Era uma casa em cima do morro. A
velha morava lá. Na frente tinha jardim e atrás um montão de bananeira. Perto
da porta da cozinha ficava uma escada de pegar banana. A escada quebrou. As bananas
estavam madurinhas.
Um macaco vinha passando e a mulher o
chamou:
- Me ajuda a catar?
O macaco disse sim. Trepou pelas
folhas, deu um suspiro e desabou a comer tudo quanto foi banana bem
bonita.
A velha gritou:
- Safado!
O macaco ria.
- Pilantra!
A mulher ralhava. O macaco só jogava
pra velha banana verde ou então fedida, cheia de mosca e mancha preta. Depois o
macaco deu até logo e foi embora.
A velha juntou a banana que sobrou,
xingando e caraminholando.
Mandou fazer uma boneca grudenta de
cera. Botou na porta de casa, junto de uma cesta cheia de banana. E ficou
agachada espiando.
Passou um dia. Nada.
Passou outro dia.
No terceiro, o macaco passou e sentiu
um cheirinho bom. Veio chegando:
- Ô Catarina! Quero banana...
A boneca nem se mexeu. No céu, um sol
de rachar.
O macaco pediu outra vez. A boneca
quieta. O macaco falou grosso:
- Me dá uma banana, ô Catarina, senão
leva um tapa.
A boneca nada e ele - pá - deu e
ficou com a mão colada no beiço da moça de cera.
- Larga minha mão senão leva um
beliscão!
A boneca nem ligou. O macaco deu e
ficou com a outra mãos presa.
- Me solta, ô Catarina! Me solta
senão toma um chute!
Esperou que esperou. Meteu o pé e
ficou mais grudado ainda.
- Diaba! Moleca! Me larga, ô Catarina! -
berrou o macaco preparando outro pé.
Chegou a velha arregaçando os dentes:
- Agora você me paga!
Levou o macaco lá dentro e mandou a
cozinheira preparar o coitado pra comer na janta.
A empregada foi e fez.
Na hora de matar, o macaco revirou os
olhos e cantou:
Me mata devagar
Que dói, dói, dói
Eu também tenho filhos
Que dói, dói, dói
Na hora de esfolar, o macaco cantou:
Me esfola devagar
Que dói, dói, dói
Eu também tenho filhos
Que dói, dói, dói
Que dói, dói, dói
Na hora de temperar, o macaco cantou:
Me tempera devagar
Que dói, dói, dói
Eu também tenho filhos
Que dói, dói, dói
Eu também tenho filhos
Que dói, dói, dói
Na hora de assar, o macaco cantou:
Me assa devagar
Que dói, dói, dói
Eu também tenho filhos
Que dói, dói, dói
A cozinheira serviu o macaco num prato enfeitado com arroz,
feijão-preto, couve, farofa e mandioca frita.A velha estalou a língua, sorriu, cortou um pedaço e mordeu.
Na hora de mastigar, o macaco cantou:
Mastiga devagar
Que dói, dói, dói
Eu também tenho filhos
Que dói, dói, dói
A velha estranhou, apertou os olhos mas comeu tudinho. Foi
quando deu uma dor de barriga daquelas, pior que rebuliço nas tripas. A mulher
levantou, sentou, andou prá lá e prá cá. Não teve jeito, era o macaco
pedindo:Que dói, dói, dói
Eu também tenho filhos
Que dói, dói, dói
- Quero sair.
A velha respondeu:
- Sai pelas orelhas.
- Não posso não, que tem cera - gritou o macaco - Quero sair!
A barriga da mulher doía.
- Sai pelo nariz.
- Tá assim de gosma. Quero sair!
A barriga roncava cada vez mais.
- Sai pela boca.
- Pela boca tem cuspe. Quero sair!
Aí a velha estufou, estufou e pum!
Foi um estouro que se ouviu lá de longe.
E de dentro dela saiu o macaco e mais um bando de macaquinhos, tudo viola, dançando e cantando:
Eu vi a bunda da
velha iá,
iá
Eu vi a bunda da
velha iô,
iô
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta. São
Paulo: Editora Ática, 2002. p. 26-30
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