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O Cacto





Sônia estava quase a chorar. A chorar de raiva. Quer decidir ela sozinha se vai ou não a uma festa de aniversário. Decidiu que NÃO VAI a casa de Catarina, mas a mãe insiste que se deve aceitar sempre um convite de aniversário, mais ainda quando o aniversariante é da mesma turma que nós. E quando a mãe do aniversariante é nossa amiga.

   O pai compreende Sônia. Quando não gosta de ir a algum lado, ele também não vai.

   — Deixa a Sônia em paz! — diz ele à mãe. — Se ela não quer ir à festa de anos, então que não vá.

   — A Catarina só me convidou porque a mãe dela queria — barafusta Sônia. — Sabes muito bem, mamãe. A mãe dela acha que, só por vocês serem amigas, nós também temos de ser!

   É Sônia que escolhe as suas amigas e elas são todas muito diferentes de Catarina: não têm tranças sem graça, sempre do mesmo tamanho e da mesma grossura a caírem pelas costas abaixo, não usam blusas impecavelmente limpas, sem uma pontinha de sujidade, nem mesmo no colarinho, não usam meias altas de uma só cor, que nunca escorregam. As amigas de Sônia são barulhentas, gostam de roupas garridas e andam um pouco desarranjadas. E quando alguém precisa, estão sempre dispostas a ajudar. E Catarina?

   Catarina, se tivesse um grande guarda-chuva preto, daqueles de homem, abri-lo-ia por cima do caderno para que ninguém pudesse copiar. Quando não tem a melhor nota da turma, Catarina parece ainda mais magra, mais macilenta e calada. Catarina nunca ri. É fechada como uma ostra.

   — Coitada da Catarina — diz a mãe de repente. — Se não leva ‘Muito Bom’ para casa, o pai grita com ela. E a mãe não diz uma palavra. Com um marido com tão mau-gênio, nem se atreve a falar. Só me admira que a Catarina possa até dar uma festa de anos. Numa casa como aquela, onde todos têm de andar em chinelos para não sujarem o chão e onde não se pode fazer barulho, porque o pai não suporta nenhum ruído!...

   "Não gostava nada de ter um pai destes", pensa Sônia. "Quando trago um "Satisfaz" para casa, o máximo que o meu diz é: — Bem, pelo menos não trouxeste nenhum ‘Não Satisfaz’! — A Catarina é mesmo infeliz."

   A mãe já embrulhou a prenda: papel de carta com linhas fluorescentes. Há muito tempo que Sônia queria ter um assim, mas com as cores do arco-íris.

   Aquilo nem faz nada o gênero de Catarina.

   "Vou ficar com ele para mim", pensa Sônia. "A Catarina nem sabe o que ia receber. E de certeza que as nossas mães não vão falar do papel de carta quando se encontrarem. O que eu queria mesmo era escrever uma carta assim:

   Querida mamãe,

   A Catarina é uma palerma. Como não tenho vontade nenhuma de ir à festa de anos de uma palerma, vou ficar no meu quarto.

   Sônia


   Isto era bom mas, infelizmente, não pode ser."

   Sônia pensa no que pode oferecer, em vez do papel de carta. O que gostava era de lhe dar um cacto. Um, com picos da grossura de um dedo. Sônia está a pensar naquela vez, ainda há pouco tempo, que lhe emprestou o seu bonequinho de chumbo preferido e ela, no recreio, o deixou cair na grelha da água. E agora, em troca, vai receber um cacto cheio de picos. Um dos da coleção da mãe. Ela já nem gosta deles. Nascem como cogumelos — costuma dizer, porque a família e os amigos só lhe oferecem cactos. De certeza que a mãe não vai reparar se lhe faltar um vaso no meio dos cinquenta e nove!

   Sônia escolhe um cacto pequeno e torto com muitos cabelinhos e inúmeros picos. Na ponta tem uma espécie de espinho, mole e amarelo-acastanhado. Ainda fica a pensar se não devia cortá-lo, mas acaba por deixar o cacto como está.

   Embrulha-o em quatro folhas de papel de seda para não se picar e põe junto dos chinelos de casa, dentro do saco de plástico.

   "Deve ser horrível ter de levar sempre cinco para casa", pensa Sônia no elétrico a caminho de casa de Catarina. "E ter um pai que grita e de quem todos têm medo…"

   Desde que soube aquilo sobre o pai, Sônia passou a ver Catarina com outros olhos. Ela faz-–lhe pena.

   Olha para o saco pousado entre os pés. Se calhar não devia ter trocado o papel de carta bonito pelo cacto feio. A viagem é longa e ele ainda se estraga metido no saco.

   De repente, Sônia lembra-se da cara que Catarina fez quando reparou que Sônia tinha colado uma cábula por baixo da carteira. Lançara-lhe um olhar ameaçador como se fosse fazer imediatamente queixa dela, mas até agora não tinha feito. Aquilo é que fora um olhar zangado

   Não! Sônia nem sequer vai dar-lhe os parabéns. Só vai sorrir-lhe delicadamente, assim uma espécie de sorriso pequenino só do canto da boca, e apertar-lhe a mão. E dar-lhe o cacto.

   O cacto, que nem sequer tem perfume.

   O cacto, que só pica.

   Sônia está em frente da casa de Catarina. Até que está muito barulho lá dentro para quem tem um pai que quer sempre silêncio.

   — Ainda bem que vieste — diz a mãe de Catarina. — A Catarina vai ficar contente.

   "Ora esta!" pensa Sônia. "Então ela pensou que eu não queria vir?"

   Catarina vem à porta a correr. Chega a transpirar, de cabelo solto, vestida com uma camisola cor-de-rosa e umas calças verde-alface.

   — Olá! — grita alegremente. — Hoje estou diferente, não é? — diz, ao ver a cara esquisita com que Sônia está a olhar para ela.

   — Tive autorização para escolher isto sozinha.

   Catarina aponta orgulhosamente para o rosa-choque e o verde-alface.

   — Meus parabéns — diz Sônia baixinho. Aquela Catarina tão mudada apanhou-a completamente de surpresa.

   Desembrulha o cacto com cuidado… e tem de olhar duas vezes até poder acreditar:

   — Não é possível! — murmura Sônia.

   Mas lá está ela, pequenina, delicada, amarela.

   Com o calor do saco, aquilo que dantes era castanho e murcho transformara-se numa florzinha amarela.

   — É tão querido! — exclama Catarina. — Um cacto em flor! O meu primeiro cacto!

   Catarina está sinceramente contente. Já não é uma ostra esquisita e calada. Em casa, onde não tem de se esforçar para ter cincos, é completamente diferente.

   Levanta o cacto no ar e vira-o de todos os lados. Ri por sair tão torto da terra.

   "É esquisito", pensa Sônia. "Trouxe um cacto feio a uma pessoa de quem não gostava. Entretanto o cacto tornou-se bonito e, de repente, passei a gostar dessa pessoa!"

Evelyne Stein-Fischer
13 Geschichten vom Liebhaben
München, DTV Junior, 1990

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