Um dia o rei ficou surdo. Não como uma porta, mas como uma janela de
dois batentes. Ouvia tudo do lado esquerdo. Do lado direito, não
ouvia nada. A situação era incômoda, Só atendia aos ministros que sentavam
de um lado do trono. Aos outros, nem respondia. E até mesmo de manhã, se o galo
cantasse do lado errado, Sua Majestade não acordava e passava o dia inteiro
dormindo.
Foi quando mandou chamar o gnomo da floresta. E o gnomo, obediente,
apareceu na corte. Veio voando, com suas asinhas. Tão pequeno que, embora todos
avisados de sua chegada, quase o confundiram com um inseto qualquer.
Chegou e logo se entendeu com o rei, estabelecendo um
trato. Ficaria morando no ouvido direito e repetiria para dentro – e
bem alto – tudo o que ouvisse lá de fora. Tendo asas, e desejando, poderia
aproveitar seu parentesco com as abelhas para fabricar no ouvido real alguma
cera e um pouco de mel. O trato funcionou às mil maravilhas. Tudo o que o
gnomo ouvia, repetia em voz bem alta nas cavernas da orelha, e o eco e a voz do
gnomo chegavam até o rei, que passou a entender como antigamente, de lado a
lado.
Correu o tempo. Rei e gnomo, assim tão vizinhos, foram ficando cada dia
mais íntimos. Um já sabia tudo do outro e era com prazer que o gnomo gritava e
era com prazer que o rei ouvia o zumbidinho das asas atarefadas no fabrico da
cera e do mel. Uma certa doçura começou a espalhar-se do ouvido real para a
cabeça e o rei foi ficando, aos poucos, mais bondoso.
Foi essa a causa da primeira mentira.
O Primeiro Ministro deu uma má notícia no ouvido esquerdo e o gnomo, não
querendo entristecer o rei, transmitiu uma boa notícia no ouvido direito.
Foi essa a primeira vez que o rei ouviu duas notícias ao mesmo tempo.
Foi essa a primeira vez que o rei escolheu a notícia melhor ...
Houve outras depois.
Sempre que alguma coisa ruim era dita ao rei, o gnomo a transformava em
alguma coisa boa. E sempre que o rei ouvia duas notícias, escolhia a melhor
delas.
Aos poucos, o rei foi deixando de prestar atenção naquilo que lhe
chegava do lado esquerdo, E até mesmo de manhã, se o galo cantasse desse lado e
o gnomo não repetisse o canto do galo, Sua Majestade esquecia-se de ouvir e
continuava dormindo tranquilo até ser despertado pelo chamado do amigo.
De um lado o mel escorria. Do outro, chegavam as preocupações, as
tristezas, e todos os ventos maus pareciam soprar à esquerda de sua cabeça.
Mas o rei tinha provado o mel e a doçura era agora mais importante do
que qualquer notícia. Entregou o trono e a coroa para o Primeiro Ministro.
Depois chamou o gnomo para junto da boca e murmurou-lhe baixinho a ordem.
Obediente, o gnomo voou para o lado esquerdo e, aproveitando seu
parentesco com as abelhas, fabricou algum mel e abundante cera, com a qual
tapou para sempre o ouvido do rei.
Marina Colasanti
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