Vou
contar história esquisita de um ser mais
esquisito ainda. Os índios chamam-no de Curupira. Começo por descrevê-lo: é feio
que nem o Tinhoso e peludo que nem um urso, mas pequeno. Já se viram dentes
verdes? Pois o Curupira tem. Sem falar nas orelhas agudas. Ele não é caranguejo,
porém seus pés são virados para trás, como se ele fosse andar de marcha a ré.
Ninguém nunca sabe onde ele está. Fugindo sempre? Talvez. E de repente surge em
assustadora aparição. Quando vai embora não deixa rastro na terra. Só se ouve
um sussurro na mata — podem estar certos: é ele. E além do sussurro ouvem-se as
marteladas no tronco das árvores. E que, sem ninguém lhe mandar, ele as vigia para
saber se aguentam tempestades e borrascas.
Que
ser misterioso. Pois que também é sábio: conhece, ao olhar apenas, as plantas
que curam doença de bicho. Porque ele protege os animais contra malefícios e
caçadores. E faz tudo isso sem deixar marcas. Só fica no ar um perfume de mata
virgem que é o seu. Mas o danadinho raramente auxilia pessoas, esse pequeno moleque.
Às
vezes simpatiza com um ou outro caçador e logo o convida para morar na
floresta. Como o Saci-Pererê, também pede fumo e em troca do que lhe é dado ensina
os segredos da selva.
Também
sabe se vingar dos índios que, com flechas, ferem um bicho indefeso. Então o Curupira
o atrai para caminhos sem fim e eis o caçador enganado, tonto e perdido. É
verdade que pede antes a um caçador que não mate animais dos que vivem em grupo,
porque o grupo ficará com saudade deles. Mas, ai de nós se o índio não cede!
Não tem o perdão do
Curupira.
Espalha fogo e quase deixa o índio bem assado. Os caçadores temem esta espécie
de gnomo monstro e suas vinganças.
Tudo
o que ele pede, se não dão atrai sorte ruim.
-
Me dá fumo! - diz o Curupira para o índio jangadeiro. E se este nega, a jangada
é virada para o fundo das águas. Tem qualquer parentesco com o Saci-Pererê.
Mas
enquanto este gosta de se divertir com os outros, com o Curupira não se brinca
Por exemplo: coitado de quem penetra na sua mata que serve de casa. A vingança
não tarda.
Não
se sabe é explicar por que ele é tão bom com os bichos E, se não está em
guerra, vive muito bem nas profundezas distantes da floresta.
Clarice Lispector
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