Na primeira semana de aulas, a nossa professora anunciou que iríamos aderir a um programa especial de leitura no decorrer do ano letivo. Como a professora Mary acha que a leitura é a melhor atividade a que nos podemos dedicar, prometeu encontrar um livro adequado para cada um de nós.
A nossa escola tem de ler 1000 livros até 12 de junho.
Mr. Wiggins, o diretor, até prometeu tingir o cabelo de púrpura e dormir no telhado da escola se conseguíssemos ler esses livros todos.
Mas eu tenho um pequeno problema…
DETESTO LER.
Logo em outubro, a professora emprestou-me um livro de histórias de terror que não consegui terminar, porque não gosto desse gênero de histórias. Na verdade, do que eu gosto é de videojogos, tal como os meus três amigos, Adwin, Sam e Jamal.
O Adwin vem do Senegal. Não fala inglês muito bem, mas adora matemática. O Sam é bom em lacrosse e o Jamal gosta de desenhar. Eu gosto de extraterrestres, de carros de corrida, de anedotas, de pastilha elástica e de sair disparado de um canhão para dentro da piscina.
A professora Mary já distribuiu a lista de livros considerados adequados e a verdade é que este ano está a passar a correr. Estamos em dezembro e estão todos a ler na nossa turma. Todos, exceto eu e os meus amigos.
A Suzy tem a mochila tão carregada de livros que parece que vai cair de costas.
− O que trazes nessa mochila? – pergunto-lhe. – Rochas?
O Larry tem o hábito de ler na rua. Claro que foi logo contra um poste telefônico.
A Ellen passa por nós a correr.
− Onde é o incêndio? – pergunta-lhe o Sam.
− No livro que estou a ler! É espetacular! – responde ela.
− O mundo está a ficar louco – comenta o Jamal.
Claro que nós fomos para minha casa jogar videojogos…
De cada vez que acabamos de ler um livro, a professora Mary coloca uma fita azul na parede, com o nosso nome e o título do livro. É um facto que se veem muitas fitas…
Só a Suzy já vai em 25. O Charles tem 15. A Brenda acabou de ler cinco livros esta semana! CINCO LIVROS NUMA SÓ SEMANA! Não sei como consegue. Será que não come?
A professora Mary continua a dar-me livros. Afirma, com humor, que vai encontrar um de que eu goste nem que morra a tentar… Como não quero que ela morra, continuo a esforçar-me. Mas, quando tentei ler um depois de jogar um videojogo, adormeci.
Estamos em fevereiro e a minha professora ainda não desistiu de me encontrar “o tal”. Deu-me um sobre mundos fantásticos, mas achei os nomes confusos. Em março, emprestou-me um sobre anedotas, mas eu já as conhecia todas. Em abril, tentou um livro de poemas… Sinceramente, não sei o que lhe passou pela cabeça!
Contudo, ela não é dos que desistem com facilidade.
Em maio, tentei ler um sobre exploradores lunáticos, mas perdi o interesse pela história mesmo antes de eles partirem em viagem. Agora estamos em junho e os meus amigos estão todos a jogar videojogos em minha casa. Todos, exceto o Sam.
−A professora Mary deu-lhe um livro na sexta-feira – disse o Adwin. – Acham que ele está a ler?
− Nem sonhes! − disparei. − Está mas é a praticar algum desporto.
Telefonámos para casa dele e atendeu a mãe. Quando pedimos para falar com ele, disse:
− O Sam está ocupado agora, mas liga-vos quando acabar de ler.
Já lá vão muitos meses desde que começámos o programa de leitura e a professora Mary continua a dar-me livros para ler, sem que eu me sinta minimamente interessado.
A nossa turma já leu 275 livros e a nossa escola 869…
O Adwin, o James e eu não lemos nenhum.
Os videojogos são muito mais fixes.
Um dia, ao almoço, sentei-me com o Sam, o Adwin e o Jamal.
O Adwin não tirava os olhos do regaço.
− Aconteceu alguma coisa às tuas calças? – perguntei a rir.
− Não – respondeu ele, mostrando o livro que estava a esconder. −A professora Mary deu-me este livro. É um livro sobre um matemático e estou a gostar de o ler. Chama-se David Blackwell.
− Olha só que boas notícias, Adwin – digo. – Diverte-te com esse livro idiota que cá eu e o Jamal somos mestres em videojogos.
− Para ser franco – disse o Jamal – gostei desse livro e nem sequer sou fã de matemática. Esse Blackwell disse que gostava especialmente de imagens e que as fórmulas e os símbolos não o atraíam tanto. Achei-o bastante fixe.
Confesso que me caiu o queixo.
− Há quanto tempo andas a ler livros, Jamal? – perguntei.
− Há um tempito – respondeu. – Como não queria que te sentisses mal, não te disse nada. A professora Mary deu-me um livro sobre Van Gogh, um pintor famoso. Como sabes, gosto de pinturas fixes e o livro está cheio delas.
Para meu espanto, os meus amigos estão todos a ler!
Ainda gostam de jogar videojogos, mas fazem-no muito menos.
Às vezes, quando vêm a minha casa, trocam os livros que andam a ler entre eles. Quase nem jogam. Só falam de livros!
A 10 de junho, a nossa escola convocou uma assembleia para falarmos sobre o programa de leitura. Estamos quase a atingir a meta dos mil livros. Os professores até já compraram um saco-cama para o diretor poder dormir no telhado da escola!
A nossa escola leu 999 livros e a nossa turma 334.
Mas quantos li eu? ZERO.
No dia seguinte, a professora disse que queria falar comigo depois das aulas.
Julguei logo que ia gritar por causa de todos os livros que eu não tinha terminado.
Tentei gostar de ler livros.
A sério.
Tentei gostar de livros sobre desporto, ciência, humor, explorações, detetives e até poesia. Que mais podia fazer?
Mal entrei no gabinete, vi que a professora Mary sorria.
Foi direita ao assunto:
− Este ano descobri muitas coisas sobre ti. Descobri que não gostas de livros sobre raparigas, jogadores de basebol lendários e adivinhas matemáticas. Descobri que não és má pessoa, que não mentes e que adoras videojogos. Gostas de sapatilhas modernas, o teu número de sorte é o 15 e que o teu tio favorito está a prestar serviço militar. A tua mãe chama-se Carol e o teu pai Bob. Descobri ainda que gostas de extraterrestres, de carros de corrida, de anedotas, de pastilha elástica e de sair disparado de um canhão para dentro da piscina.
Após uma curtíssima pausa, a minha professora exclamou:
− Tenho o livro certo para ti!
Nesse dia, fui para casa e comecei a ler.
O livro mais fantástico que jamais alguém escrevera!
Metia extraterrestres, carros de corrida, anedotas, pastilha elástica e canhões. Até tinha uma piscina! Como ainda o estava a ler às dez da noite, os meus pais foram ver se eu me sentia bem…
No dia seguinte, a minha mãe escreveu um bilhete para eu entregar à professora Mary.
É um fato que não li o livro 1000, mas li o livro 1001.
Mas não faz mal, porque li o melhor livro de sempre!
A professora deu-me um abraço e os parabéns.
Quando o ano letivo acabou, fomos todos para o pátio.
Olhámos para o telhado e gritámos em coro:
− BOA NOITE, DIRETOR!
− Boa noite, meninos. E bom trabalho! – elogiou Mr. Wiggins.
Judy Finchler & Kevin O’Malley
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