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A História De Vovó Cambinda





Arriou Na Linha Das Almas,
Cambinda De Fé Oi Babá,
Velha Feiticeira Lá Da Guiné,
Vem De Muito Longe Pra Curar Filhos De Fé.

Vovó Cambinda Tem Sua Guia,
Trabalha De Noite E Reza De Dia.
Vovó Cambinda Quer Encruzá,
Ponto De Pemba No Meu Gongá.

Agô Pro Povo D'Angola,
Agô Pro Povo De Mina,
Saravá As Santas Almas,
Agô Pra Vovó Cambinda.


    Vovó Cambinda é uma Preta Velha Amada por todos que amam a Umbanda. Todos tem nela um exemplo de amor e caridade, pois ela própria é assim.
    Com seu jeito humilde e dócil, ela conquista a confiança de todos, fazendo assim que seus consulentes abram o coração de uma forma extrema, sem receios, sem vergonha de se expressar, sem medo, apenas com o dar e receber um carinho grandioso, como se fosse um neto ao
lado de sua avó preferida.
    Essa vovó sempre atenta a todas as palavras, escuta tudo calmamente, fazendo com que todos os "grandiosos problemas" se pareçam apenas minúsculos fatos aos olhos de otimismo de nossa amada Preta Velha, e passando assim aos seus amados "netos e netas", para que eles reajam com mais força e mais fé a qualquer obstáculo na caminhada que as vezes pode parecer tão difícil.
    A senhora Cambinda é uma das Pretas Velhas mais conhecidas na história da Umbanda. Em diversos Terreiros podemos encontrar uma velha com o mesmo nome, pois como a nossa Velha Cambinda fora reconhecida e respeitada por várias gerações de negros pelos seus atos de caridade,
muitos desses negros colocavam o nome de Cambinda em seus filhos para homenagear a nossa amada Vovó Cambinda.
    Vamos falar um pouco dessa Preta Velha, e saber como foi que ela alcançou tamanho respeito.
    Cambinda era uma menina ainda quando fora tirada da Guiné, sua terra natal. Foi trazida para o Brasil nos meados do século XVI em navios negreiros, que eram conhecidos como "Tumbeiros", e tinha esse nome pois praticamente a metade dos negros que nele vinham,
morriam antes do findar da viagem.
    Cambinda e seus pais vieram em um desses navios, e por meses viveram amontoados nos porões imundos, repleto de cadáveres e negros adoentados, sem comida e água suficiente a todos.
    A Mãe da menina Cambinda, com seu jeito carinhoso, doce e caridoso, abraçava a menina e lhe falava baixinho:
"Não tenha medo, logo logo tudo isso vai terminar. E eu prometo estar sempre a seu lado quando precisar."
    E com essas palavras a mãe da menina a ensinava clamar a Zambi (Deus) a Oxalá e a todos os Orixás, pedindo sempre força e fé para que assim pudesse ajudar os irmãos negros adoentados na dura jornada de luta pela sobrevivência.
    E assim a menina Cambinda rezava, clamava e pedia forças a Zambi, não só para os irmãos negros, mas por ela própria, pois mesmo sendo uma criança, e sem entender muito os acontecimentos, sentia que as coisas eram ruins naquele momento, mas tinha a dor e sentimento que ainda o pior estaria por vir.
    Havia muitas crianças no porão do navio que estava a doce Cambinda, e foi determinado pelos traficantes de negros que seria preservados os meninos e homens adultos não adoentados, pois esses
sim valeriam muito dinheiro aos serem vendidos na chegada ao Brasil.
    Mulheres e meninas não adoentadas seriam alimentadas, mas apenas uma vez ao dia e o mínimo possível, e o restante que se encontravam adoentados, seriam avaliados e se os males fossem de uma forma mais intensa, esses seriam lançados ao mar, ainda vivos.
    Os cadáveres já em decomposição foram retirados dos porões e lançados ao mar.
    A menina Cambinda rezava aos Orixás clamando que os espíritos de seus irmãos fossem levados ao encontro de Zambi. A cada corpo retirado ela se ajoelhava rezando com seus olhos lacrimejados,
e olhando a sua mãe que desesperadamente tentava esconder a angústia por poder ser elas as próximas vítimas das maldades dos traficantes de negros. A menina a acalentava e dizia baixinho para que ela tivesse muita fé, pois Zambi não ia deixá-las morrer na viagem, pois elas
teriam muitas caridades a fazer ao seu povo quando chegassem ao seu destino.
    E ela dizia isso convicta, pois por muitas noites em que dormia no amontoar dos porões fétidos, a menina sonhava com uma linda negra que lhe abraçava carinhosamente, lhe dizia que ela estaria sempre protegida pela força das águas do mar, e que a cada onda que passasse levaria todas as dores, tristezas e angústias do seu corpo e de seu coração, bastaria que ela tivesse fé nos Orixás e nas forças da natureza.
    E Cambinda assim o fez, acreditando fielmente em seus sonhos, e aprendendo dezenas de rezas e benzeduras, assim como fazer a cura em adoentados do corpo e espírito através dos preparos com ervas, peixes, água, algas, entre tantas outras coisas que lhe fora ensinada através de seus sonhos de luz vindos por intermédio da linda negra que se fazia brilhar como os raios do Sol.
    A menina Cambinda, escondida da tripulação do navio negreiro, fazia suas benzeduras nos negros doentes, se utilizava de tudo que podia para acalentar as dores de seus irmãos, e com isso foi obtendo grandes resultados.
    Sua mãe bastante impressionada com os atos da filha, decidiu então auxiliar em tudo que poderia. E assim as duas trabalhavam incansavelmente por dias e noites a fio para que os seus irmãos negros
tivessem mais uma chance de sobreviver sem as ameaças dos traficantes de escravos.
    Chegando em terra firme, Cambinda foi levada a uma fazenda de cana de açúcar e café no interior do Nordeste do Brasil juntamente com seus pais e centenas de outros negros.
    Nessa fazenda ela viveu toda sua vida, e também nessa fazenda que ela conheceu uma negra velha que por gostar muito da menina prometeu que a ensinaria tudo sobre rezas, benzeduras, ervas, chás, esfregaços e limpezas do corpo e da alma de espíritos sem luz, que aprendera em seus 90 anos de idade.
    E assim foi feito, os anos passavam, e Cambinda, que já estava uma mulher feita, aprendera tudo que lhe foi ensinado pela negra já centenária.
    Com os ensinamentos da negra, e com todas as lições que Cambinda aprendeu em sonhos, ela se transformou em uma das maiores benzedeiras da região, além de encaminhadora, de parteira, de curandeira de diversos males, tanto do corpo físico quanto do espírito.
    Certa vez, Cambinda já uma senhora madura, foi chamada para fazer o parto da esposa do coronel fazendeiro, da mesma fazenda na qual ela era escravizada. Ao chegar aos aposentos da sinhá ela observou que tinha algo de errado naquela gestação. Se ajoelhou diante da cama na qual se encontrava a mulher grávida, e rezou profundamente, pedindo a
Mãe Iemanjá que lhe mostrasse qual era o mal que estava ocorrendo no ventre da sua sinhá.
    E assim de olhos fechados, compenetrada em seus pensamentos, Cambinda se depara com a imagem da linda Negra que ela tanto conhecia. E a bela negra diz a Cambinda que estaria na hora de
realizar o parto, mas das duas vidas que estavam no ventre da sinhá, apenas uma sobreviveria, e que a partir do dia do nascimento da criança que ficaria encarnada, deveria ser contados 7 dias, e nesse
sétimo dia deveria ser feito uma limpeza de retirada de espíritos malignos e sem luz, pois eles viriam buscar a alma do recém nascido, assim como fizeram com a criança que já ia sair do ventre da mãe sem vida.
    Cambinda chorou, todos olharam para ela sem entender o motivo das lágrimas.
    O coronel a puxa pelo braço com violência. Grita, quer saber o que está acontecendo.
    A negra abaixa a cabeça e num sussurro diz ao coronel que no ventre da sinhá há duas crianças, uma vai sobreviver, a outra já está desencarnada.
    O coronel desesperado manda ela fazer o parto, e diz que se algo de ruim acontecer com as crianças ou com a sinhá, a negra irá pagar com a própria vida.
    A negra Cambinda faz o parto, primeiro nasce uma menina, e logo em seguida sai o corpo inerte de um menino. Ela o retira e entrega ao coronel, dizendo que o menino já estava sem vida.
    O coronel a olha com um grande ódio, e enquanto as mucamas fazem a limpeza do ambiente e da menina recém nascida, a sinhá chora a morte de seu menino, que se encontra nos braços do coronel.
    Ele pega a negra Cambinda pelo braço e a arrasta para fora dos aposentos da sinhá, a leva até as mãos de um feitor e ordena que a leve ao tronco e a deixe lá até morrer, mas antes a açoite sem dó nem piedade.
    Cambinda apenas olha o coronel, como se entendesse o seu ódio. E antes de ser levada diz ao coronel:
    "Espíritos da escuridão levaram a alma de seu menino. Esses espíritos são frutos de seu ódio contra os negros que o senhor escraviza como animais. Minha Mãe Iemanjá, na sua proteção materna, já tinha me mostrado que uma das crianças estaria desencarnada no ventre da sinhá, e que deveria ser contado sete dias após o nascimento, pois no sétimo dia esses espíritos da escuridão voltariam para levar a alma da outra criança. Peço que não deixe seu ódio fortalecer esses
espíritos, pois assim sua filha poderá ser salva das garras malignas da morte e desses obsessores da escuridão."
    O coronel sem dar atenção a negra, manda a levarem ao tronco e obedecerem as ordens dadas.
    E assim foi feito.
    Já no tronco, a negra foi açoitada, seu corpo ardia, feridas abriam e ela chorava baixinho.
    Sua mãe, que agora já estava uma velha negra quase sem forças, clamava aos feitores ajoelhada a seus pés, por clemência a sua filha.
O feitor manda retirar a velha negra dali, que fora arrastada e jogada na senzala.
    Cambinda de olhos fechados, rezava pedindo forças aos Orixás. E em resposta a voz da negra que por tantas vezes apareceu em seus sonhos lhe dizendo para que ela não fraquejasse sua fé. Teria que aguentar a dor, o sofrimento e a humilhação, mas não por ela própria, não por sua vida, mas para que pudesse no sétimo dia estar com forças para salvar o espírito de uma criança inocente.
    E assim foram se passando os dias, Cambinda resistia fortemente o tronco, as chibatadas, as noites frias, a falta de comida e bebida.
    E enfim chegou o sétimo dia.
    Nos aposentos do coronel com a sinhá, se encontrava a menina recém nascida. Tinha sete dias de vida. E inocentemente dormia sem saber que estava sendo observada por espíritos da escuridão.
    O coronel se preparava para mais um dia de comando de sua fazenda, quando a sinhá se levanta da cama, e sem dizer nada anda até ele. O olha no fundo dos olhos, abre um pequeno sorriso, e o ataca numa ferocidade devastadora.
    Com uma voz rouca diz que chegou a hora dele perder mais um pedaço de sua alma. Que já tinha levado seu filho e agora veio para buscar a menina. E com isso deu um salto indo para junto da criança.
    O coronel assustado avança para junto da esposa na intenção de a deter, e assim salvar a sua filha. Num segundo de reflexão ele se lembra das palavras da negra Cambinda, lembrando-se também que estava fazendo exatamente sete dias do nascimento de sua filha.
    Ele tentando controlar a esposa, que estava obsediada, tomada por uma força descomunal, um espírito negro que o olhava com ódio, grunhindo e tentando a todo custo atacar a pequena recém nascida.
    O coronel agarra com todas as suas forças o corpo da mulher, mas ela com uma força grandiosa o joga contra a parede. Ele mesmo atordoado volta em sua tentativa de conter a sinhá. Grita por socorro, pede ajuda aos negros que trabalhavam dentro da casa grande.
    Ao ouvir seus gritos desesperados, os negros correm em direção dos aposentos do casal. Uma velha negra adentra ao cômodo vendo aquela cena demoníaca, enquanto o coronel agarrado ao corpo da sinhá, pede desesperadamente que fossem buscar a negra Cambinda, que ainda se
encontrava presa ao tronco.
    E assim foi feito.
    Ao chegarem com a negra, que se encontrava com suas vestes rasgadas, seu corpo surrado, feridas abertas, o sangue manchando seu corpo e os trapos que vestia, Cambinda se pôs de joelhos em oração, clamando a sua Mãe Iemanjá que lhe mostrasse o caminho para vencer tal força daquele espírito da escuridão.
    De olhos cerrados, ela vê a imagem da negra Mãe, sua voz serena, seu jeito amável e sua luz entram na mente da velha Cambinda, lhe dizendo:
"Filha amada, chegou a hora de mostrar tudo que aprendera em todos esses anos. Vá até fora dessa casa, lá você vai pegar 7 ervas que sua intuição vai lhe mostrar, dessas 7 ervas traga apenas 3, e dessas 3 apenas uma vai ser a que poderá salvar a vida dessa criança das garras desse espírito sem luz. Ao retornar aqui, passe essa erva no corpo da pequena. Se for a correta a criança estará salva, caso sua fé for menor que a força desse obsessor, a alma da criança irá para os
domínios do reino da escuridão."
    E assim ela sai em disparada, enquanto a sinhá era segura pelo coronel e mais 3 negros escravos.
    Ela faz o que lhe foi dito, e retorna para os aposentos do coronel. E com uma só erva escolhida na mão, ela se aproxima da menina recém nascida, esfrega a erva nas mãos, e passa por todo corpo da
criança. Nesse momento a sinhá se desvincula dos fortes braços dos negros e do coronel e corre em direção a filha. Ela empurra Cambinda a jogando longe e ao chão, e quando se aproxima da criança, seus olhos estão vermelhos de ódio, um ódio maligno, incomum, ela olha para o coronel e num grunhido diz apenas a frase:
"Eu levarei mais essa alma comigo, e graças a sua crueldade que me da forças ninguém poderá vencer-me."
    E voltando para a menina novamente da uma terrível gargalhada que estremece a todos no local.
    Mas quando ela ia atacar a menina, foi jogada para trás como se uma força invisível a dominasse. Entre gritos e grunhidos, a mulher desaba ao chão, ficando inerte. No mesmo instante um dos negros que ali se encontrava, absorve toda aquela força maligna, e por entre
gritos de ódio parte para cima da criança, mas não consegue chegar perto dela. A erva escolhida pela querida Cambinda a protegia de todos os males da escuridão.
    Cambinda, numa ação rápida, pega o restante da erva e passa na cabeça do negro obsediado, que no mesmo momento cai ao chão, da mesma maneira que a sinhá.
    A negra abrindo os braços, e com uma quantidade de erva em cada uma das mãos, clama a Oxalá, sua Mãe Iemanjá, todos os Orixás e Entidades de Luz para que lutem junto a ela, dando-lhe forças e fé para vencer aquele mal.
    As forças vieram. Um barulho ecoou dentro do quarto, como um grito de dor e desespero. Cadeiras e mesas viraram dentro de toda a casa grande, livros caíam das prateleiras da biblioteca do coronel, taças e garrafas de vinho foram despedaçadas junto as paredes e ao chão.
    E a calmaria voltou. Todos se entreolharam um tanto assustados. Cambinda se ajoelha e reza. Agradece a força recebida, agradece a vitória conquistada, agradece pela vida da pequena recém nascida, filha do coronel.
    Por entre lágrimas e dores, a sinhá desperta, sem entender o acontecido, da mesma maneira o escravo que também fora obsediado.
    O coronel se ajoelha junto a Velha Cambinda, lhe da um abraço, chora e lhe agradece, pedindo perdão por tudo, por toda a dor e desespero que ele a fez passar por 7 dias de amargura.
    Ela com olhar cansado, apenas diz a seu senhor:
    "As forças do mal buscam ódio, maledicência, rancor, nos corações de quem distribui a dor. Mas essa dor distribuída um dia fará com que dores maiores possam voltar a quem está fortalecendo o mal. Senhor coronel, demonstre seu respeito e agradecimento por nosso povo negro, assim como os Orixás demonstraram um grande amor pelo senhor, ajudando a salvar sua filha. Lembre-se, não foi apenas um espírito maligno da escuridão que levou seu filho, o senhor próprio o deu forças para isso. O mal só vence se não tivermos o bem no coração."
    E assim ela se levantou e caminhou para junto do feitor, dizendo-lhe:
"Cá estou eu, com a força de minha Mãe Iemanjá, pronta para retornar ao meu castigo."
    O coronel, mais uma vez, corre para a negra Cambinda pedindo-lhe perdão e dizendo que ela não iria nunca mais ao tronco.
    Ela de olhos baixos, voz fraca, diz baixinho ao coronel:
"Sou uma negra, meu povo é negro. Enquanto meu povo tiver que sofrer nos açoites, no tronco, na falta de respeito, de comida e de cuidados, eu ficarei no tronco, e ficarei lá até meu corpo não aguentar mais, pois nunca seria livre enquanto ver meus irmãos sendo açoitados até a morte enquanto eu, que não sou nada nem melhor que eles fico sem o castigo merecido aos olhos dos senhores e senhoras de pele branca.
O castigo que deveria receber por ser negra."
    O coronel de imediato mandou que fossem tirados todos os negros do tronco, que todos os troncos fossem destruídos, que todos os negros fossem cuidados e alimentados descentemente.
    A Velha Cambinda viveu na fazenda até seus 90 anos, ela foi a cuidadora de muitos males entre negros e brancos. Foi mucama da pequena sinhá, filha do coronel, que após a primeira filha ainda foi
pai de 5 outras crianças entre meninos e meninas, e nunca mais fora atormentado pelo espírito obsessor.
    A Vovó Cambinda hoje trabalha caridosamente na Umbanda, auxiliando seus filhos amados, ajudando a curar males, retirar Kiumbas, Eguns e Espíritos Zombeteiros da vida de consulentes que buscam ajuda dessa amada Preta Velha.
    Com seu modo amável e sereno ela está sempre pronta a ajudar no que for necessário, dentro do merecimento de cada um.

    Saravá Vovó Cambinda!

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