Era uma cidade grande, dessas em que dificilmente
as pessoas se encontram. Ele vivia em um apartamento, apenas mais uma luz
brilhando na imensa paisagem sempre meio escura da metrópole. O homem não era
dali e, desde que chegou, tinha esperança de um dia voltar. Criava sonhos, era
um poeta.
O tempo foi passando e ele foi ficando. O tempo
fingia não passar e o poeta fingia não perceber.
É assim mesmo, só acontece com certas pessoas, que
têm esperança, acreditam na felicidade. O poeta, admirado por todos, vivia
cercado de pessoas. Mas, na verdade, era muito solitário.
Aquele burburinho ajudava a passar o tempo, sem
perceber o tempo passar. Coisa de poeta que tem um sonho na cabeça e acredita
na sua realização. Espera que um dia tudo que imagina seja verdade.
E foi assim que, de repente, no parapeito da janela
do seu apartamento, caiu um filhote de passarinho. Pequeno, frágil, molhado.
Porque em cidade grande isso acontece, tem pouca
árvore segura para se fazer um ninho. Além do que, às vezes, os pais dos
passarinhos saem à procura de alimento e são capturados em armadilhas. Ainda
por cima, venta e chove nas metrópoles.
O poeta acolheu o filhote de passarinho. Primeiro
nas mãos, depois no coração.
Embora bonitinho, ele era bem triste. Os olhinhos
sem brilho, as peninhas da cabeça eriçadas e – curioso – parecia sentir frio e
medo o tempo todo.
Também pudera! O poeta, que já estava bem mais
acostumado com a vida na cidade grande, às vezes também sentia tudo isso.
O tempo foi passando e o poeta continuou vivendo na
metrópole, só que agora com o passarinho. Já não era solitário, porque se
ocupava em imaginar o que fazer para satisfazer o verdadeiro amiguinho. Opa! Verdadeiro?
É isso mesmo, o poeta sentia que esse passarinho era especial, não era um de
seus poemas, só mais um sonho.
Juntos, o poeta e o passarinho foram descobrindo,
emocionados, várias coisas. Boas, na maior parte das vezes, e – não tem jeito –
também algumas ruins. Mas, nestes casos, o poeta tratava de fazer uma espécie
de mágica, e tudo ficava bem.
E o passarinho foi mudando. Ficou mais bonito,
esperto e cantava muito bem. Até as peninhas da cabeça, como os olhos, ficaram
suaves, brilhantes. O passarinho havia crescido, por dentro e por fora.
O poeta, então, começou a ter um novo sonho...
Incrível! Este era o maior de todos os sonhos. E você já sabe, poeta acredita
que sonho pode ser realidade.
Na cabeça do poeta tudo estava bem claro, fácil de
concretizar. E lá foi ele sonhando para asi mesmo e, claro, também para o
passarinho. E por que não? Os dois haviam sido feitos um para o outro. Paixão
igual só mesmo em poesia.
E o poeta criava o futuro! Ele e o passarinho iriam
embora, vier no campo, em uma casa rodeada de árvores – afinal, passarinho e
poeta adoram árvores. Lá, em harmonia, iriam cantar e, quem sabe – loucura de
poeta – até construir ninhos para evitar mais passarinhos perdidos e solitários
nas cidades grandes.
E criar poetas também. O mundo precisa de gente que
sonha e gosta de passarinhos...
E se é sonho, que seja o maior!
Enquanto isso, o passarinho aprendia a viver e a
gostar do que havia de melhor no mundo. Para o passarinho, agora a metrópole
começava a ficar pequena... Seguro, conhecendo tantas novidades, com novos
amigos, perninhas firmes para pular, asinhas longas para voar, o passarinho era
dono do próprio bico. Parecia sabido demais...
Um dia, desses que para todo mundo sempre é igual –
mas para o poeta é diferente –, o passarinho olhou fixo nos olhos do
amigo, deu um voo rápido em volta de sua cabeça e saiu pela janela. Aquela
mesma onde, tempos atrás, ele havia caído por um acaso do destino.
O poeta pensou (ou sonhou de novo) que o passarinho
só iria dar um passeio. E nem ficou preocupado – agora, o amiguinho já podia
voar sem perigo, já conhecia tudo sobre a vida.
Mas como a vida nunca permite que a gente descubra
tudo sobre ela –, uma espécie de proteção para continuar sendo o mais belo
mistério da humanidade – o poeta estava errado. E o passarinho também.
O passarinho nunca voltou. O poeta sempre
esperou.
Ricardo
Viveiros
Nenhum comentário:
Postar um comentário