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A zanga de Lara e Lia





Lara era uma ratinha cinzenta com um laço rosa no cabelo, e Lia era uma ratinha rosa com um laço cinzento no cabelo. No primeiro dia de aulas do Ciclo Preparatório, no grande recreio da grande escola, os seus olhares cruzaram-se, bem como os seus lacinhos, e sorriram uma para a outra com os seus pequeninos dentes pontiagudos.
— Eu chamo-me Lara.
— E eu, Lia.
— Não achas que somos parecidas? — perguntou Lara, que sempre sonhara ter uma irmã gêmea.
— Não sei, mas vamos ser amigas — respondeu Lia.
Assim começou a amizade entre ambas.
Sentaram-se uma ao lado da outra e nunca mais se deixaram. Não paravam de contar coisas uma à outra e punham-se a cochichar quando viam os ratinhos andar à volta delas. Tinham até trocado os seus laços do cabelo: rosa, cinzento, cinzento, rosa.
— Assim ficamos mesmo a ser irmãs — cantarolou Lara, com os olhos brilhantes.
É tão bom ter uma amiga! A duas, tinham a impressão de serem mais fortes, de formarem um bloco contra os gritos e as risadas daqueles que se conheciam há já muito tempo. Elas, que eram novas na escola, sentiam-se assim menos perdidas…
A dois, tudo era mais engraçado. Até as aulas de ginástica, que ambas detestavam, elas que eram tão miudinhas e tão leves!
Quando saíam da escola dos Ratos, Lara acompanhava Lia a casa, depois Lia acompanhava Lara… E as idas e vindas duravam até ao cair da noite.
Um dia, Lia apercebeu-se de que um ratinho do 5º ano lhe fazia olhinhos.
— Olha — murmurou ela, com a mãozinha rosada sobre os lábios. — Julgo que tenho um apaixonado!
— É ridículo! — riu Lara. — Está sempre a olhar para ti com olhos de carneiro mal morto. Para um pirralho de um rato, é o cúmulo!
Mas Lia não gostou. Com um olhar duro e os lábios apertados, disse a Lara:
— O que tu tens é ciúmes.
Lara sentiu o coração gelar-se-lhe. Era a primeira vez que não estavam de acordo. Era a primeira vez que Lia lhe falava assim, com um tom duro e estranho.
Naquela tarde, depois das aulas, ninguém acompanhou ninguém. Até ao cair da noite, Lara mastigou pipocas diante da televisão. Mas o gelo do coração não derretia.
No dia seguinte, Lara quis pedir desculpa. No recreio, correu no seu passinho miúdo para junto de Lia. Mas esta desviou o olhar e foi para outro lado. Quanto mais Lara se aproximava, mais Lia se afastava. Lara dava-lhe presentes atrás de presentes: cascas de queijo, bolachas com queijo, biscoitos recheados de queijo. Lia recusava sempre. Lara escreveu-lhe uma carta, deu-lhe mesmo um lacinho rosa, mas Lia torcia o nariz e olhava para outro lado. Quanto mais Lara se aproximava, mais ela se afastava.
Ao quinto dia, quando Lara se aproximou, Lia pôs-se às risadinhas com aquela maçadora da Lili. O coração apertou-se-lhe: lembrou-se dos dias em que era ela, Lara, a rir com Lia da maçadora da Lili.
Pronto, acabara-se tudo. Sentia as mãos frias e o coração gelado. As próprias árvores, no recreio, pareciam negras e hostis. Lara tiritava em casa. A mãe dizia-lhe:
— Não lhe mostres tanto que gostas dela, quanto mais te aproximares, mais ela se vai afastar. Aconteceu-me uma coisa semelhante com um rapaz por quem estava interessada.
Quanto mais eu lhe dizia que gostava dele, mais ele se ria na minha cara. Entre amigas, passa-se o mesmo.
— É absurdo — gritava Lara, zangada. — Então não posso dizer-lhe que gosto dela?
— Não deves ser escrava dela — respondeu a mãe. — Faz o que te digo: não percas a boa disposição e não transformes isso num drama. Tudo há-de resolver-se.
Então, Lara meteu-se definitivamente na toca. Os seus bigodes e o seu laço rosa estavam caídos de tristeza; na escola, aborrecia-se terrivelmente, sobretudo quando via Lia e Lili rirem juntas. Tinha a impressão de já não existir, ela que só vivia nos olhos de Lia. O pior eram as aulas de ginástica: sentia-se só, frágil, cheia de vertigens. E quando tinha de dar o salto do cavalo, parecia-lhe que se ia quebrar em mil pedaços.
Um dia, quando o professor estava a explicar o modo mais rápido possível de fugir de um gato, Lara viu um par de olhos aproximar-se dela. Era a Carolina Gorducha, a ratinha de traseiro redondo de que toda a turma troçava.
— Parece que isso não está a correr lá muito bem — comentou, pondo a sua mão gordinha e quente sobre a mão gelada de Lara. — Eu também não gosto muito das aulas de ginástica — murmurou ao ouvido da sua nova amiga.
— Para mim são um pesadelo — sorriu Lara.
Assim começou a amizade entre ambas. E as árvores da escola voltaram a ter folhas. Sentia-se de novo um calor agradável.
Alguns dias mais tarde, à saída das aulas, Lia estava à espera de Lara.
— Vens a minha casa?
E pôs a mão na sua.
— Sabes — murmurou ela — gosto muito da Lili. Mas tu és a minha melhor amiga.
Uma onda de calor invadiu Lara, que sentiu os olhos umedecerem-lhe. Gostava de Lia acima de tudo e nem sabia dizer porquê.
Mas procurou dominar-se. Lembrava-se da frase da mãe: “Não lhe mostres demasiado que gostas dela.”
— Espera um minuto — disse Lara. — Vou apresentar-te a Carolina, uma nova amiga minha.
— Olá, Carolina — cumprimentou Lia ao ver a Carolina Gorducha. E a Carolina Gorducha disse:
— Querem vir a minha casa? Tenho umas boas cascas de queijo para a merenda.
E as três ratinhas lá foram de mão dada. Lara pensava: “A minha melhor amiga há-de ser sempre a Lia e eu nem sei porquê. Mas o que sei é que é normal as pessoas discutirem de vez em quando e até deixarem de se falar. E não vale a pena fazer-se disso um drama.”


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