O Moço que não queria morrer







Um jovem viajante andava pelas estradas do mundo.
Certa tarde, arranjou um lugar debaixo de uma árvore e sentou-se para descansar.
 Um vulto apareceu, só Deus sabe de onde. O moço puxou assunto com o recém-chegado. Conversa vai, conversa vem, descobriu que aquele vulto era a Morte. Em pé, com um pedaço de pau na mão, o rapaz gritou:
 — Se veio pra me levar vai ter que ser na marra. Não pretendo morrer de jeito nenhum. Tenho uma vida inteira pela frente!
A Morte caiu na risada:
— Calma, amigo. Não tenha medo. Só estou aqui de passagem. Você é muito jovem. Sua hora ainda está longe de chegar. Um dia eu pego você, mas não vai ser já! Disse isso e desapareceu numa espécie de poeira escura e acinzentada. O jovem ficou pensando. Não queria morrer nem quando ficasse velho. Achava errado morrer. Para ele, a morte era uma injustiça. Lembrou-se de sua conversa com o vulto misterioso e sorriu:
— Acho até que a Morte sentiu um pouco de medo de mim! Daquele dia em diante, uma ideia cresceu fixa na cabeça do moço. Ia passar o resto da vida procurando um lugar onde a morte não existisse.
— Deve haver um lugar assim — disse ele para si mesmo.
 — É simplesmente uma questão de lutar para encontrar. E lá se foi o jovem viajante pelo mundo afora em busca do lugar onde ninguém morria. Andou, andou, andou. Andava e perguntava para todos que encontrava. Ninguém nunca tinha ouvido falar no tal lugar. Alguns até davam risada. Outros balançavam a cabeça sem querer acreditar. O jovem, teimoso, foi em frente. Um dia, encontrou um homem velho conduzindo uma carroça velha puxada por um burro velho. A carroça estava cheia de pedras.
 — O senhor sabe onde fica o lugar onde ninguém morre?
— Se não quer morrer — respondeu o homem velho —, fique perto de mim. E apontou o dedo para longe. — Está vendo aquela montanha? Se ficar comigo, enquanto eu não transportar toda ela com minha carroça, pedra por pedra, pedaço de terra por pedaço de terra, você vai viver.
 — Mas por quanto tempo? — Com certeza, mais do que cem anos — respondeu o homem velho.
— É pouco — disse o moço. — Quero viver bem mais que isso. Despediu-se e foi embora. Andou, andou, andou. Mais adiante, encontrou um homem muito velho com um machado muito velho na mão.
— O senhor sabe onde fica o lugar onde ninguém morre?
— Se não quer morrer — respondeu o homem muito velho —, fique perto de mim. E apontou o dedo para uma floresta escura que cobria uma planície imensa. — Está vendo aquela mata? Se ficar comigo, enquanto eu não cortar todas as suas árvores, tronco por tronco, galho por galho, você vai viver.
— Mas por quanto tempo? — Com certeza, cerca de duzentos anos — respondeu o homem muito velho.
— É pouco — disse o moço. — Quero viver bem mais que isso. Despediu-se e foi embora. Andou, andou, andou. Mais adiante, encontrou um homem muito, muito velho, carregando um balde muito, muito velho, cheio de água.
— O senhor sabe onde fica o lugar onde ninguém morre? — Se não quer morrer — respondeu o homem muito, muito velho —, fique perto de mim. E com o dedo mostrou um oceano que cobria a linha do horizonte de ponta a ponta.
— Está vendo aquele mar? Se ficar comigo, enquanto eu não tirar toda sua água com meu balde, litro por litro, gota por gota, você vai viver.
— Mas por quanto tempo? — Com certeza, cerca de trezentos anos — respondeu o homem muito, muito velho.
 — É pouco — disse o moço. — Quero viver bem mais que isso. Despediu-se e foi embora. Andou, andou, andou. Em seguida, andou, andou, andou. E depois, andou, andou e andou mais ainda.
 Certa noite, enxergou um castelo dourado no alto de um despenhadeiro. O castelo brilhava no meio da escuridão. O moço subiu pelas pedras do penhasco. Chegou no castelo pouco depois do amanhecer. Bateu na porta. Silêncio. Bateu de novo. O lugar parecia desabitado. Sem saber o que fazer, resolveu ficar por ali passeando. Perto de uma fonte, encontrou uma moça que o chamou pelo nome. A jovem era a coisa mais linda que o moço já tinha visto na vida.
 — Por favor — disse ele aproximando-se, encantado.
 — Por acaso, sabe onde fica o lugar onde ninguém morre? A moça sorriu e seu sorriso era simplesmente luminoso.
— Este é o lugar aonde a Morte não vem — respondeu a moça.
— Fique para sempre comigo — pediu ela. E disse mais: — Enquanto estiver aqui, tenha certeza disso, você vai viver.
— Mas por quanto tempo? — O tempo que você desejar! Era tudo o que o jovem viajante queria ouvir. A partir daquela manhã, passou a morar com a moça bonita do castelo dourado que ficava no alto do despenhadeiro. Por sorte, a vida no lugar onde ninguém morre era muito boa. Todos os dias, na hora das refeições, a mesa aparecia posta cheia de comidas e bebidas deliciosas. À noite, o jovem dormia com a bela moça numa cama macia forrada de veludo vermelho. De vez em quando o rapaz pensava na Morte.
— Enganei a bandida! — dizia ele orgulhoso e cheio de felicidade. Mas o tempo é um vento que leva tudo. Acontece que o jovem viajante deu para sentir falta da família, dos amigos e da cidade onde tinha nascido. Conversou com a moça bonita:
— Gostaria de visitar meus pais e meus irmãos.
 — Para quê? — perguntou ela. — Somos tão felizes!
— Sinto saudade — explicou o rapaz. A moça bem que tentou dissuadir o moço, mas não teve jeito. Ao perceber que o rapaz estava mesmo decidido a visitar a família, a jovem achou que já estava na hora de falar a verdade.
 — Preciso contar uma coisa — começou ela.
 — É algo que você ainda não sabe. — A moça falava com jeito.
 — Você já está morando aqui comigo há mais de quinhentos anos.
 O jovem viajante arregalou os olhos. — Como assim? No começo, o rapaz não quis acreditar nas palavras da moça, mas ela tanto falou, tanto explicou, tanto argumentou que ele acabou convencido.
 — Não faz mal — disse confuso. — Mesmo assim, quero voltar para pelo menos rever minha casa e o lugar onde nasci. A moça bonita não quis insistir mais. Apenas disse:
 — Está bem. Vá, se quiser! E explicou o que o jovem devia fazer. Pediu a ele que viajasse no cavalo branco que vivia preso na estrebaria.
 — Ele é mágico — contou ela.
— É capaz de galopar mais rápido do que a ventania. A jovem continuou. Seus olhos ficaram cheios de água:
— Por favor, preste muita atenção — pediu ela.
— Nunca desça do cavalo e, principalmente, nunca, de jeito nenhum, coma qualquer coisa enquanto estiver fora do castelo dourado. O jovem viajante concordou, pegou o cavalo branco, despediu-se e partiu.
Foi viajando e quanto mais viajava mais espantado ficava. É que o mundo estava completamente diferente! Onde antes existia uma imensa montanha agora havia uma cidade. Onde antes havia uma floresta escura agora existia uma imensa planície. Onde antes existia um oceano, o chão agora estava rachado de tão seco. O jovem cavaleiro andava, olhava e não conseguia reconhecer quase nada.
 Chegando à pequena vila onde tinha nascido, encontrou uma cidade grande e muito movimentada.
 Falou seu nome. Ninguém conhecia.
Perguntou sobre sua família. Ninguém mais lembrava.
Procurou sua antiga casa. Não existia mais.
Desconsolado, o rapaz achou melhor voltar para a moça bonita do castelo dourado que ficava no alto do despenhadeiro na terra onde ninguém morre.
Foi andando e quanto mais andava mais sentia o corpo fraco. Era uma mistura de cansaço, espanto, saudade e fome. A tarde caía fria anunciando a noite. No caminho, encontrou um homem levando uma carroça cheia de maçãs.
 A fome apertou na barriga do jovem viajante. "Uma ou duas maçãs não vão me fazer mal", pensou ele e gritou: — Dá pra me vender umas maçãs? — Quantas? — quis saber o sujeito, parando a carroça.
— Uma ou duas.
— Só isso? — exclamou o homem com voz desanimada.
— Pode pegar. Não vai custar nada. É por conta da casa. O jovem saltou do cavalo, escolheu uma maçã e mordeu. Foi quando uma mão fria e forte agarrou sua nuca.
 — Agora você não me escapa! O homem da carroça cheia de maçãs era ela, a Morte, o último suspiro, a treva sem fim, a vigília que nunca acaba, o derradeiro alento, o sono da noite sem horas.

 Conformado, o jovem viajante amoleceu o corpo e deixou que a escuridão tomasse conta de tudo.


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