A Verdade, a Mentira, o Fogo e a Água






Lenda etíope


Há muito tempo, a Verdade, a Mentira, o Fogo e a Água estavam viajando e chegaram a um rebanho de gado. Discutiram o assunto e chegaram à conclusão de que seria melhor dividir o rebanho em quatro partes iguais para que cada um pudesse levar consigo uma quantidade igual de animais. Mas a Mentira era gananciosa e arquitetou um plano para ficar com uma parte maior.

- Ouça o meu conselho - sussurrou ela, puxando a Água para um canto.

- O Fogo está planejando queimar toda a relva e as árvores das suas margens para conduzir seu gado pelas planícies e ficar com os animais para si. Se eu fosse você, acabaria com ele logo agora, e assim repartiríamos a parte dele entre nós. A Água foi tola o suficiente para acatar o conselho da Mentira e lançou-se sobre o Fogo, apagando-o. E a Mentira dirigiu-se em seguida para a Verdade, sussurrando-lhe:

- Veja só o que fez a Água! Acabou com o Fogo para ficar com o gado dele. Não deveríamos associar-nos a alguém assim. Deveríamos pegar todo o gado e partir para as montanhas. A Verdade acreditou nas palavras da Mentira e concordou com seu plano. E, juntas, levaram o gado para as montanhas.

- Esperem por mim - disse a Água, correndo no se encalço, mas é claro que não conseguiu correr morro acima. E foi deixada para trás, no vale. Ao chegarem no topo da montanha mais alta, a Mentira virou-se para a Verdade e pôs-se a rir.

- Consegui enganá-la, sua idiota! - disse ela, soltando uma risada estridente.

- Agora você vai me dar todo o gado e será minha escrava, ou eu a destruirei.

- Ora essa! Você me enganou - admitiu a Verdade.

- Mas eu jamais serei sua escrava. E as duas brigaram; e enquanto se batiam, os trovões ecoavam pelas montanhas. As duas se agrediram como o quê, mas nenhuma conseguiu destruir a outra. Acabaram decidindo chamar o Vento para decidir quem seria a vencedora da disputa. E o Vento subiu a montanha a todo velocidade, e escutou o que ambas tinham a dizer. E por fim falou:

- Não me cabe apontar a vencedora. A Verdade e a Mentira estão fadadas à disputa. Às vezes, a Verdade ganhará; outras vezes a Mentira prevalecerá; neste caso, a Verdade deverá se erguer e tornar a lutar. Até o fim do mundo, a Verdade deverá combater a Mentira e jamais buscar o descanso ou baixar a guarda; caso contrário, será aniquilada para sempre. Assim é que a Verdade e a Mentira continuam lutando até hoje.

O Livro das Virtudes - William J. Bennett - Editora Nova Fronteira

A Tesoura e a Agulha








Desde pequena, a moça se acostumara a conviver com tecidos, tesouras, agulhas e linhas de diversos padrões e cores. Sua mãe, exímia costureira, sustentava toda a família com muito trabalho e honestidade.
A moça casara com um frio empresário que gastava as energias com os negócios e dava muita importância ao que ela nem sempre julgava essencial.
Já estava acostumada a ver o marido cortar os passeios com os filhos por um almoço de negócios, já não aguentava ouvir o marido falar em cortes, mudanças precipitadas... Isso sem falar nas inúmeras vezes que foi cortada ao tentar argumentar, discutir os problemas do cotidiano...
Numa rara noite em que todos estavam em casa, a caçula começou a implicar com o irmão.
O pai, sempre ocupado, não suportava o barulho e sem querer ouvir ou entender a situação mandou as duas crianças para o quarto, sem conversa.
A mulher simplesmente pegou sua caixinha de costura com alguns retalhos e chamou o marido:
- Agora não, meu bem!
- Agora sim, querido!
O homem percebendo que não tinha escolha, sentou-se e ficou olhando os retalhos, a agulha, a tesoura, carretéis de linha sem nada compreender.
- Meu bem, para que serve a tesoura? - perguntou brandamente a mulher.
- Para cortar, aparar...
- E a agulha?
- Para costurar, ora!
- Você consegue fazer uma colcha de retalhos só cortando?
- Na verdade não faria de jeito nenhum - não sei costurar, lembra?
- Não estou brincando! Você já viu ou soube de alguma costureira que costura sem linha e agulha, só com tesoura?
- Claro que não, meu amor.
- Minha mãe me falou um dia, quando meu pai nos deixou, que nossa família era como uma colcha de retalhos. Cada um de nós era um retalho colorido. Para que nossa colcha fique sempre bonita precisamos usar a agulha e as linhas.
- E daí?
- Daí que você só sabe usar a tesoura. Corta nossos momentos de lazer, corta a minha palavra, corta o diálogo com as crianças. Você só separa, separa...
- Eu?
- Sim. Aprenda a unir nossa família. Aprenda a unir o seu trabalho à nossa família, unir os seus amigos aos meus... Qualquer dia você perceberá o quanto nos cortou de sua vida e talvez seja tarde.
O marido nada disse - sinal de que ia pensar, refletir. Mudanças demandam tempo.
- Não vou mais falar sobre isso. Só quero que você pense, tá? Estou no quarto das crianças. Vou costurá-las porque não quero dois retalhos tão importantes de minha vida separados. Boa noite!
- Boa noite.
Dali a meia hora o marido entrou no quarto em que brincavam as crianças, enquanto a mulher costurava uma bonita colcha de retalhos.
A cena enterneceu o homem e o fez juntar-se aos três. Abraçou-os e os levou para jantar.

Do livro: Histórias que Motivam
Autor: Assis Almeida
Editora: Premius Editora

A Flor e a Pedra









Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras. Quem sabe como conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza. Passou uma jovem e ficou admirada com a flor. Logo pensou em Deus. Cortou a flor e a levou para a igreja. Mas, após uma semana, a flor tinha morrido.

Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras. Quem sabe como conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza. Passou um homem, viu a flor, pensou em Deus, agradeceu e a deixou ali; não quis cortá-la para não matá-la. Mas, dias depois, veio uma tempestade e a flor morreu.

Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras. Quem sabe como conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza. Passou uma criança e achou que aquela flor era parecida com ela: bonita, mas, sozinha. Decidiu voltar todos os dias. Um dia regou, outro dia trouxe terra, outro dia podou, depois fez um canteiro, colocou adubo. Tempos depois, lá onde só havia pedras e uma flor, nasceu um jardim!...

(autor desconhecido).

O Camponês Ling e Suas Sete Máscaras






(Fábula chinesa oriunda de tradição oral - Autor anônimo)

Era uma vez um camponês que tinha medo, muito medo. Tanto medo que saía pouco. Plantava e criava animais em sua própria terra, para não precisar sair muito. Como saía pouco, cada vez foi ficando com mais medo e pensou que uma forma de esconder o medo era usar uma máscara. Fez uma, mas achou que em certas ocasiões talvez fosse melhor fazer mais uma e assim fez duas, depois três, quatro, cinco, seis e sete. E mais não fez porque não tinha como colocá-las. Aí parou de fazer máscaras, usava uma sobre a outra. Estas máscaras pesavam, incomodavam, via pouco, ouvia pouco, perdeu a noção de calor e frio, desaprendendo a viver sem máscaras. Passou a sair menos ainda porque assim não tinha que responder perguntas, nem ver gente. Plantava, colhia, cuidava dos animais. Fazia grandes provisões para sair cada vez menos.
 Um dia percebeu que não tinha mais sal, mas para não ter que sair passou sem sal, a comida perdeu o sabor e um de seus poucos prazeres terminou. Apesar disto resistiu muito, comendo a comida sem sal até resolver que precisava ir à vila mais próxima para comprar sal. Mas, fazia tanto tempo que não saía, que não lembrava mais do caminho. Só conseguia lembrar vagamente que precisava encontrar uma trilha dentro do bosque. Adiou, adiou até que resolveu enfrentar o medo e foi. Entrou no bosque e havia várias trilhas, escolheu uma, andou muito, anoiteceu e o LING percebeu que não sabia mais chegar à vila. Então teve muito medo. Teve medo do escuro, do frio, dos animais e dos salteadores. Só que não tinha escolha, pois não sabia voltar, encolheu-se e dormiu. No meio da noite foi acordado, eram os salteadores. Queriam dinheiro. Não havia dinheiro. Tinha apenas alguns ovos que usaria para trocar pelo sal. Os salteadores irritados levaram os ovos, suas roupas, sapatos, as máscaras e também lhe deram uma surra.
O camponês LING machucado e com medo encolheu-se e chorou. Depois o cansaço foi maior que o medo e LING dormiu. Foi acordado por um forte calor e viu uma claridade que não sabia o que era, nem de onde vinha. Desta vez não teve medo, sentiu-se bem, espreguiçou-se, esquentou-se e dançou. Ficou alegre e lembrou que aquele calor e aquela luz eram do sol, e ficou espantado tentando entender como havia esquecido do Sol.
LING caminhou nu e feliz, descobrindo cores, cheiros, novas trilhas e muitas coisas com novos sabores para comer nestes caminhos. Riu e pulou feliz com as descobertas e esqueceu de que havia saído para buscar o sal. Quando chegou ao fim de uma das trilhas, ficou surpreso pois havia voltado ao começo do caminho, e estava perto da casa.
LING improvisou uma canção ao ver sua casa, deu comida aos animais, cuidou de suas plantas e colheu o que havia para ser colhido. Aí lembrou-se do sal e que afinal tudo tinha acontecido por causa dele. Zangado, LING começou a esbravejar, e a querer destruir tudo a sua volta. Na sua fúria virou uma tina em que há muito tempo havia colocado água do mar e para sua surpresa esparramou-se uma grande quantidade de poeira branca. LING provou uma pitada da poeira e descobriu que no fundo da tina, na qual não mexia há anos, havia se acumulado uma grande quantidade de sal...

Os Sete Corvos








Houve uma vez um homem que tinha sete filhos e, por mais que desejasse, nem uma filha. Finalmente, certo dia, a mulher deu à luz uma menina. Foi grande a alegria de ambos, mas a menina nasceu tão franzina e tão débil que tiveram que batizá-la às pressas.
O pai mandou que um dos rapazes fosse depressa buscar água na fonte para  batizar; os outros seis foram junto e, como cada qual queria para si o privilégio de encher a bacia, esta caiu na água e desapareceu. Confusos, sem saber o que fazer e não ousando voltar para casa, ficaram lá parados. O pai, vendo que se demoravam tanto, impacientou-se:
- Aposto que aqueles marotos estão lá brincando e esqueceram-se da água!
E, com medo que a menina morresse sem batismo, gritou indignado:
- Quisera que se transformassem todos em corvos!
Mal acabou de pronunciar essas palavras, ouviu sobre a cabeça um bater de asas e viu sete corvos pretos como carvão alçarem voo e desaparecerem.
Era tarde demais para retirar a maldição pronunciada num momento de raiva. Mas, embora desolado com a perda dos sete filhos, procurava consolar-se com a menina, que se foi fortalecendo e se tornando cada dia mais bonita.
A menina ignorou, durante muito tempo, que tivera irmãos, porque os pais tinham o cuidado de não aludir a eles. Certo dia, porém, ouviu os vizinhos comentarem que ela era de fato muito linda, mas não deixava de ser a causa da desgraça de seus sete irmãos. Ouvindo isso, a menina ficou profundamente triste e perguntou aos pais se já tivera irmãos e o que era feito deles.
Os pais, então, não puderam mais ocultar a verdade e contaram-lhe tudo, dizendo que fora um decreto do Céu e que seu nascimento não fora mais que inocente pretexto.
A menina, porém, vivia amargurada com a ideia de ter sido a causa de seus males e achava que devia fazer tudo para libertar os irmãos. Não teve mais sossego e, um belo dia, saindo furtivamente de casa, foi pelo mundo afora, decidida a libertá-los, custasse o que custasse. Não levou consigo mais que um anelzinho ganho dos pais como lembrança; um pão para matar a fome, um cântaro de água para saciar a sede e uma cadeirinha para descansar quando estivesse cansada.
Andou, andou, sempre para frente, longe, longe, até o fim do mundo. Chegou onde estava o Sol, mas ele era muito quente e assustador e gostava de devorar as crianças. Então fugiu depressa e foi onde estava a Lua, mas esta era muito fria, severa e má. Vendo a menina, disse:
- Sinto cheiro, sinto cheiro de carne humana!
A menina fugiu, correndo o mais rapidamente possível e foi onde estavam as estrelas, que a receberam gentilmente e com muita bondade. Estavam todas sentadas, cada qual em seu banquinho, mas a estrela d'alva levantou-se e, dando-lhe um ossinho de galinha, disse:
- Sem este ossinho não conseguirás abrir a porta da montanha de vidro, onde se encontram teus irmãos.
A menina aceitou o ossinho, embrulhou-o bem no lenço e foi andando até chegar à montanha de vidro. Ao chegar lá, viu que o portão estava fechado, então procurou o ossinho para abri-lo mas, infelizmente, o lenço estava vazio. Tinha perdido o presente das boas estrelas.
Que fazer? Queria a todo o custo salvar os irmãos e não encontrava a chave para entrar na montanha de vidro. Então a irmãzinha bondosa pegou uma faca, cortou o dedo mindinho, introduziu-o na fechadura e, com grande facilidade, conseguiu abrir o portão. Quando entrou, veio um anão ao seu encontro e perguntou-lhe:
- Que procuras aqui, minha filha?
- Procuro meus irmãos, os sete corvos.
- Os senhores corvos não estão em casa, mas, se quiseres esperar até que voltem, entra e fica à vontade.
Depois o anãozinho serviu o jantar dos corvos em sete pratinhos e sete copinhos; a irmãzinha provou um pouco de cada pratinho e bebeu um gole de cada copinho; no último copinho, deixou cair o anel que trazia consigo.
Repentinamente, ouviu-se no ar um bater de asas e um forte barulho. O anão disse:
- Os senhores corvos estão chegando!
Chegaram, com efeito e queriam comer e beber; então cada qual procurou o seu pratinho e o seu copinho e logo exclamaram, um após o outro:
- Quem comeu do meu pratinho?
- Quem bebeu do meu copinho? Vejo que foi roçado por lábios humanos!
Quando o sétimo foi beber, ao esvaziar o copinho, caiu-lhe na boca o anel. Pegou-o e reconheceu que era um anel de seus pais. Então exclamou:
- Queira Deus que nossa irmãzinha esteja aqui! Assim seremos libertados.
Ao ouvir essas palavras, a menina, que os espreitava de trás da porta, apareceu e os corvos imediatamente recobraram o aspecto humano.
Então, abraçaram-na e beijaram-na muito contentes; depois, cheios de felicidade, regressaram todos para casa.