Esta outra história é de dois
namorados, ele chamado Haroldo e ela, por coincidência, Marta. Os dois brigaram
feio, e Marta escreveu uma carta para Haroldo, rompendo definitivamente o
namoro e ainda dizendo uma verdade que ele precisava ouvir. Ou, no caso, ler.
Mas Marta se arrependeu do que tinha escrito e no dia seguinte fez plantão na
calçada em frente do edifício de Haroldo, esperando o carteiro. Precisava
interceptar a carta de qualquer jeito. Quando o carteiro apareceu, Marta fingiu
que estava chegando ao edifício e perguntou:
- Alguma coisa para o 702? Eu levo.
Mas não tinha nada para o 702.
No dia seguinte tinha, mas não a
carta de Marta.
No terceiro dia, o carteiro
desconfiou, hesitou em entregar a correspondência a Marta, que foi obrigada a
fazer uma encenação dramática. Não era do 702. Era a autora de uma carta para o
702. E queria a carta de volta. Precisava daquela carta. Era importantíssimo
ter aquela carta. Não podia dizer por quê. Afinal, a carta era dela mesma,
devia ter o direito de recuperá-la quando quisesse!
O carteiro disse que o que ela estava
querendo fazer era crime federal, mas mesmo assim olhou os envelopes do 702
para ver se entre eles estava a carta. Não estava.
No dia seguinte – quando Marta ficou
sabendo que o carteiro se chamava Jessé e, apesar de tão jovem, já era viúvo,
além de colorado – também não.
No outro dia também não, e o carteiro
convidou Marta para, quem sabe, um chope.
Na manhã depois do chope, a carta
ainda não tinha chegado e Marta e Jessé combinaram ir ver Titanic juntos.
No dia seguinte – nem sinal da carta
– Jessé perguntou se Marta não queria conhecer sua casa. Era uma casa pobre,
morava com a mãe, mas, se ela não se importasse... Marta disse que ia pensar.
No dia seguinte,
chegou a carta. Jessé deu a carta a Marta. Ela ficou olhando o envelope por um
longo minuto. Depois a devolveu ao carteiro e disse:
- Entrega.
E, diante do espanto de Jessé,
explicou que só queria ver se tinha posto o endereço certo.
Luís Fernando Veríssimo
(Para uma pessoa)
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