Antônia, que esperava a noite chegar, estava,
enfim, diante do seu surgimento. Tinha esse costume. Voltava mais cedo para
casa só para assisti-la nascer em sua janela. Em seu quarto, ela via o
espetáculo que transformava o dia mole de calor em crepúsculo fresco de brisa
agradável. Seu José passara de chapéu de palha do outro lado da rua. Vinha da
quitanda. Uma bicicleta, um casal, uma senhora com um embrulho e uma garrafa
d'água... Foi nesse clima, nessa atmosfera de paz que só certos lugares do
interior são capazes de nos dar que a noite se fez completa.
Antônia também gostava de desenhar com giz de cera
as constelações que apareciam no vidro da janela de seu quarto. Assim,
acompanhava o movimento dos astros, lentos aos olhos, mas de velocidade
inimaginável, visto que cruzam os céus. Desenhava. Com uma vela acesa,
dançante, ela derretia a ponta de um giz de cera amarelo e encostava no vidro,
no lugar em que uma estrela estava brilhando. Fazia o mesmo com o giz branco na
lua, com o giz verde para Vênus, a estrela d'alva. Ao final de cada semana
limpava o vidro e começa a desenhar tudo de novo. Às vezes, ligava com linhas
finas estrelas e planetas, criava constelações. Uma parecia um gato, outra, uma
xícara, um menino... E das imagens inventava histórias.
Naquela noite, ao ligar as estrelas viu um pássaro
feito com elas. Imaginou uma história onde o espaço sideral era uma árvore
infinita e cada planeta um fruto colorido. Ali era a luz das estrelas que
guiava todos os seres gigantes que habitavam a copa da árvore-céu. Seu pássaro,
feito de astros, voava e bicava os planetas como se fossem goiabas doces, ou
tangerinas cheias de suco. Imaginando, riu. Quis como nunca ser dona do pássaro
que imaginara. Depois que desenhou o grande pássaro, abriu a janela e foi dormir.
Sonhou.
Em seu sonho, o vidro não tinha nenhum de seus
desenhos, entretanto, no parapeito de madeira da janela havia pousado um
passarinho. Encantada com a beleza do animal, perguntou se ele bicaria nosso
mundo de fruto azul, mas antes que o pássaro pudesse responder ela acordou.
Levantou-se, esfregou os olhos e foi correndo para janela. Lá, em cima da
madeira, não havia o pássaro de seu sonho, mas havia uma semente.
Na manhã seguinte Antônia plantou a semente em seu
quintal, e a semente a ensinou, durante muitos anos, que para ser dona dos
pássaros é preciso plantar árvores. Árvores da semente da liberdade. Como as
árvores do céu.
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