A felicidade das borboletas




Olá! Meu nome é Marcela. Tenho 9 anos e hoje é um dia muito, muito, muito especial para mim! Sabe, eu estudo balé e daqui a pouco vou me apresentar pela primeira vez. Minha mãe disse que estou linda! Minha fantasia é de borboleta e a música que eu vou dançar faz a gente sentir como se estivesse voando!
Eu sei que a plateia está cheia, pois posso ouvir muitas pessoas se movimentando, conversando. São nossos pais e amigos que vieram assistir à nossa apresentação.
Eu nunca tinha estado em um lugar com tanta gente antes! E, imagine só, todos vão me ver dançar!
Há um ano, quando pedi a minha mãe que me levasse até uma academia de dança, todo mundo achou estranho.
Mas a música é tão maravilhosa e me faz sentir tão bem, que logo ela concordou.
Minha professora é muito especial. Ela me apresentou às outras crianças, explicou como poderiam me ajudar a ser uma bailarina e hoje elas são minhas melhores amigas...
No mês passado, quando eu perguntei o que era uma borboleta, minhas amigas trouxeram muitas para mim. Colocaram as borboletas nas minhas mãos, fizeram com que eu sentisse suas asas delicadas e depois me ajudaram a soltá-las... E eu sei que elas voaram para bem longe, felizes e livres.
Eu sei disso porque há coisas muito especiais, que só se vêem com o coração; por exemplo, a felicidade das borboletas... e crianças especiais, como eu, que vêem tudo com o coração.
E agora chegou nossa vez. Eu e minhas amigas vamos entrar no palco e dançar a dança das borboletas, para mim, a mesma que elas dançaram, quando nós as soltamos.
Só queria que todas as pessoas que estão na platéia pudessem sentir o que eu sinto: que, mesmo sem poder ver com os olhos, posso enxergar a felicidade no coração de cada uma de nós, um sentimento tão especial que é capaz de nos fazer voar, livres como borboletas.

Marcela nasceu cega.
Nunca viu o pôr-do-sol ou as cores de um jardim florido...
Mas conhece o sorriso de seus pais e o abraço de seus amigos, pois Marcela é muito querida e amada.
Como toda criança, Marcela gosta de brincadeiras, de boneca, de bicicleta, de parquinho, de música, de piscina e muito mais.
E, também como toda e qualquer criança, precisou de ajuda para ganhar confiança, para aprender coisas novas.
Graças a todo esse amor, a cada dia que passa, desenvolve novas habilidades. E Marcela tem muitas, como a de enxergar a felicidade com o coração!

Patrícia Engel Secco

O Príncipe Adil e os Leões







Muito tempo atrás, longe daqui, vivia um rei que tinha um filho de quem ele gostava muito e que se parecia muito com ele quando era jovem.
Um dia, o rei Azad disse ao grão-vizir:
− Vamos levar meu filho à cova do leão e dizer-lhe o que se espera dele, agora que completou 18 anos.
O príncipe Adil foi chamado à presença do rei e o grão-vizir assim lhe disse:
− Alteza, sempre foi costume nesta nobre família que o herdeiro do trono, na idade que você tem agora, passe por certo teste. Isto é para que fique estabelecido sem nenhuma dúvida se o príncipe está apto ou não a ser o futuro governante do nosso povo. Venha conosco e lhe mostraremos que prova é essa.
O príncipe seguiu seu pai e o grão-vizir até uma grande porta na parede de uma cova rochosa. Havia uma pequena grade na porta, através da qual podia-se ouvir o rugido de um leão.
− Veja, meu filho − disse o rei alisando a barba -, aí dentro está um enorme leão. Você deve lutar com ele e subjugá-lo, com uma adaga e uma espada. Você pode fazer isso quando quiser. Todo homem de nossa família teve que passar por este teste antes de herdar o trono.
O príncipe olhou pela grade e empalideceu, pois o que ele viu foi um leão de fato muito grande, andando de um lado para o outro numa caverna cheia de ossos. O animal tinha uma juba espessa e dentes brancos e afiados. De vez em quando ele franzia o nariz, arreganhava os dentes e dava um rugido horripilante.
− Lutar? Subjugar? Matar essa coisa? Como poderei fazer isso? O máximo que consegui até hoje foi matar um veado ou mandar um falcão caçar um pássaro. Tenho certeza de que um leão desse tamanho e com toda essa força está além das minhas possibilidades - dizia o príncipe quase sem voz.
− Não tenha medo − disse o grão-vizir. − Você não precisa fazer isso agora. Um dia você poderá enfretá-lo, quando se acostumar com a ideia. Pela graça de Alá, você vai encontrar a confiança necessária quando tiver pensado um pouco sobre o assunto. Todos os seus antecessores o fizeram.
O rei sorriu e fez um sinal para que um escravo jogasse um pouco de carne para o leão, que a devorou com satisfação.
Depois disso, os dias se passaram e, embora o rei continuasse tratando seu filho tão gentilmente quanto antes, Adil sentia que sua tarefa pesava sobre ele e que seu pai devia estar ansioso para que matasse o leão imediatamente. Ele não conseguia sentir prazer em nada, pensando no que tinha que fazer.
Uma noite, depois de virar-se e revirar-se na cama sem conseguir dormir, ele se levantou. Vestiu-se, encheu uma bolsa com muitas moedas de ouro e foi até os estábulos reais. Acordou seu escudeiro e pediu-lhe que selasse seu cavalo favorito e que dissesse ao rei que ele ia fazer uma viagem.
A lua brilhava no céu e o príncipe se foi, sem olhar para trás, buscando uma resposta para seu problema.
Na manhã seguinte, chegou à beira de um rio com prados verdejantes dos dois lados. Enquanto o cavalo bebia água, ele ouviu o som de uma flauta e logo em seguida avistou um jovem pastor levando carneiros para o pasto. Adil perguntou-lhe se ali por perto havia algum lugar onde ele pudesse ficar por uns dias. O pastor levou-o ao seu patrão, um homem rico que morava numa casa muito grande nas redondezas.
Lá, o homem, que se chamava Haroun, convidou Adil para jantar e pergun-tou-lhe:
- De onde você vem e como estão seus rebanhos?
O príncipe respondeu com evasivas, dizendo que tivera certos problemas em casa que o obrigaram a viajar. Disse também que estava buscando uma resposta para uma questão pessoal, pedindo ao velho homem que não lhe perguntasse mais nada.
Imediatamente Haroun disse que Adil poderia ficar em sua casa quanto tempo quisesse e que ali estivesse à vontade. Seu cavalo foi levado ao estábulo, e o príncipe pensou que gostaria de ficar um longo tempo naquele espaço tão tranquilo.
A cada dia descobria um lugar encantador onde se podia ouvir o som das flautas dos pastores, que naquela área eram inúmeros, pois aquela era a Terra dos Tocadores de Flauta Celestiais.
Acontece que uma noite, horrorizado, o príncipe ouviu rugidos de leões, não longe da casa, e contou a Haroun na manhã seguinte.
- Ah, sim, respondeu ele calmamente. Este lugar está infestado de leões. Eles caçam à noite. Fico surpreso que você ainda não os tivesse escutado. Por isso temos este muro em volta do jardim, senão eles já teriam levado toda a minha família.
− E ele ria com gosto, como se tivesse dito uma piada.
O coração do príncipe encheu-se de medo. Assim que preparou seu cavalo para partir, despediu-se de Haroun agradecendo sua hospitalidade e mais uma vez pôs-se na estrada, cavalgando o mais rápido que podia.
À medida que viajava, foi deixando para trás os verdes vales e foi surgindo à sua frente uma árida planície arenosa, onde não se via um único tufo de grama. O cavalo avançava com dificuldade, enfrentando o vento que de vez em quando levantava nuvens de poeira seca. Adil sabia que precisava logo encontrar água para ambos. Em silêncio rezou para que na próxima duna surgisse um acampamento de beduínos ou um oásis pequeno.
Como resposta à sua oração, ele viu no horizonte uma fila de tendas negras. Vários guerreiros se aproximaram, suas armas reluzindo ao sol, e o saudaram gritando "Asalaamamawaleikum!". Eles o escoltaram até o Sheik, que o recebeu calorosamente, dizendo-lhe que tinha muita honra em tê-lo como hóspede e que ele poderia ficar ali quanto tempo desejasse.
Depois de uma deliciosa refeição de carneiro cozido, arroz com especiarias, figos e tâmaras maravilhosamente doces, o Sheikh perguntou a Adil que ventos o levavam naquela direção.
− Não me pergunte mais nada − disse o príncipe. −Basta que você saiba que deixei minha casa com um problema, que espero resolver tendo me ausentado da casa de meu pai até me sentir mais seguro de minha situação.
O Sheikh inclinou a cabeça, alisou a barba e deu uma baforada no cachimbo.
− O tempo nos dá todas as respostas − murmurou−, se pudermos ser pacientes.
O príncipe sentiu que poderia ficar para sempre naquele lugar, onde durante o dia respirava o ar frio e fresco do deserto, caçando antílopes e comendo fartas comidas na companhia do Sheikh.
Mas um dia, depois de duas semanas de tranquilidade, o velho Sheikh lhe disse:
- Meu filho, meu povo e eu gostamos de você e admiramos o modo como se juntou a nós em nossos divertimentos. Mas somos guerreiros e temos que lutar com outras tribos. É necessário muita bravura pessoal para a nossa sobrevivência, por isso gostaríamos de submetê-lo a um teste onde pudéssemos ter uma evidência do seu valor. Há duas milhas ao sul desta área está uma cadeia de montanhas infestada de leões. Levante-se cedo amanhã, e depois da oração do alvorecer, pegue o melhor de nossos cavalos e, com uma lança e uma espada mate um destes animais. Depois disso, arranque sua pele e traga-a para nós, assim terá provado sua valentia.
O rosto do príncipe Adil tornou-se branco como cera e enquanto dizia boa noite ao Sheikh, tomado pelo medo, tinha certeza de que não poderia enfrentar aquelas criaturas selvagens.
− Deus do céu − ele dizia quando abandonou o acampamento antes da última refeição da noite −, parece que encontro leões em qualquer lugar para onde vou. Não posso entender... afinal, eu saí de casa justamente para evitá-los.
Viajou muito tempo pela noite estrelada. De manhã chegou a uma bela região onde as flores selvagens cresciam nas montanhas. Avistou ao longe um magnífico palácio, o mais belo que ele jamais vira. Era feito de uma pedra rosada, com colunas de lápis-lazúli e balcões de madeira esculpida e pintada de várias cores. Havia fontes nos jardins à sua volta, pássaros que cantavam em árvores cheias de flores, e muitos pavilhões cobertos de jasmins e rosas docemente perfumadas.
− De fato, parece um paraíso na terra! − disse Adil para si mesmo enquanto se aproximava do palácio.
Nos portões, guardas levaram-no ao quarto de hóspedes, onde tomou banho e vestiu roupas limpas, ajudado por servos sorridentes.
Depois foi conduzido à presença do Emir, um homem de barbas cinzentas que lhe perguntou o que o trouxera ali. Junto dele estava sua filha Peri-Zade, que tinha lindos olhos amendoados e um cabelo negro como a cauda de um pássaro.
− Minha situação é tal que não posso falar dela, tentou responder o príncipe, evitando olhar para a adorável Peri-Zade, por quem ele tinha imediatamente se apaixonado. − Eu deixei meu país porque tinha um problema para resolver.
− Eu entendo − disse o Emir balançando a cabeça.
E começou a falar de outros assuntos.
Depois da refeição, o Emir mostrou a Adil o palácio por dentro, em toda sua magnificência. Escadas de mármore levavam a vários aposentos, forrados com móveis de madeira de várias partes do mundo. As paredes e o teto eram cobertos de mosaicos de turquesa, ouro, afrescos e espelhos. As janelas eram de vidro transparente pintado em cores delicadas, e os tapetes, macios como seda, tão bem tecidos e mostrando paisagens tão harmoniosas que quase não pareciam ter sido feitos por mãos humanas.
O Emir o levou finalmente a seu quarto para que ele descansasse e lhe disse que ele ficasse ali o quanto lhe fosse possível ficar. Sozinho, olhando todo aquele esplendor à sua volta, Adil pensou que naquele lugar ele poderia ficar o resto de sua vida.
Muitos dias se passaram. A princesa Peri-Zade encantava-se em poder mostrar ao príncipe os jardins em várias horas diferentes. Um dia, ao entardecer, ele a ouvia cantar e tocar alaúde com extrema graça e perfeição. Foi então que escutou um som que o arrepiou dos pés à cabeça.
− Pare − ele gritou. − Que barulho foi esse?
- Não ouvi nada, ela respondeu um pouco aborrecida pela interrupção.
E continuou a tocar.
− Foi ali, perto de uns arbustos. Parecia o rugido de um leão.
Ela sorriu e lhe disse:
- É apenas Rustum, nosso guardião, como o chamamos. É o animal de estimação de toda a corte. A esta hora ele vigia nossos jardins. Eu o conheço desde que era um filhotinho e à noite ele dorme à porta do meu quarto.
Nesta noite, completamente cheio de medo, o príncipe quase não tocou na comida. Quando subiu as escadas acompanhado pelo Emir, teve vontade de sair correndo ao ver o enorme leão parado à porta do seu quarto.
− Veja que honra − disse o Emir. − O bom Rustum está esperando para levá-lo para a cama! Ele não faz isso com muita gente, não. Apenas se aborrece se vê que alguém tem medo dele. Mas de fato é extremamente manso.
− Eu tenho medo dele − sussurrou o príncipe−, realmente tenho muito medo.
Mas o Emir pareceu não escutá-lo e se despediu deixando Adil com o leão. O príncipe abriu a porta e o mais rápido que pôde fechou-a atrás de si.
Não conseguiu dormir a noite inteira. Quando se levantou pela manhã, começou a pensar que seria melhor voltar para casa. Havia tantos leões em seu caminho que seria melhor lutar com o leão na cova e acabar logo com isso, em vez de ficar fugindo a vida toda. Foi até o Emir e lhe disse:
− Peço permissão para partir e enfrentar meu próprio problema à minha maneira, ou então nunca estarei em paz comigo mesmo. Sou um covarde e quero deixar de sê-lo, em honra de meu pai. Sou o filho do rei Azad e fugi do dever que todos os homens de minha família devem realizar. Estou envergonhado e sei que nunca poderei pedir a mão da princesa Peri-Zade enquanto não encarar meu destino e lutar com o leão naquela cova.
− Muito bem falado, meu filho −disse o Emir. − Desde o primeiro momento eu soube quem você era, pois você se parece muito com seu pai quando jovem. Sempre respeitei e admirei o rei Azad. Vá, lute com o leão e eu lhe darei minha filha em casamento.
O príncipe montou no seu cavalo e galopou até o acampamento das tendas pretas.
− Bem vindo, príncipe Adil, − disse o Sheikh beduíno, conheci o seu pai quando tínhamos ambos a idade que você tem agora. Pude saber quem você era pela enorme semelhança que tem com ele, aliás, maior agora de que no dia em que você chegou aqui.
Adil contou-lhe sobre sua intenção de voltar para casa, o que agradou muito ao Sheikh.
Depois de descansar aquela noite, o príncipe seguiu viagem e descobriu, no caminho, que estava com muita saudade de casa, com leão e tudo. Mal podia esperar para dizer a seu pai que estava preparado para enfrentar aquela criatura dentro da cova.
Logo chegou à terra dos tocadores de flauta celestiais. Quando encontrou o dono daqueles campos no pátio de sua casa, lhe disse:
− Quando cheguei aqui pela primeira vez era um covarde. Agora estou pronto para lutar e fazer o que meus antepassados fizeram, seja qual for o resultado. Tenho confiança em Alá, o compassivo.
− Que assim seja− disse o velho homem. − Eu sabia que você, sendo o verdadeiro filho de seu pai, que foi meu companheiro quando estudamos juntos, no tempo certo iria enfrentar suas dificuldades. Vá, e que Alá esteja com você!
Algum tempo depois, Adil chegou a seu reino e pediu imediatamente ao grão-vizir para levá-lo à cova do leão. O velho rei o abraçou-o muito feliz e os três se dirigiram para a caverna.
A espada e a adaga que o príncipe carregava brilhavam ao sol. Então, um escravo abriu a enorme porta e Adil entrou corajosamente. O leão começou a rugir, levantou-se e andou na direção do príncipe com sua enorme mandíbula aberta. O príncipe olhou para aquele animal sem medo, armas na mão, enquanto o rei, o vizir e o escravo ficaram em silêncio, observando. O leão deu um outro rugido, mais forte que o anterior, e chegou perto dele. Então, para o espanto do príncipe, o monstro pôs-se a esfregar a cabeça contra seus joelhos e lambeu suas botas como um cão amestrado.
− Agora você pode ver − disse o grão-vizir − que este leão é tão dócil quanto um escravo dedicado e não faz mal a ninguém. Você passou no teste por ter entrado na sua toca.
A prova do seu valor está completa. Agora você é digno de ser o nosso futuro rei. Louvado seja Alá.
O jovem mal podia acreditar no que tinha acontecido. Quando saiu dali, o leão veio junto com ele, andando a seu lado, até que o escravo levou-o de volta para a cova.
Houve muita festa no palácio e no dia seguinte as comemorações se estenderam para cada casa na cidade. De acordo com a tradição, o rei distribuiu moedas de ouro e prata para o povo reunido no grande pátio sob o balcão real.
Adil contou a seu pai sobre seu desejo de casar-se com a princesa Peri-Zade e o rei mandou um emissário buscá-la.
Para Adil, pareceu uma eternidade o tempo que a comitiva demorou a trazer sua amada. Ela veio acompanhada de parentes e amigos, todos vestidos com as mais belas roupas de casamento. Até o fim de seus dias o príncipe guardou na memória a visão que teve da princesa, quando ela chegou cavalgando um cavalo branco árabe, envolvida em roupas da mais pura seda e jóias de beleza inigualável.
As festividades do casamento duraram sete dias e sete noites.
Eles foram muito felizes e, quando Adil tornou-se rei, fez uma inscrição com letras de ouro no chão de seu quarto de estudos particular que dizia: NUNCA FUJA DE UM LEÃO.


Os Sacis







Os Sacis estavam de boca aberta.
- Você esteve na cidade Pororó?
- Bem só no alto do redemoinho...
- Como você sabe dessa história de apartamento e elevador?
- Um menino me contou. Eu peguei roupa no varal e fui falar com ele.
- E ele?
- Pensou que eu era menino também.
- Não tinha perigo?
- De quê?
- Descobrir que você era Saci...
- Xiii... Sabem o que eu descobri?
- Diga logo! Pediram os dois.
- Menino não acredita em Saci!
- O quê?
- A gente esta lá, perto do mato, tinha falado de tudo... Então eu perguntei se ele tinha medo de Saci...
- E ele?
- Fala Pororó.
Pororó fez um ligeiro suspense e revelou.
- Ele riu muito.
- Riu?
- Disse que saci não existe.
- Saci não existe?
- Nós não existimos?
- Com essa, o Piriri desabou:
- A gente perde a casa, sofre feito Saci e ainda vem um menino dizer que Saci não existe...
buááá... buééé...


GALDINO, Luís. Sacici, siriri, sici. São Paulo: Editora: Nova Alexandria, 2001.

A Arte de Ser Feliz







Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs, vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas
gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes, abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lopes de Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim...
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Cecília Meirelles. A arte de ser feliz.