Quando
criança, eu achava que no relógio de parede do sobrado de uma de minhas avós,
aquele que soava horas, meias horas, e quartos de hora que me assustavam nas
madrugadas insones em que eu eventualmente dormia lá, morava uma feiticeira que
tricotava freneticamente, com agulhas de metal, tique-taque, tique-taque,
tecendo em longas mantas o tempo da nossa vida.
Nessas
reflexões, e observações, mais uma vez constatei o que todo mundo sabe: vivemos
a idolatria da juventude — e do poder, do dinheiro, da beleza física e do
prazer.
Muitos
gostariam de ficar para sempre embalsamados em seus 20 ou 30 anos. Ou ter aos
60, “alma jovem”, o que acho muito discutível, pois deve ser bem melhor ter na
maturidade ou na velhice uma alma adequada, o que não significa mofada e
áspera.
Por
que a juventude seria a melhor fase da vida, como se jovem não tivesse
problemas e sofrimentos, doenças e perdas, e não lutasse contra enormes
pressões da família, da turma, da sociedade, para ser e agir dessa ou daquela
forma? O número de adolescentes que se suicidam ou tentam se matar é muito
maior do que imaginamos.
Lembro
que há muitos anos um adolescente conhecido se matou. Naquela ocasião, um
menino de sua turma me disse em voz baixa, olho arregalado: “Ontem ainda a
gente jogou bola junto na escola, e ele não disse nada, a gente não notou nada.
Será que eu devia ter percebido, perguntado? Quem sabe podia ter ajudado?”
(Havia medo e aflição em seu olhar).
Tentei
explicar que não cabia ninguém mais nesse buraco negro da alma do amigo morto,
embora na nossa ilusão uma palavra boa, um colo, um abraço, um pequeno
adiamento, teriam podido ajudar. Quem se mata espalha ao seu redor uma zona de
culpa insensata: esse fica sendo seu triste legado, talvez sua cruel vingança
inconsciente.
Não
notamos, não impedimos, nada fizemos, não porque não o amássemos, não nos importássemos,
mas porque a gente é assim. Ou porque nada havia a ser feito, ser dito, apenas
ser aceito com um rio de dúvidas e culpas pelo resto dos dias. A juventude para
ele, como para tantos, não foi a melhor fase da vida: foi o fim dela,
desesperado e triste.
Por
outro lado, maturidade pode ter uma energia muito boa, pensamento e capacidade
de trabalho estão no auge, os afetos mais sólidos e mais profundos, a
capacidade de enfrentar problemas e compadecer-se dos outros mais refinada.
Aliás, amadurecer devia ser refinar-se.
Passada
(ou abrandada) a insegurança juvenil, é possível desafiar conceitos que
imperam, desatar alguns fios que nos enredam, limpar o pó desse uniforme de
prisioneiros, deixar de lado as falas decoradas, a tirania do que temos de ser
ou fazer. Pronunciar a nossa própria alforria: vai ser livre, vai ser você
mesmo, vai tentar ser feliz — seja lá o que isso for.
Então
podemos murmurar, gritar, cantar. Podemos até dançar. Não há marcações nem
roteiro, mas a inquietante possibilidade de optar: cada minuto vale, o tempo
que flui mostra o valor máximo das coisas mínimas — se eu parar para observar.
Portas
continuam se abrindo: não apenas sobre salas de papelão pintado, mas sobre
caminhos reais. Correndo pela floresta das fatalidades, encontramos clareiras
de construir. De se renovar, não importa a cifra indicando a nossa idade.
Descobrir o que afinal se quer é essencial. É raro. É possível.
E
quando alguém resolver não pagar mais o altíssimo tributo da acomodação, mas
dar sentido à sua vida, verá que a bruxa dos relógios não é inteiramente má. E
vai entender que o tempo não só nega e rouba com uma das mãos, mas, com a
outra, oferece — até mesmo a possibilidade de, ao envelhecer, alargar ainda
mais as varandas da alma.
Lya
Luft
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