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Babushka







Há muitos anos vivia uma velhinha num sítio muito distante. Era rechonchuda e doce como um pudim de Natal e não parava de varrer, limpar o pó e polir, desde o nascer do sol até aparecerem as primeiras estrelas.

   Não havia um grão de pó ou uma teia de aranha na sua casa. Ela mantinha-se sempre ocupada, porque havia um lugar vazio no seu coração e ficava triste quando pensava nisso.

   Ora, uma bela noite, Babushka estava a polir os castiçais, quando viu uma estrela nova e brilhante cintilar através da janela.

   "Olha, os vidros têm uma mancha", disse Babushka. "Só dei por isso agora. Mas que aborrecimento."

   A estrela estava escondida por detrás de uma nuvem.

   Babushka começou a esfregar o vidro. Olhou lá para fora e viu um anjo no jardim.

   "Boas novas!", cantou o anjo.

   "Se quiseres entrar, tens de limpar os pés", disse Babushka.

   O anjo voou para longe.

   Bateram à porta. Eram três reis com as suas coroas de ouro.

   "Entrem, majestades", disse Babushka, "mas descalcem, por favor, as vossas botas reais."

   "Andamos a seguir a estrela", disseram os três, "que nos vai conduzir até ao pequeno novo rei. Gostarias de vir conosco?"

   "Eu não tenho tempo para andar a viajar!", disse ela. "Quem é que me lava a louça depois?"

   Os camelos dos reis estavam junto do portão.

   "Oh!", disse Babushka. "Patas enlameadas a sujarem a minha entrada! Xô! Xô!", disse sacudindo o pano do pó.

   Os camelos assustaram-se e fugiram a galope para longe, e os reis foram atrás deles.

   "Vou sentar-me um bocadinho para descansar os pés", disse Babushka, "e depois vou limpar o canário."

   Mal se acabara de sentar, começou a cabecear com sono e adormeceu.

   O anjo apareceu de novo e cantou uma cantiga que falava de um menino nascido num estábulo e que tinha apenas uma fralda a envolvê-lo.

   A estrela, saindo de trás da nuvem, atravessou a janela com a sua luz e iluminou em cheio o rosto adormecido de Babushka, que acordou.

   "Valha-me Deus!", disse. "Um bebê num estábulo todo sujo, cheio de animais, onde nem sequer há um xale quentinho que o tape? Tenho de me pôr já a caminho."

   Numa cesta pôs um pequeno palhaço de brinquedo, um xale quente e uma garrafa de licor de gengibre para os mais crescidos, e pôs-se a caminho. O céu, iluminado pela estrela como se fosse de dia, estava cheio de anjos, mas Babushka não olhava para cima.

   "Toda esta poeira na estrada! Isto é uma vergonha", disse ela.

   Babushka viu logo adiante uma mulher e uma menina na beira da estrada. A menina estava a chorar.

   "O que se passa, minha querida?", perguntou Babushka.

   "Íamos a correr para vermos o novo rei, e ela perdeu a boneca", disse a mãe da menina.

   "Pus no bolso e ela deve ter caído", disse a menina soluçando.

   Babushka tirou o palhaço de brinquedo da cesta e fê-lo dançar. A menina parou de chorar e riu.

      "Toma lá, com todo o meu amor", disse Babushka dando-lhe o boneco.

   Um pouco mais à frente, Babushka encontrou uma velhinha muito queixosa, caminhando com dificuldade.

   "O que se passa, minha querida?", perguntou Babushka.

   "Eu gostava tanto de ir ver o menino", disse a velhinha, "mas não posso ir depressa porque me doem muito as pernas."

   "Olha", disse Babushka, "toma este licor fortificante, com todo o meu carinho. Vai-te fazer muito bem."

   A velhinha bebeu um grande gole e afastou-se a passo rápido com um sorriso no rosto e uma palavra de gratidão nos lábios.

   Logo a seguir, Babushka encontrou um pastorzinho transportando um cordeirinho acabado de nascer. O rapazinho tremia com frio.

   "Não consegui acompanhar os outros", disse. "Tenho os braços tão frios que não consigo levar este cordeirinho mais tempo. É um presente para o novo rei recém-nascido."

   Babushka aconchegou-lhe o xale em volta dos ombros.

   "Toma isto, com todo o meu amor", disse. "Assim não sentirás frio durante a viagem."

   Babushka continuou o seu caminho. A cesta parecia leve como o ar. Parou e olhou Ia para dentro. Estava vazia!

   "Oh, minha velha tonta", disse para si mesma. "Tu deste os presentes todos."

   Triste, voltou para trás pelo mesmo caminho. "Eu não posso ir saudar o menino sem levar uma prenda", disse.

   Foi quando ouviu uma voz a chamar: "Babushka!"

   Era Maria.

   Babushka parou, hesitante. "Eu não trago nenhum presente", disse.

   "Faz favor de entrar", disse Maria sorrindo.

   Babushka entrou e lá estava o menino envolto no xale quentinho. O pequeno palhaço estava ao lado dele na manjedoura. José bebia o seu licor fortificante.

   "Mas eu dei todas as prendas!", disse Babushka.

   "Tudo o que deste com amor deste-o também ao meu filho", disse Maria.

   Babushka observou tudo muito bem à sua volta.

   "Olhem para estas teias de aranha", disse. "Vou já limpá-las."

   Foi então que o menino estendeu os braços e sorriu. Os seus olhos pareciam a noite estrelada e profunda. O seu sorriso era o próprio amor.

   Babushka sentiu uma estranha sensação que a fez esquecer as limpezas.

   "Gostavas de lhe pegar?", perguntou Maria.

   Babushka tomou o menino nos braços.

   Rodeada de todos os animais, Babushka fez uma festa no focinho do velho burro cinzento, e o burrinho encostou-lhe o focinho ao ouvido. O menino ria contente, tal como Babushka. Ela apertou-o contra si.

   "Paz", cantavam os anjos.

Babushka
Texto de Sandra Ann Horn
Porto, Campo das letras, 2002

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