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A caixa que fazia desaparecer Mimi Alcachofra








Não procuremos imitar demasiado os outros ou escondermo-nos por detrás deles.
Mais vale  sermos nós próprios.
 Mimi Alcachofra era uma pequena ratinha doce, muito terna, com a ponta do nariz cor-de-rosa vivo. Toda a gente gostava dela, sem saber muito bem porquê. Aliás, quando os adultos a encontravam na rua, com o olhar gentilmente baixo, com o seu vestidinho cor-de-rosa pelo joelho e as suas sandálias rosa, diziam ao seu ratito com um ar reprovador:
Olha para a Mimizita Alcachofra, como ela é meiga!
E acrescentavam, com um ar de censura:
É muito meiga e sossegadinha. Não é como alguns…
Isto queria dizer “Sê como a Mimi Alcachofra e serás melhor.”
Quando ouvia estes elogios, Mimi pestanejava e ficava um pouco mais rosa do que antes. Deve dizer-se que Mimi não dizia lá muitas coisas: ouvia sem falar, prestando sempre muita atenção aos outros. Um pouco como uma mãe, que nos olha em silêncio e aplaude com os olhos! Mas havia mais… De tanto ouvir os outros, Mimi desenvolveu um verdadeiro talento de imitadora.
Quando alguém se punha, diante dela, a falar e a pestanejar, ela também pestanejava. Quando Joaninha trocava as letras, Mimi respondia com as letras trocadas. Quando o avô João falava, com a sua voz grossa, ela respondia-lhe engrossando a sua. Quando a Rata Susana gritava, com a sua voz de cana rachada, Mimi respondia-lhe de igual forma. Quando um pequeno rato balançava os pés, ela também se balanceava, sem se aperceber disso. Que magia! Mimi pegava na voz dos outros, imitava-lhes os gestos e tornava-se como eles, sem grande esforço.
Mas, se alguém perguntasse a Mimi Alcachofra: “Diz lá, Mimi, o que te faz rir com vontade?” ou “O que pensas disto?”, ela ficaria muito embaraçada. Dobrar-se-ia toda por dentro, como faz um contorcionista, para que deixem de o ver. Além disso, Mimi tinha outro truque de magia para passar despercebida. Tinha inventado, como nos espetáculos, uma “caixa de desaparecer” invisível: aquela famosa caixa na qual o mágico fecha alguém e, cinco minutos depois, já não há lá ninguém.
A “caixa que fazia desaparecer” estava no interior de si mesma. Bastava que se concentrasse e tornava-se invisível. A caixa que desaparecia era muito útil nos dias em que Mimi se aborrecia imenso, durante os almoços, as visitas à família, e quando não podia mexer em nada.
Quando se aborrecia, dizia: “Abracadabra, buraco de cabra!” E então, a Mimi que se via, com o seu nariz cor-de-rosa, os grandes olhos cinzentos, era um fantasma da verdadeira Mimi. Às vezes, escutava: “Mimi!!! Estás a ouvir-me? Onde estás, Mimi?”, como se fosse um eco, vindo das profundezas do seu ser.
Mas, depois, era preciso sair da caixa que desaparecia, para regressar ao mundo dos seres vivos. Quando ninguém vinha dar-lhe a mão, ou tirá-la da caixa que desaparecia, ela podia ficar longos minutos assim… até que visse um espelho que lhe confirmasse que ainda existia! Então, ao ver o seu reflexo, subia lentamente à superfície. E assim regressava para junto dos outros.
Uma vez, num daqueles dias de tédio, passou-se algo muito curioso. Mimi Alcachofra encontrava-se no restaurante para o batizado de Luís Júnior, o seu primito de 3 meses. Quando serviram a refeição, Mimi verificou pelo canto do olho, no espelho, que tudo estava bem, que se mantinha lá. Ninguém lhe prestava atenção, como já era costume.
É muito, muito bom, ó meu Deus, como é bom! Tu não achas, Rosita? E tu, avô João? E tu, primo Alberto? Que delícia esta tarte de três queijos!
Mas ninguém se dirigia a Mimi. Esta olhou em frente, mas o espelho pregou-lhe uma partida: o seu rosto não estava nítido, não conseguia distingui-lo na imagem. Os contornos estavam desfocados e tremeluzentes – como quando se olha através de lágrimas.
Então, Mimi teve medo. Talvez tivesse entrado demasiado fundo no seu “buraco de rato”. Iria desaparecer? Sentiu que estava a cair num grande buraco negro. Como se o fundo da sua “caixa que faz desaparecer” estivesse partido, e ela caísse, caísse, e voltasse a cair… Olhava para todos: o avô Quim, o avô João, a tia Ana, que falavam uns com os outros. Mas a ela ninguém sorria, com ela ninguém falava. Existiria ainda?
Concentrou-se, esticou-se no seu interior, como fazem os contorcionistas no circo, quando terminam o seu número de ginástica, e saiu lentamente, muito lentamente, músculo após músculo, da caixa que fazia desaparecer.
Então, respirou fundo e gritou, com gestos largos de tragédia:
  É mau! É horrível!
Estava completamente distendida, o que lhe dava uma voz forte.
SOU A MIMI ALCACHOFRA, E NÃO QUERO DESAPARECER!
Ergueram-se os talheres e pairou um enorme silêncio. De repente, todos os rostos se voltaram para ela! Até Luís Júnior deixou de chorar. O avô João quase se entalava a engolir um pedaço da tarte de três queijos. A mãe bem tentava conter Mimi, mas esta gritava bem alto:
  EU EXISTO! NÃO SOU ASSIM TÃO SOSSEGADINHA! NÃO SOU COR-DE-ROSA! ESTOU FARTA!
Olhou o espelho de relance: à medida que falava, definiam-se os contornos, reaparecia o reflexo. Berrou de novo:
BOM APETITE PARA TODA A GENTE!
E voltou a pegar no talher.
B-b-bom ape-ti-te, Mimi gaguejaram os outros, absolutamente surpreendidos.
Mimi fez, assim, a primeira “afirmação de si própria”. De tempos a tempos, ser-lhe-á necessário gritar para dizer aos outros que existe.
Na família, contou-se, durante algum tempo, esta história. Mas Mimi não se importava: tinha gasto, simplesmente, um pouco mais de tempo do que os outros para se afirmar. Tomou a decisão de que nunca mais deixaria que fossem os outros a decidir por ela. Sabia dizer:
Gosto de cebolas, detesto chocolate, não gosto de teatro, mas adoro ópera. Se não compreendem, não faz mal.
 Sabia falar também dos seus desgostos e não se limitava a ouvir. Era sempre muito meiga, mais nunca mais foi “fácil de roer”, porque ninguém se deve deixar roer pelos outros. Mais tarde, Mimi Alcachofra tornou-se célebre pelos seus dons de imitadora. Mas só o era durante algumas horas por dia. O resto do tempo, era Mimi e mais ninguém.


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