Dizem que a Morte sempre foi
cheia de truques. Uma vez, por exemplo, apareceu de manhã cedo diante de um
jovem bonito, risonho e cheio de saúde que trabalhava na terra. Assustado, o
rapaz agarrou a enxada e ameaçou:
— Se veio pra me levar vai
ter que lutar comigo. Sou moço e ainda pretendo viver bastante! Mas a Morte foi
esperta.
— Que é isso, rapaz! Que
bobagem! — respondeu ela, com voz jeitosa.
— Não é nada disso. Largue
essa enxada! Vim aqui para lhe dar um prêmio!
— Prêmio? — quis saber o
outro, desconfiado. A Morte falava macio. Anunciou que aquele era um dia de
sorte para o rapaz. Que se ele largasse o trabalho e saísse correndo pelos
campos, toda a extensão de terra que conseguisse percorrer seria sua. O moço
era forte. Imaginou que poderia correr muito e ganhar um monte de terra.
"Vou ficar rico!", pensou ele. — Eu topo!
E lá se foi o jovem, a toda
velocidade, atravessando planícies, subindo e descendo montanhas, saltando
barrancos e rios, enfrentando florestas, correndo, correndo e correndo sem
parar. Corria e pensava:
"Tudo isso vai ser meu! Tudo
isso vai ser meu!". Antes do fim do dia, seu corpo, enfraquecido pelo
cansaço, infelizmente não aguentou. O jovem sentiu-se mal, tropeçou numa pedra,
rolou por um barranco e morreu. A Morte então, dizem, surgiu no espaço, abriu
uma cova no chão e enterrou o rapaz.
— Toma! — rosnou ela,
segurando a pá.
— Essa é toda a terra que você
precisava para viver! E assim foi. Com essa mesma conversa mole, a Morte
apareceu, um dia, na casa de um ferreiro. O homem era jovem e vivia trabalhando
o dia inteiro diante de um forno. Mesmo assim não tinha um tostão. É que aquele
moço tinha bom coração e estava sempre repartindo suas coisas com as pessoas
que precisavam. Quando escutou a proposta da Morte, o ferreiro deu risada:
— O que vou fazer com tanta terra?
A Morte fingiu espanto: — Você é
moço. Vai me dizer que não quer ficar rico e poderoso?
O jovem pegou um pedaço de ferro
em brasa e atirou na cara da Morte.
— Cai fora, desgraçada! Vai
embora daqui! Me deixa trabalhar e viver minha vida em paz!
A Morte afastou-se resmungando
baixinho:
— Vai esperando que eu ainda
pego você. O ferreiro escutou bem aquelas palavras mas não ligou. Certa tarde,
voltando para casa, encontrou uma velhinha na beira da estrada, sentada num
barranco.
— Por favor, moço — disse
ela ofegante.
— Há três dias que eu não
como nada.
Me arranje um pouco de
comida que eu não aguento mais de tanta fome.
Na sacola, o ferreiro só
tinha um pedaço de pão velho e um pouco de carne. Estava levando para casa para
repartir com sua mulher. Na verdade, era a única coisa que tinham para comer.
Examinou a velha. Ficou com pena. Ele e a esposa eram jovens e podiam ficar uma
noite sem comer. Aquela mulher, ao contrário, se não comesse alguma coisa,
corria risco de morrer. Pensando assim, abriu a sacola, e deu pão e carne para
a velha. Depois de saciar a fome, a mulher agradeceu muito. E deixou o ferreiro
surpreso. Disse que sabia da vida dele. Sabia do encontro com a Morte. Sabia
que ele tinha bom coração. Os olhos da velha brilharam. Contou que tinha
poderes mágicos.
— Faça três pedidos — disse
ela —, que eles serão atendidos. O ferreiro pensou bastante. Depois pediu três
coisas. Ferro e carvão para poder trabalhar sossegado pelo resto da vida; uma
mesa mágica que sempre tivesse comida em cima; e uma viola que, quando ele
tocasse, fizesse as pessoas saírem dançando sem conseguir parar.
— Você merece tudo isso —
exclamou a velha antes de desaparecer no mundo. A partir daquele dia, a vida do
ferreiro mudou completamente. Passou a ter trabalho garantido e muita comida em
casa. Mas o tempo, quando vai se ver, já passou. O jovem ferreiro virou um
homem velho.
Um dia, bateram na porta de sua
casa. Era a Morte.
— Lembra de mim? — perguntou a
danada sorrindo.
— Dessa vez não tem saída. Vim
buscar você. O homem convidou a Morte para entrar. Quando viu aquela figura na
sala e soube da má notícia, a esposa do ferreiro começou a chorar.
— Não leve meu marido! —
implorou ela.
— A hora dele chegou — explicou a
Morte. — Não posso fazer nada.
O ferreiro pediu para a mulher
sair da sala. Chamou a Morte de lado. Confessou que tinha um último pedido. Era
importante. Antes de morrer, queria tocar um pouco de viola. — Tudo bem — disse
a Morte —, mas seja rápido, pois tenho outras pessoas para levar. O velho
ferreiro tirou a viola do armário, sentou-se numa cadeira confortável e começou
a tocar. Ao escutar aquela música mágica, a Morte estremeceu e saiu pela sala
pulando, dançando e sapateando.
— Pare com isso! — gritou ela,
assustada.
— Paro coisa nenhuma! — respondeu
o homem rindo e tocando. E seus dedos voavam fazendo vibrar as cordas da viola.
A Morte, enquanto isso, rebolava,
gingava e requebrava descontrolada, sem conseguir parar. — Pare de tocar essa
maldita viola! — berrava ela.
— Só paro se você me der
mais três anos de vida. Tenho muitas coisas que ainda quero fazer. — É muito —
respondeu a Morte pererecando suada e desajeitada pela sala. — Você está velho
demais.
— Então me dê dois anos.
Tenho lugares para conhecer e amigos para fazer.
— Não posso — gritou a Morte já
sem fôlego. — Preciso cumprir minha missão. Além disso, você já viveu muito.
O velho ferreiro aumentou o ritmo.
— Ou me dá dois anos ou vou ficar
aqui tocando pelo resto da vida e você aí dançando e saracoteando.
A Morte não queria fazer acordo. O
homem insistiu. A negociação acabou durando a noite inteira. No começo da
madrugada, os dois fizeram um pacto. A Morte ficou de voltar dali a um ano. E
assim foi. Durante aquele último ano de vida, o velho ferreiro fez um pouco de
tudo. Viajou pelo mundo. Conheceu gente. Aprofundou amizades. Procurou suas
pessoas queridas e disse que gostava muito delas. Infelizmente o tempo é uma
roda que gira sem breque nem eixo.
O ano passou. Certa tarde, bateram
na porta. A mulher do ferreiro foi ver. Era a Morte, outra vez.
— Vim buscar seu marido — disse a
terrível com a foice na mão. Acontece que, por sorte, o ferreiro não estava em
casa. A Morte fez cara feia.
— Avise a ele que daqui a uma
semana eu volto sem falta! Quando o ferreiro chegou em casa, sua mulher estava
apavorada. Contou o que havia acontecido.
— Tenho uma ideia — disse ele. —
Quando a Morte vier, semana que vem, diga de novo que eu não estou. Vamos ver o
que acontece. Na semana seguinte, quando a Morte bateu na porta e soube que o
ferreiro não estava, ficou muito aborrecida.
— Mas nós fizemos um trato! —
disse ela. — Tenho que fazer meu trabalho! Assim não é possível! Estava tudo
combinado! A Morte, então, mandou um recado ameaçador. Voltaria na semana
seguinte. Garantiu que seria a última vez. Levaria o ferreiro na marra, por bem
ou por mal. Quando a Morte foi embora, o ferreiro e a mulher conversaram e
bolaram um plano. O ferreiro pintou os cabelos de preto, colocou barba postiça
e ainda uns óculos de lentes grossas. A noite estava escura quando, uma semana
depois, a Morte apareceu. A mulher do ferreiro abriu a porta e fez o que havia
combinado com o marido.
— Infelizmente ele teve que sair —
explicou ela, sem jeito.
— Era um caso urgente. A
Morte ficou furiosa: — Seu marido é um mentiroso! Está tentando me enganar! —
Talvez o jeito seja sair por aí à procura dele — sugeriu a mulher.
— Mas nós fizemos um trato!
— Não posso fazer nada. Saia por
aí — aconselhou a esposa do ferreiro.
— Quem sabe não encontra meu
marido em alguma estrada do mundo? — Nada disso — respondeu a Morte.
— Estou com muita pressa.
Vejo que você tem uma visita — disse ela, examinando o homem de barba e óculos
de lentes grossas.
— Sim — mentiu a mulher —, é meu
tio. Irmão da minha mãe. Está aqui de passagem. Veio me fazer uma visita.
— Hoje tenho que cumprir minha
missão de qualquer jeito. Já que seu marido não está, vou levar o seu tio
mesmo. E assim, dizem, o velho ferreiro teve seu último dia na vida.
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