O príncipe acordou contente. Era dia de caça. Os cachorros latiam no
pátio do castelo. Vestiu o colete de couro, calçou as boas. Os cavalos batiam
os cascos debaixo da janela. Apanhou as luvas e desceu. Lá embaixo parecia uma
festa. Os arreios e os pelos dos animais brilhavam ao Sol. Brilhavam os dentes
abertos em risadas, as armas, as trompas que deram o sinal de partida.
Na floresta também ouviram a trompa e o alarido. Todos souberam que eles
vinham. E cada um se escondeu como o pode. Só a moça não se escondeu. Acordou
com o som da tropa, e estava debruçada no regato quando os caçadores chegaram.
Foi assim que o príncipe a viu. Metade mulher, metade corça, bebendo no
regato. A mulher tão linda. A corça tão ágil. A mulher queria amar, a corça ele
queria matar. Se chegasse perto será que ela fugiria? Mexeu num galho, ela
levantou a cabeça ouvindo. Então o príncipe botou a flecha no arco, retesou a
corda, atirou bem na pata direita. E quando a corça-mulher dobrou os joelhos
tentando arrancar a flecha, ele correu e a segurou, chamando homens e cães.
Levaram a corça para ao castelo. Veio o médico, trataram do ferimento.
Puseram a corça num quarto de porta trancada. Todos os dias o príncipe ia
visita-la. Só ele tinha a chave. E cada vez se apaixonava mais. Mas a
corça-mulher só falava a língua da floresta e o príncipe só sabia ouvir a
língua do palácio. Então, ficavam horas se olhando calados, com tanta coisa
para dizer.
Ele queria dizer que a amava tanto, que queria casar com ela e tê-la
para sempre no castelo, que a cobriria de roupas e joias, que chamaria o melhor
feiticeiro do reino para fazê-la virar mulher.
Ela queria dizer que o amava tanto, que queria se casar com ele e
leva-lo para a floresta, que lhe ensinaria a gostar dos pássaros e das flores e
que pediria à Rainha das Corças para dar-lhe quatro patas ágeis e um belo pelo
castanho.
Mas o príncipe tinha a chave da porta. E ela não tinha o segredo da
palavra.
Todos os dias se encontravam. Agora se seguravam as mãos. E no dia em
que a primeira lágrima rolou nos olhos dela, o príncipe pensou ter entendido e
mandou chamar o feiticeiro.
Quando a corça acordou, já não era mais corça. Duas pernas só, e
compridas, um corpo branco. Tentou levantar, não conseguiu. O príncipe lhe deu
a mão. Vieram as costureiras e a cobriram de roupas. Vieram os joalheiros e a
cobriram de joias. Vieram os mestres de dança para ensinar-lhe a andar. Só não
tinha a palavra. E o desejo de ser mulher. Sete dias ela levou para
aprender sete passos. E na manhã do oitavo dia, quando acordou e viu a porta
aberta, juntou sete passos e mais sete, atravessou o corredor, desceu a escada,
cruzou o pátio e correu para a floresta à procura de sua Rainha. O Sol ainda
brilhava quando a corça saiu da floresta, só corça, não mais mulher. E se pôs a
pastar sob as janelas do palácio.
Marina Colasanti
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