Pois é, todo mundo
pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas é erro. Antes os
índios olhavam de noite para o céu escuro — e bem escuro estava esse céu. Um
negror. Vou contar a história singela do nascimento das estrelas.
Era uma vez, no mês de
janeiro, muitos índios. E ativos: caçavam, pescavam, guerreavam. Mas nas tabas
não faziam coisa alguma: deitavam-se nas redes e dormiam roncando. E a comida?
Só as mulheres cuidavam do preparo dela para terem todos o que comer.
Uma vez elas notaram
que faltava milho no cesto para moer. Que fizeram as valentes mulheres? O seguinte:
sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso sol amarelo. As árvores
rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água fresca.
Quando saíam de
debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino das águas dos riachos
buliçosos. Mas sempre procurando milho porque a fome era daquelas que as faziam
comer folhas de árvores. Mas só encontravam espigazinhas murchas e sem graça.
— Vamos voltar e
trazer conosco uns curumins.
(Assim chamavam os
índios as crianças.) Curumim dá sorte.
E deu mesmo. Os
garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em frente e numa clareira
da floresta — eis um milharal viçoso crescendo alto. As índias maravilhadas
disseram: toca a colher tanta espiga. Mas os gatinhos também colheram muitas e fugiram
das mães voltando à taba e pedindo à avó que lhes fizesse um bolo de milho. A
avó assim fez e os curumins se encheram de bolo que logo se acabou. Só então
tiveram medo das mães que reclamariam por eles comerem tanto. Podiam esconder
numa caverna a avó e o papagaio porque os dois contariam tudo. Mas
— e se as mães dessem
falta da avó e do papagaio tagarela? Aí então chamaram os colibris para que amarrassem
um cipó no topo do céu.
Quando as índias voltaram
ficaram assustadas vendo os filhos subindo pelo ar. Resolveram, essas mães
nervosas, subir atrás dos meninos e cortar o cipó embaixo deles.
Aconteceu uma coisa
que só acontece quando a gente acredita: as mães caíram no chão, transformando-se
em onças.
Quanto aos curumins, como
já não podiam voltar para a terra, ficaram no céu até hoje, transformados em
gordas estrelas brilhantes.
Mas, quanto a mim,
tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os
olhos de
Deus vigiando para que
corra tudo bem. Para sempre.
E, como se sabe, “sempre”
não acaba nunca.
Clarice Lispector
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