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Pintar a Vida





Era uma vez um homem que habitava uma terra antiga virada para o mar.
Possuía uma casa com uma torre, um cão e uma caixa de madeira com tintas e pincéis.
Considerava-se um homem rico, não tanto pela casa, pelo cão e pela caixa, mas pela alegria que sentia quando pegava nas tintas e nos pincéis e pintava para fazer as coisas acontecerem.
Quando um vizinho ansiava por uma boa pescaria, chamava-o e ele desenhava na parede da casa, o barco, as redes, a lua e os peixes a saltar.
No dia seguinte o pescador regressava à praia com o barco carregado de peixes.
Se uma mulher desejava a cabeça cheia de sonhos, o homem pintava-lhe um chapéu de estrelas e ela não parava de sonhar.
Se um menino imaginava uma bola mágica que nunca falhasse as balizas, o homem pintava-lhe a bola de sóis amarelos porque até hoje o sol não nos falhou um amanhecer.
Também por ali paravam os nômades, armavam as suas tendas e procurando o homem que fazia as coisas acontecerem, pediam-lhe, pinta-me um destino bom na palma da minha mão e ele pintava e o cão ladrava.
Outros havia que desejavam ódios e cobiças e o homem respondia-lhes que esse era um traço que ele não sabia desenhar, uma ausência de cor.
Nesses instantes o homem inquietava-se com o seu talento e pensava que talvez fosse melhor pintar apenas para si.
Regressava à casa da torre, subia ao terraço onde se avistava o alto mar e do lado de terra a vegetação dunar.
O cão colocava as patas dianteiras sobre o varandim e o homem acariciava-lhe longamente a cabeça até que a noite chegasse e se ouvisse ao longe o grito das aves marinhas.
E sem dar por isso alterou a sua forma de pintar.
Pediam-lhe boa fortuna e ele pintava um pássaro preto e amarelo.
Ambicionavam colheitas fartas e ele pintava um coelho e se o pedido era uma grande viagem, desenhava uma baleia azul.
Os vizinhos não acreditando no poder mágico dos animais, deixaram um a um de o solicitar e as casas, os chapéus e as bolas daquela aldeia foram ficando cada vez mais cinzentas.
O homem não se importou, possuía sempre uma tela em branco em qualquer lugar.


Manuela Baptista
Adaptação

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