três dias, e então, terás quinhentos bem contados."

Quando o camponês saía pelo portão, o sentinela disse: - "Você conseguiu fazer a filha do rei sorrir, então, certamente você receberá alguma coisa boa." - "Sim, é o que eu também acho," respondeu o camponês, "quinhentos bem contados me serão dados." - "Escuta," disse o soldado, "me dê um pouco disso. O que você vai fazer com todo esse dinheiro?"

- "Como é para você," disse o camponês, "você receberá duzentos, dentro do prazo de três dias, apresente-se diante do rei, e peça a ele que isso te seja entregue." Um judeu, que estava parado ali, e tinha ouvido a conversa, foi correndo atrás do camponês, o segurou pelo casaco, e disse: - "Oh, maravilha! que garoto de sorte que você é! Eu troco para você, eu troco para você com pequenas moedas, porque você precisa das notas graúdas do dinheiro?" - "Judeu," disse o camponês, "você ainda pode receber trezentos, me dê esse valor agora mesmo em moedas, dentro de três dias a partir de hoje, você poderá receber esse valor pelas mãos do rei."

O judeu dava pulos de alegria diante do lucro, e trouxe todo o valor em moedas muito usado, onde três dos ruins valeriam dois bons. Três dias haviam decorridos, e de acordo com a ordem do rei, o camponês compareceu diante do rei. - "Tire o casaco dele," disse o rei, "e ele receberá os quinhentos." - "Ah," disse o camponês, "eles não me pertencem mais, eu dei de presente duzentos deles para o sentinela, e trezentos o judeu trocou para mim, então, por direito, não tenho direito a mais nada."

Nesse momento, o soldado e o judeu entraram e reclamaram o que eles tinham ganhado do camponês, e eles receberam as quinhentas chicotadas bem contadas. O soldado suportou com paciência pois já tinha sofrido antes, mas o judeu falou arrependido: - "Oh não, seriam este dinheiro que eu deveria receber?" O rei não conseguia para de rir para o camponês, e toda a sua raiva foi embora, e ele disse: - "Como você já recebeu a tua recompensa antecipadamente, eu te darei uma compensação em troca. Vá até a minha câmara de tesouro e pegue todo o dinheiro que quiser."

Não precisou que o rei falasse duas vezes para o camponês, e ele encheu os seus bolsos enormes com tudo o que coube dentro. Depois ele foi até uma estalagem, e contou todo o dinheiro. O judeu foi escondido atrás dele e ouvia que ele resmungava sozinho, - "O desgraçado do rei me trapaceou afinal, porque ele mesmo não poderia ter-me dado o dinheiro, e então, eu saberia o quanto tenho? Quem pode me dizer agora, se o que eu tive a sorte de colocar nos meus bolsos é suficiente ou não? - "Meu Deus do céu!," disse o judeu para si mesmo, "esse homem está falando de modo desrespeitoso do nosso senhor, o rei, eu vou correndo lá para informá-lo, e então, eu receberei uma recompensa, e ele será punido também."

Quando o rei ouviu o que o camponês tinha dito, ele ficou furioso, e exigiu que o judeu fosse e trouxesse o blasfemador até ele. O judeu correu até onde o camponês estava, - "Você precisa ir imediatamente até o rei, nosso senhor, com as roupas que você estiver usando."

- "Sei de uma coisa melhor que essa," respondeu o camponês, "preciso conseguir um casaco novo primeiro. Você acha que um homem com tanto dinheiro no bolso se apresenta diante do rei com um casaco velho e rasgado?"

O judeu, quando ele viu que o camponês não se mexia porque não tinha outro casaco, e como ele temia que a fúria do rei esfriasse, e ele próprio perderia a sua recompensa, e o camponês não seria punido, ele disse: - "Eu mesmo, como prova da minha verdadeira amizade, te empresto um casaco por algum tempo. O que as pessoas não fazem por amor!" O camponês deu-se por satisfeito, vestiu o casaco do judeu, e saiu em companhia dele.

O rei repreendeu o camponês porque ele havia falado mal de acordo com o que o judeu tinha informado. - "Ah," disse o camponês, "o que um judeu fala é sempre mentira -- jamais se ouviu que um judeu falasse a verdade! Esse ordinário é capaz de dizer que eu estou usando o casaco dele."

- "O que você disse?" berrou o judeu. "Este casaco não é meu? Eu emprestei ele a você por pura amizade, para que você pudesse se apresentar diante do rei?" Quando o rei ouviu isso, ele disse: - "O judeu com certeza está me enganando ou a nós dois, ou a mim ou ao camponês," e novamente mandou que lhe aplicassem novas e pesadas chibatadas. O camponês, todavia, voltou com um casaco novo, com dinheiro no bolso, e dizia para si mesmo: - "Desta vez eu acertei!"


O Fiel João






Houve, uma vez, um velho rei que, sentindo-se muito doente, pensou:
"Este será o meu leito de morte!" - disse, então, aos que o cercavam:
- Chamem o meu fiel João.
O fiel João era o seu criado predileto, assim chamado porque, durante toda a vida, fora-lhe extremamente fiel. Portanto, quando se aproximou do leito onde estava o rei, este lhe disse:
- Meu fidelíssimo João, sinto que me estou aproximando do fim; nada me preocupa, a não ser o futuro de meu filho; é um rapaz ainda inexperiente e, se não me prometeres ensinar-lhe tudo e orientá-lo no que deve saber, assim como ser para ele um pai adotivo, não poderei fechar os olhos em paz.
- Não o abandonarei nunca, - respondeu o fiel João, - e prometo servi-lo com toda a lealdade, mesmo que isso me custe a vida.
- Agora morro contente e em paz, - exclamou o velho rei e acrescentou: - depois da minha morte, deves mostrar-lhe todo o castelo, os aposentos, as salas e os subterrâneos todos, com os tesouros que encerram. Exceto, porém, o último quarto do corredor comprido, onde está escondido o retrato da princesa do Telhado de Ouro; pois, se vir aquele retrato, ficará ardentemente apaixonado por ela, cairá num longo desmaio e, por sua causa, correrá grandes perigos, dos quais eu te peço que o livres e o preserves.
Assim que o fiel João acabou de apertar, ainda uma vez, a mão do velho rei, este silenciou, reclinou a cabeça no travesseiro e morreu.
O velho rei foi enterrado e, passados alguns dias, o fiel João expôs ao príncipe o que lhe havia prometido pouco antes de sua morte, acrescentando:
- Cumprirei a minha promessa. Ser-te-ei fiel como o fui para com ele, mesmo que isso me custe a vida.
Transcorrido o período do luto, o fiel João disse-lhe:
- Já é tempo que tomes conhecimento das riquezas que herdaste; vamos, vou mostrar-te o castelo de teu pai.
Conduziu-o por toda parte, de cima até em baixo, mostrando-lhe os aposentos com o imenso tesouro, evitando porém uma determinada porta: a do quarto onde se achava o retrato perigoso. Este estava colocado de maneira que, ao abrir-se a porta, era logo visto; e era tão maravilhoso que parecia vivo, tão lindo, tão delicado que nada no mundo, se lhe podia comparar. O jovem rei notou que o fiel João passava sempre sem parar diante daquela única porta e, curiosamente, perguntou:
- E essa porta, por quê não abres nunca?
- Não abro porque há lá dentro algo que te assustaria, - respondeu o criado.
O jovem rei, porém, insistiu:
- Já visitei todo o castelo, agora quero saber o que há lá dentro.
E foi-se encaminhando, decidido a forçar a porta. O fiel João deteve-o, suplicando:
- Prometi a teu pai, momentos antes de sua morte, que jamais verias o que lá se encontra, porque isso seria causa de grandes desventuras para ti e para mim.
- Não, não, - replicou o jovem rei; - a minha desventura será ignorar o que há lá dentro, pois não mais terei sossego, enquanto não conseguir ver com meus próprios olhos. Não sairei daqui enquanto não abrires essa porta.
Vendo que nada adiantava opor-se, o fiel João, com o coração apertado de angústia, procurou no grande molho a chave indicada. Tendo aberto a porta, entrou em primeiro lugar, pensando, assim, encobrir com seu corpo a tela, a fim de que o rei não a visse. Nada adiantou, porém, porque o rei, erguendo-se nas pontas dos pés, olhou por cima de seu ombro e conseguiu vê-la.
Mal avistou o retrato da belíssima jovem, resplandecente de ouro e pedrarias, caiu por terra desmaiado. O fiel João precipitou-se logo e carregou-o para a cama, enquanto pensava, cheio de aflição: "A desgraça verificou-se; Senhor Deus, que acontecerá agora?" Procurou reanimá-lo, dando-lhe uns goles de vinho, e assim que o rei recuperou os sentidos, suas primeiras palavras foram:
- Ah! De quem é aquele retrato maravilhoso?
- Ê da princesa do Telhado de Ouro, - respondeu o fiel João.
- Meu amor por ela, - acrescentou o rei, - é tão grande que, se todas as folhas das árvores fossem línguas, ainda não bastariam para exprimi-lo; arriscarei, sem hesitar, minha vida para conquistá-la; e tu, meu fidelíssimo João, deves ajudar-me.
O pobre criado meditou, longamente, na maneira conveniente de agir; porquanto, era muito difícil chegar à presença da princesa. Após muito refletir, descobriu um meio que lhe pareceu bom e comunicou-o ao rei.
- Tudo o que a circunda é de ouro: mesas, cadeiras, baixelas, copos, vasilhas, enfim, todos os utensílios de uso doméstico são de ouro. Em teu tesouro há cinco toneladas de ouro; reúne os ourives da corte e manda cinzelar esse ouro; que o transformem em toda espécie de vasos e objetos ornamentais: pássaros, feras e animais exóticos; isso agradará a princesa; apresentaremos a ela, oferecendo essas coisas todas, e tentaremos a sorte.
O rei convocou todos os ourives e estes passaram a trabalhar dia e noite até aprontar aqueles esplêndidos objetos. Uma vez tudo pronto, foi carregado para um navio; o fiel João disfarçou-se em mercador e o rei teve de fazer o mesmo para não ser reconhecido. Em seguida zarparam, navegando longos dias até chegarem à cidade onde morava a princesa do Telhado de Ouro.
O fiel João aconselhou o rei a que permanecesse no navio esperando
- Talvez eu traga comigo a princesa, - disse ele, - portanto, providencia para que tudo esteja em ordem; manda expor todos os objetos de ouro e adornar caprichosamente o navio.
Juntou, depois, diversos objetos de ouro no avental, desceu à terra e dirigiu-se diretamente ao palácio real. Chegando ao pátio do palácio, avistou uma linda moça tirando água da fonte com dois baldes de ouro. Quando ela se voltou, carregando a água cristalina, deparou com o desconhecido; perguntou-lhe quem era.
- Sou um mercador, - respondeu ele, abrindo o avental e mostrando o que trazia.
- Ah! Que lindos objetos de ouro! - exclamou a moça.
Descansou os baldes no chão e pôs-se a examiná-los um por um.
- A princesa deve vê-los, - disse ela; - gosta tanto de objetos de ouro que, certamente, os comprará todos.
Tomando-lhe a mão, conduziu-o até aos aposentos superiores, que eram os da princesa. Quando esta viu a esplêndida mercadoria, disse encantada:
- Está tudo tão bem cinzelado que desejo comprar todos os objetos.
O fiel João, porém, disse-lhe:
- Eu sou apenas o criado de um rico mercador; o que tenho aqui nada é em comparação ao que meu amo tem no seu navio; o que de mais artístico e precioso se tenha já feito em ouro, ele tem lá.
Ela pediu que lhe trouxessem tudo, mas o fiel João retrucou:
- Para isso seriam necessários muitos dias, tal a quantidade de objetos. Seriam necessárias também muitas salas para expô-los, e este palácio, parece-me, não tem espaço suficiente.
Espicaçou-lhe, assim a curiosidade e o desejo; então ela concordou em ir até ao navio.
- Leva-me, quero ver pessoal mente os tesouros que teu amo tem a bordo.
Radiante de felicidade, o fiel João conduziu-a a bordo do navio e, quando o rei a viu achou que era ainda mais bela do que no retrato; seu coração ameaçava saltar-lhe do peito de tanto alegria. O rei recebeu-a e acompanhou-a ao interior do navio. O fiel João, porém, ficou junto ao timoneiro, ordenando-lhe que zarpasse depressa.
- A toda vela, faça com que voe como um pássaro no ar, - dizia ele.
Entretanto, o rei ia mostrando à princesa, um por um, os maravilhosos objetos de ouro: pratos, copos, vasilhas, pássaros, feras e monstros, exaltando-lhes as formas e o fino cinzelamento. Passaram, assim, muitas horas na contemplação daquelas obras de arte; em sua alegria ela nem sequer percebera que o navio estava navegando. Tendo examinado o último objeto, agradeceu ao mercador, dispondo-se a voltar para casa; mas, chegando ao tombadilho, viu que o navio corria a toda vela rumo ao mar alto, distante da costa.
- Ah, - gritou apavorada, - enganaram-me! Fui raptada, estou à mercê de um vulgar mercador, prefiro morrer!
O rei, então, pegando-lhe a mãozinha disse:
- Não sou um vulgar mercador; sou um rei de nascimento não inferior ao teu. Se usei de astúcia para te raptar, fi-lo por excesso de amor. Quando vi pela primeira vez teu retrato, a emoção prostrou-me desmaiado
Ouvindo essas palavras, a princesa do Telhado de Ouro sentiu-se confortada e de tal maneira seu coração se prendeu ao jovem, que consentiu em se tornar sua esposa.
O navio continuava em mar alto e os noivos extasiavam-se a contemplar aqueles objetos todos; enquanto isso, o fiel João, sentado à proa, divertia-se a tocar o seu instrumento; viu, de repente, três corvos esvoaçando, que pousaram ao seu lado. Parou de tocar, a fim de ouvir o que grasnavam, pois tinha o dom de entender a sua linguagem. Um deles grasnou:
- Ei-lo que vai levando para casa a princesa do Telhado de Ouro.
- Sim, - respondeu o segundo, - mas ela ainda não lhe pertence!
- Pertence, sim, - replicou o terceiro, - ela está aqui no navio com ele.
Então o primeiro corvo tornou a grasnar:
- Que adianta? Quando desembarcarem, sairá a seu encontro um cavalo alazão, o rei tentará montá-lo; se o conseguir, o cavalo fugirá com ele, alçando-se em voo pelo espaço, e nunca mais ele voltará a ver sua princesa.
- E não há salvação? - perguntou o segundo corvo.
- Sim, se um outro se lhe antecipar e montar rapidamente no cavalo; pegar o arcabuz que está no coldre e conseguir com o mesmo matar o cavalo; só assim o rei estará salvo. Mas quem é que está a par disso? Se, por acaso, alguém o soubesse e prevenisse o rei, suas pernas, dos pés aos joelhos, se transformariam em pedra, quando falasse.
O segundo corvo falou:
- Eu sei mais coisas. Mesmo que matem o cavalo, o jovem rei não conservará a noiva, pois, ao chegarem ao castelo, encontrarão numa sala um manto nupcial que lhes parecerá tecido de ouro e prata, ao invés disso é tecido de enxofre e de pez. Se o rei o vestir, queimar-se-á até à medula dos ossos.
O terceiro corvo perguntou:
- E não há salvação?
- Oh, sim, - respondeu o segundo, - se alguém, tendo calçado luvas, agarrar depressa o manto e o atirar ao fogo para que se queime, o jovem rei estará salvo. Mas que adianta se ninguém sabe disso? E se o soubesse e prevenisse o rei, se transformaria em pedra desde os joelhos até o coração.
O terceiro corvo, por sua vez, falou:
- Eu ainda sei mais: mesmo que queimem o manto, ainda assim o jovem rei não terá a noiva; pois, após as núpcias, quando começar o baile e a jovem rainha for dançar, ficará repentinamente pálida e cairá ao chão como morta. E se a alguém não a acudir depressa e não sugar três gotas de sangue de seu seio direito, cuspindo-o em seguida, ela morrerá. Mas se alguém souber disso e o revelar ao rei, ficará inteiramente de pedra desde a cabeça até às pontas dos pés.
Finda esta conversa, os corvos levantaram voo e sumiram. O fiel João, que tudo ouvira e entendera, tornou- se, desde então, tristonho e taciturno. Se não contasse o que sabia ao seu amo, este iria de encontro à própria infelicidade; por outro lado, porém, se lhe revelasse tudo, seria a própria vida que sacrificaria. Por fim resolveu-se: "Devo salvar meu amo, mesmo que isso me custe a vida."
Quando, portanto, desembarcaram, sucedeu exatamente o que havia predito o corvo: saiu-lhes ao encontro um belo cavalo alazão.
- Muito bem, - exclamou o rei, - este cavalo me levará ao castelo, e fez menção de montá-lo.
O fiel João, porém, antecipou-se-lhe, saltou na sela, tirou o arcabuz do coldre e, num instante, abateu o cavalo. Os outros acompanhantes do rei, que não simpatizavam com o fiel João, exclamaram indignados:
- Que absurdo! Matar um animal tão belo! Tão apropriado para levar nosso rei ao castelo!
O rei, porém, interveio:
- Calem-se, deixem-no fazer o que achar conveniente; sendo o meu fidelíssimo João, deve ter motivos razoáveis para agir assim.
Encaminharam-se todos para o castelo; na sala depararam com o lindo manto nupcial, que parecia tecido de ouro e prata, sobre uma salva. O jovem rei quis logo vesti-lo, mas o fiel João, com um gesto rápido, afastou-o e, de mãos enluvadas, agarrou o manto e o lançou ao fogo, que o consumiu imediatamente.
Os acompanhantes do rei tomaram a protestar contra esse atrevimento:
- Vejam só! Ousa queimar até o manto nupcial do rei!
Mas o rei tornou a interrompê-los:
- Calem-se! Deve haver um sério motivo para isso; deixem que faça o que deseja, ele é o meu fidelíssimo João.
Tiveram início as bodas, com grandes festejos. Chegando a hora do baile, também a noiva quis dançar; o fiel João, atento às menores coisas, não deixava de observar-lhe o rosto; de súbito, viu-a empalidecer e cair por terra como morta. De um salto, aproximou-se dela, tomou-a nos braços e carregou-a para o quarto, reclinando-se em seu leito; ajoelhando-se ao lado da cama, sugou-lhe do seio direito três gotas de sangue e cuspiu-as. Com isso ela imediatamente recuperou os sentidos e voltou a respirar normalmente.
O rei, porém, que a tudo assistia sem compreender as atitudes do fiel João, ficou furioso e ordenou:
- Prendam-no já! Levem-no para o cárcere.
Na manhã seguinte, o fiel João foi julgado e condenado à morte. Levaram-no ao patíbulo, mas, no momento de ser executado, de pé sobre o estrado, resolveu falar.
- Antes de morrer, todos os condenados têm direito de falar; terei eu também esse direito?
- Sim, sim, - anuiu o rei.
Então, o fiel João revelou a verdade.
- Estou sendo injustamente condenado; sempre te fui fiel.
E narrou, detalhadamente, a conversa dos corvos, que ouvira quando estavam a bordo, em alto mar. Fizera o que fizera só para salvar o rei, seu amo. Então, muito comovido, o rei exclamou:
- Oh, meu fidelíssimo João, perdoa-me! Perdoa-me! Soltem-no imediatamente.
Porém, assim que acabara de pronunciar as últimas palavras, o fiel João caiu inanimado, transformado em uma estátua de pedra.
A rainha e o rei entristeceram-se profundamente, e este último, em prantos, lamentava-se:
- Ah! Quão mal recompensei tamanha fidelidade!
Deu ordens para que a estátua fosse colocada em seu próprio quarto, ao lado da cama. Cada vez que seu olhar caia sobre ela, desatava a chorar, lamuriando-se:
- Ah! Se me fosse possível restituir-te a vida, meu caro, meu fiel João!
Decorrido algum tempo, a rainha deu à luz dois meninos gêmeos, os quais cresceram viçosos e bonitos e constituíam a sua maior alegria. Uma ocasião, enquanto a rainha se encontrava na igreja e os dois meninos brincavam junto do pai, este volveu-se entristecido para a estátua, suspirando:
- Se pudesse restituir-te a vida, meu fiel João!
Então viu a pedra animar-se e falar.
- Sim, - disse ela, - está em teu poder restituir- me a vida, a custa, porém do que te é mais caro.
Assombrado com essa revelação, o rei exclamou:
- Por ti darei tudo o que me seja mais caro neste mundo!
A pedra então continuou:
- Pois bem; se, com tuas próprias mãos, cortares a cabeça de teus dois filhinhos e me friccionares com seu sangue, eu recuperarei a vida.
O rei ficou horrorizado à ideia de ter que matar seus filhos estremecidos; mas lembrou-se daquela fidelidade sem par que lhe dedicara o fiel João, a ponto de morrer para salvá-lo e não hesitou mais: sacou a espada e decepou a cabeça dos filhos. Depois friccionou com o sangue deles a estátua de pedra e esta logo se reanimou aparecendo-lhe vivo e são o seu fiel João.
- A tua lealdade, - disse-lhe ele, - não pode ficar sem recompensa.
Então, apanhando as cabeças dos meninos, recolocou-as sobre os troncos; untou-lhes o corte com sangue deles e, imediatamente, os garotos voltaram a saltar e a brincar como se nada houvesse acontecido.
O rei ficou radiante de alegria; quando viu a rainha que vinha voltando da igreja, escondeu o fiel João e os meninos dentro de um armário. Assim que ela entrou, perguntou-lhe:
- Foste à igreja rezar?
- Sim, respondeu ela, - mas não cessei de pensar no fiel João; por nossa causa foi ele tão desventurado!
Então o rei insinuou:
- Minha querida mulher, nós poderíamos restituir-lhe a vida; mas a custa da vida de nossos filhinhos. Achas que devemos sacrificá-los?
A rainha empalideceu, sentindo o sangue gelar-se-lhe nas veias; contudo animou-se e disse:
- Pela incomparável fidelidade que nos dedicou acho que devemos.
Felicíssimo por ver que a rainha concordava com ele, o rei abriu o armário e fez sair as crianças e o fiel João.
- Graças a Deus, - disse, - aqui está ele desencantado e temos também os nossos filhinhos.
Depois contou-lhe, detalhadamente, o ocorrido. E, a partir cie então, viveram todos juntos, alegres e felizes, até o fim da vida.


A história do jovem em busca de saber o que é o medo







Um pai tinha dois filhos, o mais velho deles era sábio e sensato, e sabia fazer de tudo, mas o mais jovem era tolo, e não conseguia aprender nem entender nada, e quando as pessoas o viam, elas diziam:

- "Este é um garoto que dará muito trabalho ao pai!"

Quando algo precisava ser feito, era sempre o mais velho que fazia, mas se o seu pai pedia ao mais velho que fosse buscar qualquer coisa quando já era tarde, ou já estivesse escuro, e o caminho tivesse de passar perto do cemitério, ou de qualquer outro lugar assustador, ele respondia:

- "Oh não, pai, eu não vou lá, isso me causa arrepios!" porque ele sempre tinha medo.

Ou quando histórias em volta da fogueira eram contadas a noite, ele ficava todo arrepiado, e aqueles que estavam por perto sempre diziam:

- "Oh não, estou ficando com medo!" O mais jovem ficava sentado no canto e escutava as histórias com o resto das pessoas, e não conseguia imaginar o que significava tudo aquilo.

- "Eles estão sempre dizendo, "estou ficando com medo, estou ficando com medo!" Eu não estou ficando com medo," pensava ele. "Talvez essa fosse uma arte que eu precisava entender!"

E então, aconteceu que seu pai um dia disse a ele:

- "Ouça-me, garoto que está sentado aí no canto, você está ficando alto e forte, e você deve aprender alguma coisa com a qual possa ganhar a vida. Veja como o teu irmão trabalha, mas você não ganha nem sequer para comprar um quilo de sal."

- "Bem, pai," respondeu ele, "eu tenho vontade de aprender alguma coisa, de verdade, e se isso pode ser ensinado, eu gostaria de aprender a ter medo. Eu não entendo nada disso."

O irmão mais velho, riu ao ouvir isso, e pensou consigo mesmo:

- "Bom Deus, como o meu irmão é tolo! Ele nunca vai prestar para nada enquanto viver! Para ser foice o metal desde cedo deve se dobrar aos imperativos do tempo."

O pai suspirou e respondeu:

- "Você logo aprenderá o que é ter medo, mas você não terá o teu sustento com isso."

Pouco tempo depois um sacristão foi à casa dele para uma visita, e o pai desfilou um rosário de lamentações, e lhe contou como o seu filho mais jovem era tão refratário em todos os aspectos, que ele não sabia nada e não aprendia nada.

- "Veja só," disse o pai, "quando eu perguntei a ele o que ele faria para ganhar a vida, ele me respondeu que queria aprender a ter medo."

- "Se é isso mesmo o que ele quer," respondeu o sacristão, "eu posso ensinar isso a ele. Fale pra ele me procurar, eu vou deixá-lo afinadíssimo."

O pai ficou contente, porque ele pensou:

- "Vou fazer um teste com o garoto." Então, o sacristão o levou para casa, e ele precisava tocar o sino. Depois de um ou dois dias, o sacristão o acordou a meia noite, e disse a ele para que se levantasse e subisse até a torre da igreja para tocar o sino.

- "Você logo aprenderá o que é ter medo," pensou o sacristão, e às ocultas foi na frente dele, e quando o garoto estava no alto da torre e se virou, e já ía segurar na corda do sino, ele viu uma figura de branco que estava de pé nas escadas de frente para a janela do sino.

- "Quem está aí?" gritou o jovem, mas a figura não respondia, e não fazia nenhum movimento. "Responda-me," gritou ele mais uma vez, "ou vá embora daqui, você não tem nada que fazer aqui a esta hora da noite."

No entanto, o sacristão ficou parado e não se movia para que o garoto pensasse que se tratasse de um fantasma. O garoto gritou pela segunda vez:

- "O que você quer aqui? - fale se você for uma pessoa sincera, ou eu vou te jogar escada abaixo!"

O sacristão pensou: - "ele não pode ser tão malvado como está dizendo," não fez nenhum barulho, e permaneceu parado como se fosse feito de pedra. Então, o garoto chamou pela terceira vez, e como isso também não adiantasse nada, ele correu em direção ao sacristão e empurrou o fantasma escada abaixo, que rolou dez degraus abaixo e permaneceu imóvel num canto.

Depois ele tocou o sino, foi para casa, e sem dizer uma palavra se deitou, e dormiu. A esposa do sacristão esperou durante muito tempo pelo marido, que não voltava. Então, ela ficou preocupada, e acordou o garoto, e perguntou:

- "Você não sabe onde o meu marido se encontra? Ele subiu a torre antes de você."

- "Não, eu não sei," respondeu o garoto, "Alguém estava na escada de frente para a janela do sino, e como ele não queria responder, e nem ia embora, pensei, que era um ladrão, e o derrubei da escada, vá lá e veja se era ele. Lamento muito caso seja ele." A mulher saiu correndo e encontrou o marido dela, deitado e gemendo num canto, com a perna quebrada.

Ela o carregou para casa e depois aos berros foi correndo até a casa do garoto.

- "O seu garoto," disse ela, "é a causa de uma grande desgraça! Ele atirou meu marido escada abaixo e quebrou uma perna dele. Leve embora de nossa casa esse infeliz que não serve para nada."

O pai ficou apavorado, e correu imediatamente para lá e repreendeu o garoto:

- "Mas que maldade foi essa?" disse ele, "o Coisa Ruim deve ter colocado isso na tua cabeça."

- "Pai," respondeu ele, "me escute, por favor. Eu sou totalmente inocente. Ele estava de pé lá à noite como alguém que estivesse para fazer alguma maldade. Eu não sabia quem era ele, e por três vezes eu insisti para que ele falasse ou fosse embora."

- "Ah," disse o pai, " você só me traz infelicidade. Saia da minha frente. Não quero te ver nunca mais."

- "Sim," pai, "te peço, espere pelo menos o dia clarear. Então, eu vou embora e aprenderei como ter medo, e de qualquer maneira entenderei uma arte que me servirá de suporte."

- "Aprenda o que você quiser," falou o pai, "para mim é indiferente. Tome aqui as cinquenta moedas. Pegue-as e enfrente o mundo selvagem, e não diga a ninguém de onde você veio, e quem é o teu pai, porque eu tenho motivos para ter vergonha de você."

- "Sim, pai, será como o senhor desejar. Se o senhor não deseja nada mais do que isto, vai ser fácil cumprir a tua vontade."

Quando o dia amanheceu, portanto, o jovem colocou as cinquenta moedas no bolso, e foi embora por uma grande rodovia, e dizia sempre para si mesmo:

- "Se eu pelo menos pudesse ter medo! Se eu pelo menos pudesse ter medo!" Então, um homem, que tinha ouvido o que o garoto falava, se aproximou e depois de andar mais um pouquinho, quando eles podiam ver um patíbulo, o homem disse a ele:

- "Olhe, ali fica a árvore, onde sete jovens festejaram o casamento da filha do fabricante de cordas, e agora eles estão aprendendo a voar. Fique sentado ali, e espere quando a noite chegar, e você irá aprender a ter medo."

- "Se for isso tudo que é necessário," respondeu o jovem, "isso é fácil de fazer, mas se eu aprender a ter medo tão rápido assim, você receberá cinquenta moedas. Volte aqui amanhã bem cedo." Então, o jovem foi até o patíbulo, se sentou debaixo dele, e ficou esperando até a noite chegar.

Como estava com frio, ele se aqueceu perto de uma fogueira, mas a meia noite o vento soprava tão forte que apesar do fogo, ele não conseguia se aquecer. E como o vento fazia com que os homens que tinham sido enforcados ficassem batendo um contra o outro, e eles balançavam para a frente e para trás, ele pensou consigo mesmo:

- "Eu fico tremendo aqui embaixo perto da fogueira, mas, como aqueles que estão lá em cima devem estar congelados e sofrendo!" E como ele sentiu piedade por eles, subiu a escada, e subiu até onde eles estavam, desamarrou todos eles um após o outro, e desceu todos os sete.

Então, ele agitou o fogo, soprou, e colocou todos eles ao redor para se aquecerem. Mas eles ficavam sentados ali e não se mexiam, e o fogo começou a queimar a roupa deles. Então, ele disse:

- "Tomem cuidado, ou eu vou enforcá-los novamente." Os homens que estavam mortos, todavia, não responderam, mas permaneceram em silêncio, e deixava que os seus farrapos continuassem queimando. Com isto ele ficou bravo, e disse:

- "Se vocês não tomarem cuidado, eu não vou ajudá-los, eu não vou ser queimado com vocês," e ele pendurou de novo todos eles na forca. Depois ele voltou a se sentar perto do fogo e adormeceu, e na manhã seguinte o homem veio até ele e queria receber as cinquentas moedas, e disse:

- "Bem, você já sabe o que é ter medo?"

- "Não," respondeu ele, "como é que eu deveria saber? Aqueles caras lá em cima não abriram a boca, e eram tão tapados que eles deixaram os trapos estavam vestindo em seus corpos se queimassem." Então, o homem viu que ele não receberia as cinquenta moedas naquele dia, e foi embora dizendo:

- "Nunca uma coisa como esta havia acontecido para mim antes."

O jovem novamente pegou o seu caminho, e mais uma vez começou a resmungar consigo mesmo:

- "Ah, se eu conseguisse ter medo! Ah, se eu conseguisse ter medo!"

Um carroceiro que estava atrás dele, e ouviu o que ele dizia, perguntou:

- "Quem é você?"

- "Não sei," respondeu o jovem. Então, o carroceiro lhe disse:

- "De onde você vem?"

- "Não sei."

- "Quem é teu pai?"

- "Não posso lhe dizer isso."

- "Porquê você não pára de resmungar entre os dentes?"

- "Ah," respondeu o jovem, "eu tenho tanta vontade de saber como é ter medo, mas ninguém consegue me ensinar como fazer isso."

- "Pare de falar bobagens," disse o carroceiro. "Venha comigo, e eu encontrarei um lugar para você." O jovem foi com o carroceiro, e à noitinha eles chegaram numa estalagem onde pretendiam passar a noite.

Então, bem na entrada do quarto, o jovem novamente disse bem em voz alta:

- "Ah se eu conseguisse ter medo! Ah se eu conseguisse ter medo!" O estalajadeiro, ao ouvir isto, riu muito e disse:

- "Se é isso o que você deseja, deve haver uma boa oportunidade para você aqui."

- "Escute, fique quieto," disse a esposa do estalajadeiro, "muitas pessoas curiosas já perderam suas vidas, seria uma pena e um pecado que olhos tão lindos como os teus não pudessem nunca mais ver o sol nascer."

Mas o jovem disse: - "Por mais difícil que seja, eu quero saber, e foi para isto que eu viajei até aqui." Ele não dava descanso para o estalajadeiro, até que este lhe disse: "que não muito longe dali ficava um castelo assombrado onde qualquer pessoa poderia aprender facilmente o que era o medo, se ele simplesmente passasse três noites naquele castelo. O rei havia prometido que aquele que tivesse essa coragem receberia a sua filha como esposa, que era a garota mais linda que o sol já derramou os seus raios cintilantes.

No castelo havia também grandes tesouros, os quais eram guardados pelos espíritos do mal, e estes tesouros seriam então, libertados, e tornariam rico o bastante qualquer pessoa miserável. Muitos homens já haviam ido até o castelo, mas nenhum deles conseguiu sair vivo de lá. Então, o jovem na manhã seguinte foi até o rei e disse que se lhe dessem permissão, ele ficaria três noites no castelo encantado.

O rei olhou para ele, e como o garoto lhe fosse agradável, ele disse:

- "Você pode pedir três coisas para levar com você para o castelo, mas devem ser coisas sem vida." Então, ele respondeu:

- "Então, eu quero levar lenha para fazer fogo, um torno giratório e uma tábua de cortar com faca." O rei mandou que estas coisas fossem levadas ao castelo para ele durante o dia. Quando a noite estava chegando, o jovem foi e fez para ele um fogo bem alto em uma das salas do castelo, colocou a tábua de cortar com a faca perto do fogo, e se sentou perto do torno giratório.

- "Ah se eu conseguisse ter medo!," dizia ele, "mas eu acho que não vou aprender isso aqui também." Por volta da meia noite, ele decidiu atiçar o fogo, e quando ele começou a soprar, de repente alguém gritou de algum lugar:

- "Au, miau, como está frio aqui!"

- "Seus idiotas!" gritou ele, "porque vocês estão gritando? Se vocês estão com frio, venham aqui para se aquecer perto do fogo." E quando ele disse isso, dois grandes gatos pretos se aproximaram dando um salto estupendo e se sentaram um de cada lado dele, e olhavam furiosos para ele com seus olhos ardentes.

Passado algum tempo, depois que os gatos tinham se aquecido, eles disseram:

- "Camarada, será que nós poderíamos jogar baralho?"

- "Porque não," respondeu ele, "mas primeiro me mostrem as garras de vocês." Então, eles esticaram as suas garras.

- "Oh," disse ele, "que unhas compridas que vocês têm! Espere, primeiro eu vou cortá-las um pouco para vocês."

Então, ele pegou os gatos pelas gargantas, os colocou na tábua de cortar e rapidamente aparou as unhas deles.

- "Eu olhei para os dedos de vocês," disse ele, "e minha vontade de jogar baralho foi embora," e ele matou os dois gatos e os jogou na água. Mas quando ele tinha se livrado daqueles dois, e ia se sentar novamente perto da fogueira, de todos os buracos e de todos os cantos saíam gatos negros e cachorros pretos com correntes incandescentes, e vinham cada vez mais até que ele não conseguia se mexer, e eles gritavam terrivelmente, pegaram o fogo, espalharam todo, e queriam apagá-lo.

Ele olhou para eles durante algum tempo, mas depois eles começaram a cansá-lo, então, ele pegou a tábua de cortar, e gritou:

- "Fora daqui, seus vermes," e começou a cortar todos eles impiedosamente. Parte deles fugiu, os outros ele matou, e atirou no riacho de peixes. Quando ele retornou ele soprou as brasas da fogueira novamente e voltou a se aquecer. E quando então, ele se sentou, seus olhos não conseguiam mais ficarem abertos, e ele sentiu vontade de dormir. Então, ele olhou ao redor e viu uma grande cama num canto.

- "É disso que estou precisando," disse ele, e deitou nela. Quando ele ia fechar os olhos, todavia, a cama começou a andar sozinha, e percorreu todo o castelo.

- "Muito bem," disse ele, "vamos rápido." Então, a cama continuava a deslizar como se seis cavalos estivessem atrelados a ela, pra cima e pra baixo, pelas soleiras e pelas escadas, mas de repente, hop, hop, ela virou de cabeça para baixo, e montou nele como se fosse uma montanha. Mas ele lançou colchas e travesseiros pelo ar, saiu e disse:

- "Agora quem quiser, que dirija," e se deitou perto do fogo, e dormiu até quando o dia amanheceu. De manhã o rei chegou, e quando viu que o jovem estava deitado no chão, o rei pensou que os maus espíritos o haviam matado e ele estava morto. Então, ele disse:

- "Que pena que ele morreu, afinal de contas ele era um rapaz bonito." O jovem ouviu isso, se levantou e disse:

- "Ainda não é chegada a minha hora." Então, o rei ficou surpreso, mas muito contente, e perguntou como ele tinha passado a noite.

- "Muito bem," respondeu ele, "se passei uma noite, as duas outras irão passar também." Então, ele foi até o estalajadeiro, que ficou de olhos arregalados, e disse:

- "Eu jamais esperava vê-lo vivo novamente! Será que você já aprendeu a ter medo?" - "Não," disse ele, "não adiantou nada. Ah, se alguém pudesse me ensinar!"

Na segunda noite ele voltou ao velho castelo, se sentou perto do fogo, e mais uma vez começou a sua velha ladainha:

- "Ah se seu pudesse ter medo!" Quando chegou meia-noite, gritos e barulhos de coisas sendo derrubadas foram ouvidos, a princípio o barulho era baixo, mas ficava cada vez mais alto. De repente tudo ficou calmo por um instante, e finalmente ouviu-se um grito estridente, metade de um homem apareceu na chaminé e caiu na frente dele.

- "Opa!," exclamou ele, "deve haver a outra metade. Isto é muito pouco!" Então, os gritos começaram novamente, ouviu-se rugidos e gemidos, e a outra metade caiu também.

- "Espere," disse ele, "eu vou atiçar o fogo um pouco para você." E depois de fazer isso ele olhou em volta novamente, e as duas metades haviam se juntado, e um homem assustador estava sentado no seu banco.

- "Isso não faz parte do nosso trato," disse o jovem, "o banco é meu."

O homem quis empurrá-lo, o jovem, todavia, não permitiu, mas o empurrou com todas as suas forças, e se sentou novamente no banco. De repente, mais homens começaram a cair, um depois do outro, nove pernas de homens mortos e duas caveiras foram trazidas, foram arranjadas e começaram a brincar jogo de dos nove palitos com elas. O jovem também quis brincar e disse:

- "Ouçam, será que eu também posso brincar?"

- "Sim, se você tiver dinheiro."

- "Bastante dinheiro," respondeu ele, "mas as bolas de vocês não são bem redondas." Então, ele pegou as caveiras e as colocou no torno e as girou até que estivessem redondas.

- "Agora, sim, elas vão rolar melhor!" disse ele.

- "Viva! agora vai ser legal!" Ele brincou com os visitantes e perdeu um pouco de dinheiro, mas quando bateu meia noite todos desapareceram diante dele.

E le se deitou e tranquilamente caiu no sono. Na manhã seguinte o rei veio para ter notícias dele.

- "Como é que você passou a noite desta vez?" perguntou ele.

- "Fiquei brincando a noite inteira o jogo dos nove palitos," respondeu ele, "e perdi alguns centavos."

- "Então, você sentiu medo?"

- "Sentiu o quê?" disse ele, "eu fiquei é feliz. Ah se seu soubesse o que é ter medo!"

Na terceira noite ele se sentou novamente em seu banco e disse muito triste:

- "Ah se seu soubesse o que é ter medo!." Quando ficou tarde, apareceram seis homens altos e trouxeram um caixão. Então, ele disse:

- "Ra, ra, esse aí deve ser o meu primo, que morreu alguns dias atrás," fez um gesto convidativo e exclamou:

- "Venha, priminho, venha." Eles colocaram a caixa mortuária no chão, mas o jovem foi até ela e levantou a tampa, e no caixão havia um defunto.

Ele passou a mão na cara do defunto, mas ele estava frio como gelo.

- "Espere," disse ele, "eu vou aquecer você um pouquinho," e foi até a fogueira, esquentou a sua mão, e a colocou no rosto do cadáver, mas ele permanecia frio. Então, ele o tirou para fora, se sentou perto do fogo, e o colocou de bruços e esfregou os seus braços para que o sangue pudesse circular novamente. Como isso não deu resultado, ele pensou consigo mesmo:

- "Quando duas pessoas se deitam juntas na cama, elas aquecem uma a outra," e o carregou para a cama, cobriu o cadáver, e se deitou ao lado dele. Depois de algum tempo o cadáver começou a se aquecer também, e começou a se mexer. Então, o jovem disse:

- "Veja, priminho, viu como eu te aqueci?" O defunto, todavia, se levantou e gritou:

- "Agora eu vou te estrangular."

- "O quê!" disse ele, "é assim que você me agradece? Entre imediatamente no teu caixão agora mesmo," e ele pegou o cadáver, o colocou dentro do caixão, e fechou a tampa. Então, apareceram seis homens e o levaram embora novamente.

- "Eu não consigo saber o que é ter medo," disse ele, "acho que nunca vou saber o que é isso enquanto viver."

Então, um homem que era mais alto que os outros entrou, e tinha um aspecto assustador. Ele era velho, e todavia, tinha uma barba longa e branca.

- "Seu desgraçado," gritou ele, "agora você vai saber o que é ter medo, porque você irá morrer."

- "Vai devagar," respondeu o jovem.

- "Se eu tenho de morrer, eu tenho que me preparar para isso."

- "Eu vou te pegar," disse o fantasma.

- "Calma, calma, não queira aparecer. Eu sou tão forte quanto você, e talvez até mais forte."

- "Veremos," disse o velho. "se você é mais forte, te deixo ir - venha, vamos fazer um teste." Então, o velho o levou por corredores escuros até a fornalha de um ferreiro, pegou um machado, e num só golpe enterrou a bigorna no chão.

- "Posso fazer melhor ainda," disse o jovem, e foi até a outra bigorna. O velho ficou perto e queria ver, e sua barba longa e branca ficava pendurada.

Então, o jovem pegou o machado, partiu em dois a bigorna e ao mesmo tempo cortou a barba do velho.

- "Agora eu te peguei," disse o jovem. "Agora é você que tem de morrer." Então, ele pegou uma barra de ferro e golpeou o velho até ele gemer e pedir pra parar, prometendo muitas riquezas para o jovem. Este puxou o machado e o soltou. O velho o levou de volta para o castelo, e numa sala haviam três caixas cheias de ouro.

- "Destas," disse ele, "uma parte é para os pobres, a outra é para o rei, e a terceira é para ti."

E nesse instante bateu meia noite, e o espírito desapareceu, e o jovem ficou na escuridão.

- "Eu ainda saberei encontrar a minha saída," disse ele, e tateando, ele encontrou o caminho até a sala, e lá dormiu perto do fogo. Na manhã seguinte o rei apareceu e disse:

- "Agora deve ter aprendido o que é ter medo?"

- "Não," respondeu ele, "o que será isso? Meu primo que morreu apareceu aqui, e um homem barbudo veio e me mostrou um monte de dinheiro lá embaixo, mas nenhum deles me disse o que é ter medo."

- "Então," disse o rei, "você libertou o castelo, e deverá se casar com a minha filha."

- "Tudo está certo," disse ele, "mas eu ainda não sei o que é ter medo!"

Então, o ouro foi trazido e o casamento foi celebrado, mas o jovem rei, por mais que ele amasse a sua esposa, e por mais feliz que se sentisse, ele ainda dizia sempre:

- "Ah, se eu conseguisse ter medo - Ah, se eu conseguisse ter medo." Até que a sua esposa começou a ficar irritada com isso. A dama de companhia dela disse:

- "Eu tenho uma solução para isso, ele logo vai saber o que é ter medo." Ela foi até o riacho que passava pelo jardim, e mandou que um balde cheio de peixes gobiões fosse trazido até ela.

A noite quando o jovem rei estivesse dormindo, sua esposa devia tirar as roupas dele e esvaziar o balde de água fria com os gobiões em cima dele, de modo que os peixinhos ficando pulando em torno dele. Quando ela fez isto, ele acordou e gritou:

- "Oh, o que me faz sentir tanto medo assim? - o que me faz sentir tanto medo assim, minha querida esposa? Ah, agora eu sei o que é ter medo!"


A Protegida de Maria






Na orla de uma extensa floresta morava um lenhador e sua esposa. Eles tinham apenas uma filha, que era uma menina de três anos. Mas eles eram tão pobres que não tinham mais o pão de cada dia e já não sabiam o que haveriam de dar-lhe para comer.

Certa manhã o lenhador foi com grande preocupação até a floresta para cuidar de seu trabalho e, quando estava cortando lenha, lá apareceu de repente uma mulher alta e bela que trazia na cabeça uma coroa de estrelas cintilantes e lhe disse:

- Sou a Virgem Maria, mãe do Menino Jesus, e tu és pobre e necessitado: traga-me tua filha, vou levá-la comigo, ser sua mãe e cuidar dela.

O lenhador obedeceu, foi buscar a filha e entregou-a à Virgem Maria, que a levou consigo para o Céu. Lá a menina passava muito bem, comia pão doce e bebia leite açucarado, e seus vestidos eram de ouro, e os anjinhos brincavam com ela. Quando completou quatorze anos, a Virgem Maria a chamou e disse:

- Querida menina, partirei em uma longa viagem; tome sob tua guarda as chaves das treze portas do reino celestial; tu poderás abrir doze delas e contemplar os esplendores que há lá dentro, mas a décima terceira, cuja chave é esta pequena aqui, está proibida para ti: cuidado para não abri-la, pois seria a tua infelicidade.

A menina prometeu ser obediente e, quando a Virgem Maria havia partido, começou a olhar os cômodos do reino celestial: a cada dia abria um deles, até que todos os doze tinham sido vistos. Em cada um dos cômodos estava sentado um apóstolo cercado de grande esplendor, e toda aquela suntuosidade e magnificência dava grande alegria a ela, e os anjinhos, que sempre a acompanhavam, alegravam-se também. Até que, então, faltava apenas a porta proibida, e ela sentiu um grande desejo de saber o que estava escondido atrás dela. Por isso disse aos anjinhos:

- Não abrirei a porta por inteiro e também não entrarei, mas vou entreabri-la para olharmos um pouquinho pela fresta.

- Oh, não -  disseram os anjinhos - seria um pecado. A Virgem Maria proibiu fazer isso, além do mais, isso poderia facilmente trazer-te a desgraça.

 Então ela se calou, mas o desejo não silenciou em seu coração, mas, ao contrário, continuou roendo e corroendo-a com força, não lhe permitindo ficar em paz. E certa vez, quando os anjinhos haviam todos saído, pensou "Agora estou totalmente sozinha e poderia olhar lá dentro, afinal, ninguém ficará sabendo o que fiz."

Procurou a chave e, tão logo a apanhou, enfiou-a na fechadura e, uma vez ela estando lá, sem pensar duas vezes, girou-a. A porta abriu de um salto e ela viu a Trindade sentada em meio ao fogo e à luz. Ficou parada um momento, observando tudo com assombro, depois tocou de leve com o dedo aquela luz, e o dedo ficou totalmente dourado. No mesmo instante foi tomada de intenso pavor, bateu a porta com força e correu dali. Mas o pavor não diminuía, ela podia fazer o que fosse mas o coração continuava batendo acelerado e não havia como acalmá-lo: assim também o ouro continuou no dedo e não saía de jeito algum, não importa o quanto lavasse e esfregasse.

Não passou muito tempo e a Virgem Maria retornou de sua viagem. Ela chamou a menina e solicitou as chaves de volta. Quando ela apresentou o molho, a Virgem olhou em seus olhos e perguntou:

- E não abriste mesmo a décima terceira porta?

- "Não," respondeu.

Então ela pousou a mão sobre o coração da menina e sentiu como ele estava batendo sobressaltado, de modo que percebeu que sua ordem tinha sido desobedecida e a porta fora aberta. Então perguntou mais uma vez:

- Realmente não a abriste?

- Não. - respondeu a menina pela segunda vez.

Aí a Virgem avistou o dedo que ficara dourado pelo toque do fogo celestial e teve certeza de que ela pecara, e perguntou pela terceira vez:

- Não a abriste?

 - "Não," respondeu a menina pela terceira vez.

Então a Virgem Maria disse:

- Tu não me obedeceste e além disso ainda mentiste, portanto não és mais digna de permanecer no Céu.

Nesse momento a menina caiu em profundo sono e quando despertou jazia lá embaixo sobre a terra em meio a um lugar agreste. Quis gritar, mas não conseguiu emitir qualquer som. Levantou-se de um salto e quis fugir, mas para onde quer que se dirigisse sempre era detida por sebes espinhosas que não conseguia atravessar. Nesse ermo em que estava encerrada havia uma velha árvore oca que agora teria de ser sua morada. Era lá para dentro que rastejava quando caía a noite, e era lá que dormia, e, quando vinham chuvas e tempestades, era lá que buscava abrigo. Levava uma vida lastimável, e quando recordava como tudo havia sido tão bom no Céu, e como os anjinhos costumavam brincar com ela, chorava amargamente. Raízes e frutas silvestres eram seus únicos alimentos, e ela os procurava ao redor até onde podia ir. No outono juntava as nozes e folhas que haviam caído no chão e levava-as para o oco da árvore; comia as nozes no inverno e, quando chegavam a neve e o gelo, arrastava-se como um animalzinho para debaixo das folhas para não sentir frio. Não demorou muito e suas vestimentas começaram a se rasgar e um pedaço após outro foi caindo do corpo. Tão logo o Sol voltava a brilhar trazendo o calor, ela saía e sentava-se diante da árvore e seus longos cabelos encobriam-na de todos os lados como um manto. Assim foi passando ano após ano e ela ia experimentando a miséria e sofrimento do mundo.

Uma vez, quando as árvores tinham acabado de cobrir-se outra vez de verde, o rei que lá reinava estava caçando na floresta e perseguia uma corça, e como esta havia se refugiado nos arbustos que rodeavam a clareira da floresta, ele desceu do cavalo e com sua espada foi arrancando o mato e abrindo caminho para poder passar. Quando finalmente chegou do outro lado, avistou sob a árvore uma donzela de maravilhosa beleza que lá estava sentada totalmente coberta até os dedos dos pés pelos seus cabelos dourados. Ficou parado admirando-a com assombro até que finalmente dirigiu-lhe a palavra e disse:

 - Quem és tu? Por que estás aqui no ermo?

Mas ela não respondeu, pois sua boca estava selada. O rei falou novamente:

- Queres vir comigo até meu castelo?

 Ela apenas assentiu levemente com a cabeça. Então o rei a tomou nos braços, carregou-a até seu corcel e cavalgou com ela para casa, e, quando chegou ao castelo real, ordenou que a vestissem com belos trajes e tudo lhe foi dado em abundância. Embora não pudesse falar, ela era afável e bela, e assim ele começou a amá-la do fundo de seu coração e, não demorou muito, casou-se com ela.

Quando se havia passado cerca de um ano, a rainha deu à luz um filho. Nessa mesma noite, quando estava deitada sozinha em seu leito, apareceu-lhe a Virgem Maria, que disse:

- Se quiseres dizer a verdade e confessar que abriste a porta proibida, destravarei tua boca e devolverei tua fala, mas se insistires no pecado e teimares em negar, levarei comigo teu filho recém-nascido.

Nesse momento foi dado à rainha responder, porém ela manteve-se obstinada e disse:

- Não, não abri a porta proibida.

A Virgem Maria tomou-lhe o filho recém-nascido dos braços e desapareceu com ele. Na manhã seguinte, quando não foi possível encontrar a criança, começou a correr um murmúrio no meio do povo de que a rainha comia carne humana e teria matado seu próprio filho. Ela ouvia tudo isso e não podia dizer nada em contrário, mas o rei recusou-se a acreditar naquilo porque a amava muito.

Depois de um ano nasceu mais um filho da rainha. Naquela noite voltou a parecer a Virgem Maria junto dela dizendo:

- Se quiseres confessar que abriste a porta proibida, devolverei teu filho e soltarei tua língua; mas se insistires no pecado e negares, levarei também este recém-nascido comigo." Então a rainha disse novamente:

- Não, não abri a porta proibida.

A Virgem tomou-lhe a criança dos braços e levou-a consigo para o Céu. De manhã, quando mais uma vez uma criança havia desaparecido, o povo afirmou em voz bem alta que a rainha a tinha devorado, e os conselheiros do rei exigiram que ela fosse levada a julgamento. Mas o rei a amava tanto que não quis acreditar em nada, e ordenou aos conselheiros que, se não estivessem dispostos a sofrer castigos corporais ou mesmo a pena de morte, que deixassem de insistir no assunto.

No ano seguinte a rainha deu à luz uma linda filhinha e, pela terceira vez, apareceu à noite a Virgem Maria e disse:

- Acompanha-me.

Tomou-a pela mão e conduziu-a até o Céu, mostrando-lhe então os dois meninos mais velhos, que riam e brincavam com o globo terrestre. A rainha alegrou-se com aquilo e a Virgem Maria disse:

- Teu coração ainda não se abrandou? Se confessares que abriste a porta proibida, devolverei teus dois filhinhos.

Mas a rainha respondeu pela terceira vez:

- Não, não abri a porta proibida.

Então a Virgem Maria a fez descer novamente à terra, tomando-lhe também a terceira criança.

Na manhã seguinte, quando a notícia correu, todo o povo gritava:

- A rainha come gente, ela tem que ser condenada!!!

E o rei não conseguiu mais conter seus conselheiros. Ela foi submetida a julgamento e, como não podia responder e se defender, foi condenada a morrer na fogueira. Quando haviam juntado a lenha e ela estava amarrada a um pilar e o fogo começava a arder a sua volta, então derreteu-se o duro gelo do orgulho e seu coração encheu-se de arrependimento e ela pensou: "Ah, se antes de morrer eu ao menos pudesse confessar que abri a porta.

 Nesse momento voltou-lhe a voz e ela gritou com força:

- Sim, Maria, eu a abri!

 No mesmo instante uma chuva começou a cair do céu apagando as chamas do fogo, e sobre sua cabeça irradiou uma luz, e a Virgem Maria desceu tendo os dois meninos, um de cada lado, e carregando a menina recém-nascida no colo. Ela falou-lhe com bondade:

- Quem confessa e se arrepende de seu pecado, sempre é perdoado.

E entregou-lhe as três crianças, soltou-lhe a língua e deu-lhe de presente a felicidade para a vida inteira.


Gato e rato em companhia





Um gato tinha feito o conhecimento de um rato, e tinha dito que ele fez amor e amizade, enfim o rato concordou em casar com ele e viver juntos.
- Mas temos que pensar sobre o inverno, porque senão passamos fome - disse o gato. - Tu, ratinho, não pode se aventurar em todos os lugares, pois pode ser pego em uma armadilha.
Seguindo, então, esse conselho, comprei um pote de manteiga. Mas então ele introduziu o problema de onde ele iria manter até que, após longa reflexão, o gato disse:
- Olha, o melhor lugar é a igreja. Aqui ninguém se atreve a roubar nada. É sob o altar e não tocá-lo até que seja necessário.
Então, o pote foi armazenado de forma segura. Mas o tempo não muito tinha passado quando, um dia, o gato parecia tentar o doce e disse que o rato:
 - Ei, rato, um primo meu me fez o padrinho de seu filho nasceu-lhe apenas um garotinho com manchas de pele branca e marrom, e quer-me para levá-lo à pia batismal. Então, hoje eu tenho que sair, você cuida da casa.
- Muito bem. - respondeu o rato - Vai-te em nome de Deus, e se você receber algo bom para comer, lembre-se de mim. Eu também gostaria de beber um pouco de vinho do batismo.
Mas foi tudo mentira. O gato não tinha primo, e pediu para ser o padrinho. Ele foi direto para a igreja, rastejou até o pote de gordura, começou a lamber. Em seguida, aproveitou a oportunidade para dar um passeio sobre os telhados da cidade, em seguida, se colocou no sol, lambendo os bigodes, lembrando da panela de gordura. Não voltou para casa até o escurecer.
- Bem, você está de volta -  disse o rato - certamente deve ter tido um bom dia.
- Nada mal - respondeu o gato.
- O nome que eles deram à criança? - Perguntou o rato.
- Off - disse o gato muito friamente.
- Originalmente - exclamou seu amigo - Nome estranho e raro! É comum em sua família?
- O que isso importa?  - disse o Gato. - Não é pior do que Robamigas, como são seus pais. Pouco depois que o gato deu uma outra vontade, e disse ao rato:
- Você vai me fazer um favor de cuidar da casa, mais uma vez me pediram para ser o padrinho e como a criança tem um anel branco em torno do seu pescoço, eu não posso recusar.
O bom rato, concordou, e o gato penetrou por trás do muro da cidade para ir à igreja, comeu metade do pote de gordura.
- Nada tem um gosto tão bom -  disse ele.
E ele estava bastante satisfeito com a tarefa do dia. Ao chegar a casa o rato perguntou:
 - Como é que eles dão essa criança batizada?
 - Metade -  respondeu o gato.
- Metade? Que ideia! Eu nunca tinha ouvido esse nome. Eu aposto que não está no calendário.
Não demorou muito para que o gato  fazer-lhe a boca outra vez para a água deliciosa.
- As coisas boas sempre vão em grupos de três - disse o rato.
- Mais uma vez eu pedi para ser o padrinho, desta vez, pouco é preto, só que tem patas brancas Caso contrário, não tem um fio de cabelo branco sobre o corpo. Isso acontece muito raramente. Não me deixe ir, né?
- Originalmente, Half , - respondeu o rato. - Esses nomes me dá muito que pensar.
Estes pensamentos vêm para você não sair. Durante a ausência de seu companheiro, o rato virou-se para ordenar a casa e deixá-lo como a prata, mas o gato ganancioso devorou o resto da gordura do pote:
- É bem verdade que um não à vontade até você ter limpado tudo - disse para si mesmo, e saciado como um barril, voltou para casa  tarde da noite.
O rato não tinha tempo para perguntar o nome que tinha sido dado para o terceiro filho.
- Você não vai gostar também - disse o gato. - É chamado de Concluído.
 - Concluído? - disse o Rato. - Este é realmente o nome mais bizarro de todos. Nunca vi isso na imprensa. Pronto! O que isso significa?
Então ela balançou a cabeça, enrolada e fui dormir. Uma vez que ninguém convidou o gato para ser padrinho, até que, chegado o inverno e a ninharia escassa, porque nada estava nas ruas, o rato pensou em seus suprimentos de emergência.
- Vá, gato, encontramos o pote de loja que gordura e agora vamos saborear.
- Sim - respondeu o gato - você sabe quando você puxar a língua para fora da janela.
 Eles saíram e lá estava o pote, de fato, mas vazio.
- Ai de mim - disse o rato. - Agora eu entendo, agora eu vejo claramente o que um bom amigo que você é. Você comeu tudo, quando você estava servindo como padrinho, o primeiro fora, então a metade, então ...
- Você vai calar a boca  - gritou o gato. - Se você adicionar outra palavra, eu devorar você
 Foi.  Já estava na boca do rato pobre. Ele não podia suportar a palavra, e não foi mal lançado, o gato saltou sobre ela, agarrou-a, engoliu um bocado. Assim são as coisas deste mundo.




A Galinha dos Ovos de Ouro





ERA UMA VEZ um casal sem filhos que vivia numa pequena cidade do interior. Eles eram conhecidos por serem muito avarentos e nunca estarem satisfeitos com nada. Se estava sol, queixavam-se do calor; se estava frio e chuva queixavam-se de viver num sítio onde nem sequer podiam sair de casa… 
Para além do mais, eram capazes de tudo por uma moeda de ouro!

Um dia, um duende brincalhão que por ali passava ouviu o que se comentava na cidade sobre esse casal, e decidiu provar se era verdade tudo aquilo que se dizia sobre eles.

Numa tarde em que o marido vinha da floresta carregado com lenha, o duende apareceu-lhe de dentro do tronco de uma árvore e disse-lhe: “Olá bom homem! Sentes-te bem? Pareces cansado e triste… Será que estás com fome ou doente?

O homem, um pouco assustado com a presença do duende, respondeu: “Não… não estou doente nem cansado, e também não tenho fome… nada de mal se passa comigo. Só estou triste porque eu e a minha mulher somos pobres e não conseguimos ter muitas coisas boas como gostaríamos de ter… 

Então o duende respondeu: ”Se não tens fome nem frio nem estás doente, então alegra-te porque não és pobre!”.
Mas o homem insistiu: “Sou sim. Um homem que não tem ouro é pobre!”.

O duende riu-se e respondeu: “Olha que estás enganado. Eu se quiser posso ter todo o ouro do mundo, pois como sou duende sei onde se escondem todos os tesouros. Mas a mim o que me faz falta é a luz do dia, ter o que comer e uma casa quentinha onde possa dormir descansado. Além disso preciso de ter saúde e ser forte para poder caminhar e apreciar tudo o que me rodeia. E como tenho tudo isso sou muito rico e feliz!


“Disparate!” Disse o homem, e insistiu “Ser pobre quer dizer que não se tem ouro. E como eu não tenho ouro não posso ser feliz”.

“Tenho muita pena de ti homem” disse-lhe o duende “E para que sejas feliz como achas que deves ser, vou dar-te uma galinha que todos os dias porá um ovo de ouro. Só terás de esperar e recolher todos os dias um ovo. Não tarda nada, terás todo o ouro que sempre desejaste ter e tu e a tua mulher serão felizes para sempre”.

Do tronco onde estava o duende saiu uma galinha que cacarejava alegremente. O homem, espantado, colocou-a rapidamente debaixo do braço e desatou a correr ladeira abaixo direitinho a casa, enquanto o duende ria às gargalhadas.
Assim que entrou em casa mostrou à sua esposa a galinha e contou-lhe tudo o que tinha acontecido.

Marido e mulher ficaram toda a noite à espera que a galinha pusesse o tão desejado ovo de ouro. De manhã cedo, a galinha começou a cacarejar e, pouco depois, surgiu debaixo dela um enorme e brilhante ovo de ouro!

Ao verem o ovo, o casal ficou radiante mas, minutos depois, a mulher comentou: “Que chatice… teremos de esperar até amanhã para termos outro ovo de ouro!”. Ao que o marido respondeu: “Pois é… que azar. Terão de passar muitas semanas até termos ovos suficientes para sermos os mais ricos da cidade. Devia ser por isso que o duende se ria às gargalhadas quando me deu a galinha”.

Então a mulher lembrou-se: “Sempre ouvi dizer que as galinhas já têm dentro delas todos os ovos que vão pôr… Se isso é verdade, porque é que não matamos agora a galinha e tiramos todos os ovos de ouro de uma vez? Seremos bem mais espertos do que o duende pensa!”.

O homem concordou, e sem hesitar, pegaram na pobre galinha e abriram-na para assim poderem tirar todos os ovos.
Mas qual não foi o espanto do casal ao ver que dentro da galinha não havia nenhum ovo de ouro…
Marido e mulher começaram a praguejar e a chorar, lamentando-se da sua sorte, pois por ganância tinham perdido para sempre a galinha dos ovos de ouro.

Espreitando pela janela, o duende ria-se e abanava a cabeça, pensando que a verdadeira felicidade não está em ter ou não ouro mas está sim no coração de cada um.


As Fadas





Era uma vez uma viúva que tinha duas filhas.
A mais velha se parecia tanto com ela, no humor e de rosto, que quem a via, enxergava a própria mãe. Mãe e filha eram tão desagradáveis e orgulhosas que ninguém as suportava.
A filha mais nova, que era o retrato do pai, pela doçura e pela educação, era, ainda por cima, a mais linda moça que já se viu.
Como queremos bem, naturalmente, a quem se parece conosco, essa mãe era louca pela filha mais velha. E tinha, ao mesmo tempo, uma tremenda antipatia pela mais nova, que comia na cozinha e trabalhava sem parar como se fosse uma criada.
Tinha a pobrezinha, entre outras coisas, de ir, duas vezes por dia, buscar água a meia légua de casa, com uma enorme moringa, que voltava cheia e pesada.
Um dia, nessa fonte, lhe apareceu uma pobre velhinha, pedindo água:
- Pois não, boa senhora - disse a linda moça.
E, enxaguando a moringa, tirou água da mais bela parte da fonte, dando-lhe de beber com as próprias mãos, para auxiliá-la.
A boa velhinha bebeu e disse:
- Você é tão bonita, tão boa, tão educada, que não posso deixar de lhe dar um dom .Na verdade, essa mulher era uma fada, que tinha tomado a forma de uma pobre camponesa para ver até onde ia a educação daquela jovem.
- A cada palavra que falar - continuou a fada -, de sua boca sairão uma flor ou uma pedra preciosa.
Quando a linda moça chegou a casa, a mãe reclamou da demora.
- Peço-lhe perdão, minha mãe - disse a pobrezinha -, por ter demorado tanto.
E, dizendo essas palavras, saíram-lhe da boca duas rosas, duas pérolas e dois enormes diamantes.
- O que é isso? - disse a mãe espantada -, acho que estou vendo pérolas e diamantes saindo da sua boca. De onde é que vem isso, filha? Era a primeira vez que a chamava de filha.
A pobre menina contou-lhe honestamente tudo o que tinha acontecido, não sem pôr para fora uma infinidade de diamantes.
- Nossa! - disse a mãe -, tenho de mandar minha filha até a fonte.
- Filha, venha cá, venha ver o que está saindo da boca de sua irmã quando ela fala; quer ter o mesmo dom? Pois basta ir à fonte, e, quando uma pobre mulher lhe pedir água, atenda-a educadamente.
- Só me faltava essa! - respondeu a mal-educada- Ter de ir até a fonte!
- Estou mandando que você vá - retrucou a mãe -, e já.
Ela foi, mas reclamando. Levou o mais bonito jarro de prata da casa.
Mal chegou à fonte, viu sair do bosque uma dama magnificamente vestida, que veio lhe pedir água.
Era a mesma fada que tinha aparecido para a irmã, mas que surgia agora disfarçada de princesa, para ver até onde ia a educação daquela moça.
- Será que foi para lhe dar de beber que eu vim aqui? - disse a grosseira e orgulhosa. - Se foi, tenho até um jarro de prata para a madame! Tome, beba no jarro, se quiser.
- Você é muito mal-educada - disse a fada, sem ficar brava.
- Pois muito bem! Já que é tão pouco cortês, seu dom será o de soltar pela boca, a cada palavra que disser, uma cobra ou um sapo.
Quando a mãe a viu chegar, logo lhe disse:
- E então, filha?
- Então, mãe! - respondeu a mal-educada, soltando pela boca duas cobras e dois sapos.
- Meu Deus! - gritou a mãe -, o que é isso? A culpa é da sua irmã, ela me paga. E imediatamente ela foi atrás da mais nova para espancá-la.
A pobrezinha fugiu e foi se esconder na floresta mais próxima.
O filho do rei, que estava voltando da caça, encontrou-a e, vendo como era linda, perguntou-lhe o que fazia ali tão sozinha e por que estava chorando.
- Ai de mim, senhor, foi minha mãe que me expulsou de casa.
O filho do rei, vendo sair de sua boca cinco ou seis pérolas e outros tantos diamantes, pediu-lhe que lhe dissesse de onde vinha aquilo.
Ela lhe contou toda a sua aventura. O filho do rei apaixonou-se por ela e, considerando que tal dom valia mais do que qualquer dote, levou-a ao palácio do rei, seu pai, onde se casou com ela.
Quanto à irmã, a mãe ficou tão irada contra ela que a expulsou de casa.
E a infeliz, depois de muito andar sem encontrar ninguém que a abrigasse, acabou morrendo num canto do bosque.