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A galinha que criava um ratinho







Lá em cima daquele morro tem uma casinha branca, com teto de sapê. È tão pequenina que nem dá para ver daqui. Mas eu sei que tem, porque quando eu era pequena, assim que nem você, minha mãe me disse que tinha, e me contou a história que tinha acontecido nessa casa. Uma história que minha avó contou pra ela e eu vou contar pra você.
Nessa tal casa, há muito tempo, moravam um galo e uma galinha. Eles não tinham pintinhos e, como queriam ter muitos filhos, pegaram um ratinho pra criar. Cuidavam dele com todo carinho e dengo: davam comida, banho gostoso, contavam história, cantavam música, inventavam brincadeira, davam beijo (de bico), abraço (de asa) e faziam cafuné (do jeito bom que você imaginar).
Um dia, depois do almoço, a galinha foi lavar louça no rio. Antes de sair, recomendou:
_ Não abram a porta sem saber quem é. A raposa anda pelas redondezas...
Daí a pouco, bateram na porta:
PAM! PAM! PAM!
O galo tinha comido muito no almoço: caldo de canjica, bife de minhoca, salada de talo de couve, angu de fubá, bolo de milho. Depois, sentou na cadeira de balanço, pôs os óculos e ficou lendo jornal. Foi ficando com tanta moleza, que quando ouviu as batidas nem lembrou do que a galinha tinha dito e mandou:
_ Abre ali, meu filho.
O ratinho, que era muito rápido, num instante abriu. E a raposa _ porque era ela, como você já adivinhou_ ainda mais rápida, num instantinho menor ainda, viu que aquele ratinho não interessava, que ela só gostava de comer bicho de pena. Mas, num instantinho menorzinho que tudo, deu um pulo e comeu o galo inteirinho, de uma bocada só. Com jornal, óculos e até a cadeira de balanço. E foi embora.
O ratinho saiu correndo, entrou por um atalho e logo encontrou a galinha que já vinha voltando.
_ Mãe, você, que dá jeito em tudo, vai ter que dar jeito numa coisa terrível...
Contou logo o que havia havido. Pode ser que, se pudesse, a galinha tivesse chorado e arrancado as penas. Mas não dava tempo para fricote. Por isso, ela falou:
_ Vai em casa correndo, pega a minha cestinha de costura e uma garrafa de cachaça. Depressa!
O ratinho foi.
Aí, a galinha deixou a garrafa de cachaça bem no meio da estrada e se escondeu atrás de uma árvore, com o filho.
A raposa apareceu e viu a garrafa:
_ Oba! Nada como uma pinguinha para ajudar a digestão do almoço...
E bebeu a garrafa toda. Claro, ficou bêbeda. Resolveu descansar na sombra de uma árvore. Num minuto estava roncando. A galinha aproveitou, abriu a cesta de costura, tirou a tesoura, cortou a barriga da raposa e tirou o galo lá de dentro. Ele saiu com o jornal todo amassado, os óculos entortados, a cadeira sem balanço, e não entendia o que tinha acontecido. Ficou resmungando:
_ Quem foi que apagou a luz de repente?
Nem deu tempo de explicar que ninguém tinha apagado luz nenhuma, era só escuridão de dentro da barriga da raposa. Agora todos tinham que ajudar:
A galinha dava as ordens:
_ Ponham aquela pedra na barriga dela!
Eles puseram. A galinha foi costurando. Bem a tempo, porque a raposa já estava se espreguiçando, com jeito de acordar.
Os três correram e se esconderam.
_ Que sede! _ reclamou a raposa.
_ Acho que aquele galo estava muito velho, está pesando muito no meu estômago... Vou beber água.
Ainda tonta de tanta cachaça, foi até o rio. O dia estava quente, ela acabou entrando na água pra se refrescar.
A pedra pesava muito, foi afundando, e a correnteza foi levando a raposa, levando, levando. Deve estar levando até hoje, se é que já não chegou ao mar...
A galinha, o galo e o ratinho voltaram para casa. E o galo aprendeu que pai não tem nada de ficar mandando filho fazer as coisas só porque ele está com preguiça de levantar.
Um dia, a mulher pode não estar por perto para dar um jeito e ele pode se dar muito mal.

Ana Maria Machado.

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