A lenda do Guaraná




Roberval Cardoso

Das tribos da Munducurucânia, eram os mais prósperos — os maués. Venciam as guerras, as colheitas eram fartas, as peças abun­dantes e as doenças raras.
Todo esse bem-estar, diziam eles, decorria da presença de um certo curumim (menino) que há alguns anos nascera na tribo, e, por isso, a atenção e cuidados que lhe dispensavam eram enormes; se ia à pesca, sua igarité era acompanhada de outras, com hábeis pescadores, que o desviavam das águas infestadas de piranhas, jacarés ou puraquês; se entrava na mata, mateiros experimentados o afas­tavam das castanheiras em safra ou dos ninhos de tocandiras assa­nhadas.
Mas, um dia, a vigilância foi burlada... Jurupaí, o gênio do mal, disfarçado em cascavel, feriu o curumim, num bote certeiro.
A tribo entrou em grandes lamentações e durante horas seguidas as preces e os gritos de desespero se espalharam pelas florestas e águas negras do Maué-açu.
Tupã atendeu as lamentações e uma voz, que não se sabe de onde veio, determinou:
— Tirem os olhos da criança, plantem na "terra firme", reguem com lágrimas e deles nascerá a "planta da vida", aquela que fortale­cerá os jovens e revigorará os velhos...
Os pajés arrancaram e plantaram os olhos do curumim morto. Durante quatro luas, os guardas da preciosa sementeira velaram e re­garam a terra com lágrimas.
Uma nova planta surgiu, travessa como os curumins, procuran­do subir às árvores próximas, de hastes escuras e sulcadas como os músculos dos guerreiros. E quando frutificou, seus frutos de negro azeviche, envoltos no arilo branco e embutido em duas cápsulas vermelho-vivas, eram sem dúvida a multiplicação milagrosa dos olhos do príncipe maué.
E ela realmente trouxe o progresso da tribo, pelo abundante comércio de seus grãos, e os sábios confirmaram a lenda — fortalece, os fracos, conserva os jovens, rejuvenesce os velhos.

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