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As Coisas que a Gente Fala - Ruth Rocha







As coisas que a gente fala saem da boca da gente

e v
ão voando, voando, correndo sempre pra frente.

Entrando pelos ouvidos de quem estiver presente.

Quando a pessoa presente

É pessoa distraída

N
ão presta muita atenção.

Ent
ão as palavras entram

E saem pelo outro lado

Sem fazer complica
ção.

Mas ás vezes as palavras

V
ão entrando nas cabeças,

V
ão dando voltas e voltas,

Fazendo reviravoltas

E v
ão dando piruetas.

Quando saem pela boca

Saem todas enfeitadas.

Engra
çadas, diferentes,

Com palavras penduradas.

Mas depende das pessoas

Que repetem as palavras.

Algumas enfeitam pouco.

Algumas enfeitam muito.

Algumas enfeitam tanto,

Que as palavras - que

Engra
çado!- nem parece as palavras que entraram pelo outro lado.

E depois que elas se espalham,

Por mais que a gente procure,

Por mais que a gente recolha,

Sempre fica uma palavra,

Voando como uma folha,

Caindo pelos quintais,

Pousando pelos telhados,

Entrando pelas janelas,

Pendurada nos beirais.

Por isso, quando falamos,

Temos de tomar cuidado.

Que as coisas que a gente fala

V
ão voando, vão voando,E

ficam por todo lado.

E até mesmo modificam

O que era nosso recado.

Eu vou contar pra vocês

O que foi que aconteceu,

No dia em que a Gabriela

Quebrou o vaso da m
ãe dela

E acusou o Filisteu.

- Quem foi que quebrou meu vaso? Meu vaso de ouro e laquê,

Que eu conquistei no concurso,

No concurso de crochê?

- Quem foi que quebrou seu vaso?- a Gabriela respondeu

- Quem quebrou seu vaso foi...o vizinho, o Filisteu.

Pronto! Lá v
ão as palavras!

V
ão voando, vão voando...

Entrando pelos ouvidos

De quem estiver passando.

Ent
ão entram pelo ouvido

De dona Felicidade:

- o Filisteu? Que bandido!

que irresponsabilidade!

As palavras continuam

A voar pela cidade.

V
ão entrando nos ouvidos

De gente de toda idade.

E aquilo que era mentira

Até parece verdade...

Seu Golias, que é vizinho

De dona Felicidade,

E que é o pai do Filisteu,

Ao ouvir que o filho seu

Cometeu barbaridade,

Fica danado da vida,

Inventa logo um castigo,

Sem tamanho, sem medida!

N
ão tem mais festa!

N
ão tem mais coca-cola!

N
ão tem TV!

N
ão tem jogo de bola!

Trote no telefone? Nem mais pensar!

Isqueite? Milquicheique?? V
ão acabar!

Filisteu, que já sabia

Do que tinha acontecido,

Ficou muito chateado!

Ficou muito aborrecido!

E correu logo pro lado,

Pra casa de Gabriela:

- Que papel
ão você fez! Me deixou em mal estado,

Com essa mentira louca

Correndo por todo lado.

Você tem que dar um jeito!

Recolher essa mentira

Que me deixa atrapalhado!

Gabriela era levada,

Mas sabia compreender

As coisas que a gente pode

E as que n
ão pode fazer;

E a confus
ão que ela armou,

Saiu para resolver.

Gabriela foi andando.E as mentiras que ela achava

Na sacola ia guardando. Mas cada vez mais mentiras

O vento ia carregando...Gabriela encheu sacola,

Bolsa de fecho de mola,

Mala, malinha, maleta.

E quanto mais ia enchendo,

Mais mentiras ia vendo,

Voando, entrando nas casas,

Como se tivessem asas,

Como se fossem - que coisa!- um milh
ão de borboletas!

Gabriela ent
ão chegou

No come
ço de uma praça.

E quando olhou para cima

N
ão achou a menor graça!

Percebeu - calamidade!- que a mentira que ela disse cobria toda a cidade!

Gabriela era levada,

Era esperta, era ladina,

Mas, no fundo, Gabriela

Ainda era uma menina.

Quando viu a trapalhada

Que ela conseguiu fazer,

Foi ficando apavorada,

Sentou-se numa cal
çada,

Botou a boca no mundo,

Num desespero profundo...Todo mundo em volta dela

Perguntava o que é que havia.

Por que chora Gabriela? Por que toda esta agonia?

Gabriela olhou pro céu

E renovou a afli
ção.

E gritou com toda for
ça

Que tinha no seu pulm
ão:

- Foi mentira!- Foi mentira!

Com as palavras da menina

Uma nuvem se formou,

Lá no alto, muito escura,

Que logo se desmanchou.

Caiu em forma de chuva

E as mentiras lavou.

Mas mesmo depois do caso

Que eu acabei de contar,

Até hoje Gabriela

Vive sempre a procurar.

De vez em quando ela encontra

Um peda
ço de mentira.

Ent
ão recolhe depressa,

Antes dela se espalhar.

Porque é como eu lhes dizia.

As coisas que a gente fala

Saem da boca da gente

E v
ão voando, voando,

Correndo sempre pra frente.

Sejam palavras bonitas

Ou sejam palavras feias;

Sejam mentira ou verdade

Ou sejam verdades meias;

S
ão sempre muito importantes

As coisas que a gente fala.

Aliás, também têm for
ça

As coisas que a gente cala.

Ás vezes, importam mais

Que as coisas que a gente fez...

"Mas isso é uma outra história que fica pra uma outra vez..."



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