Era um rei muito
poderoso. Certa manhã, ao acordar, reparou que tudo estava escuro. Tateando,
cruzou o quarto e abriu a janela. Para sua surpresa, o céu estava negro, o chão
estava negro, as árvores estavam negras e o mar estava negro.
Soltando um grito de
dor, o rei compreendeu que tinha ficado cego.
Muitos médicos e
feiticeiros foram chamados mas nenhum conseguiu trazer a luz de volta aos olhos
do rei.
Um dia, um vulto
encapuzado e curvo, coberto de panos, apareceu no palácio. Disse que no país do
Quem-vai-lá-não-volta morava um gigante e que o tal gigante tinha uma fonte.
Segundo o vulto, as águas dessa fonte podiam curar os olhos do rei. Bastava
alguém ir até lá com uma garrafa buscar um pouco da água milagrosa.
O vulto disse isso e
desapareceu no ar feito fumaça.
O soberano tinha três
filhos.
Ao ouvir a notícia
sobre a fonte do país do Quem-vai-lá-não–volta, o rei foi conversar com o filho
mais velho, que exclamou:
– É muito simples!
Basta mandar um soldado pegar a tal água!
Mas o filho mais novo
não concordou:
– E se o soldado disser
que foi mas não foi? Acho que um de nós deve ir.
Ficou acertado que iria
o príncipe mais velho.
O rapaz pegou seu
cavalo negro e partiu. Andou dias e noites e, ao chegar a um certo país
distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.
O filho mais velho do
rei cego perguntou o que era aquilo.
Responderam que naquele
lugar quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser enterrado. Ficava no
chão para ser devorado pelos animais.
O moço sacudiu os
ombros e seguiu em frente.
Depois de muito andar,
chegou ao país de Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Entrou, bebeu,
comeu e foi atendido por uma moça muito linda. Acabou se esquecendo do gigante,
da fonte, da garrafa e dos olhos do pai.
Foi ficando por lá
mesmo.
O tempo passou.
Acreditando que seu
filho tinha sido morto pelo gigante, o rei cego pediu ajuda a seu filho do
meio.
O rapaz pegou seu
cavalo cinza e partiu. Andou dias e noites e, chegando a um certo país
distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.
O filho do meio do rei
perguntou o que era aquilo.
Responderam que naquele
lugar quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser enterrado. Ficava no
chão para ser devorado pelos animais.
O moço sacudiu os
ombros e seguiu em frente.
Depois de muito andar,
chegou ao país do Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Ficou feliz ao
reencontrar seu irmão mais velho. Entrou, bebeu, comeu e foi atendido por uma
moça ainda mais linda. Acabou se esquecendo do gigante, da fonte, da garrafa e
dos olhos cegos do pai. Foi ficando por lá mesmo.
O tempo passou.
Acreditando que seu
filho do meio também tinha sido morto pelo gigante, o rei cego pediu ajuda a
seu filho caçula.
O rapaz pegou seu
cavalo branco e partiu. Andou dias e noites e, chegando a um certo país
distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.
O filho caçula do rei
perguntou o que era aquilo.
Recebeu a mesma
resposta: naquele reino quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser
enterrado. Ficava no chão para ser devorado pelos animais.
O moço não gostou do
que ouviu. Pagou as dívidas, mandou enterrar o defunto e seguiu viagem.
Depois de muito andar,
chegou ao país do Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Ficou surpreso
ao reencontrar seus irmãos.
– E o gigante? E a
garrafa? O que aconteceu? – perguntou o moço.
Os outros riram sem
jeito:
– Tudo aqui é tão
gostoso!
E pediram ao irmão
caçula que descesse do cavalo para descansar um pouco.
O rapaz entrou, bebeu,
comeu e foi atendido por uma moça muito, muito linda.
Quando acabou de comer,
disse que precisava encontrar o gigante e a garrafa com o líquido que podia
curar os olhos cegos do pai. Levantou da mesa, pegou seu cavalo e foi embora.
Viajou pelo país do
Quem-vai-lá-não-volta até encontrar o castelo do gigante.
Bateu na porta. O
próprio gigante veio atender.
O príncipe explicou o
caso. Contou dos olhos cegos do pai. Disse que precisava levar uma garrafa com
água da fonte.
O gigante disse que
daria a água mas com uma condição. Só se o rapaz fosse até o palácio de vidro
que ficava no alto de uma montanha pegar uma espada de ouro.
– Se conseguir trazer a
espada, eu deixo você levar a garrafa cheia de água – prometeu o gigante.
O rapaz montou no
cavalo e partiu.
Infelizmente, no meio
do caminho esbarrou num rio imenso com correntezas violentas e ondas de mais de
vinte metros.
Era impossível
atravessar. O rapaz ficou sem saber o que fazer.
Foi quando apareceu um
vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto disse:
– Não tenha medo. Pegue
seu cavalo, feche os olhos e atravesse o rio, pois nada vai acontecer.
E disse ainda que, quando
o rapaz chegasse ao palácio, de vidro, ia encontrar dois exércitos guerreando.
Haveria mortes, gritos, sangue, espadas, lanças e flechas para todos os lados.
– Não se preocupe com
nada – disse o encapuzado.
– Passe no meio da
batalha como se nada estivesse acontecendo, entre no palácio, pegue a espada de
ouro e vá embora. E não se esqueça de trazer a bainha.
O vulto disse isso e
desapareceu no ar feito fumaça.
O rapaz não tinha
escolha.
Fechou os olhos, saiu
galopando e saltou dentro do rio.
Nada de mau aconteceu.
Chegando ao palácio de vidro, meteu-se no meio da batalha e passou sem ser
ferido. Entrou no palácio, pegou a espada e bainha e saiu. Não encontrou mais
nem batalha, nem rio. Tudo havia desaparecido.
O moço correu para o
castelo do gigante, que ficou muito contente com a espada, mas disse:
– Só deixo pegar a água
da fonte se você for ao palácio de cristal e trouxer o cavalo prateado.
O príncipe não teve
outro jeito e concordou.
No meio do caminho,
encontrou novamente o vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto
disse:
– O gigante quer acabar
com você, mas não vai conseguir. Preste bem atenção.
Havia um novo e
perigoso rio. Suas águas eram cheias de monstros. O vulto mandou o rapaz
atravessar o rio, sempre de olhos fechados. Disse que, quando chegasse do outro
lado, ia encontrar mais de duzentos cavalos lutando, dando coices e patadas uns
nos outros.
– Não tema. Meta-se no
meio deles até encontrar o cavalo prateado. É o mais bonito, o mais bravo, o
mais louco, o que dá mais coices. Vá até ele, passe uma corda em seu pescoço e
venha embora.
O vulto disse isso e
desapareceu sem mais nem menos.
O rapaz não tinha
escolha.
Fechou os olhos, saiu
galopando e saltou no rio dos monstros. Nada de mau lhe aconteceu. Chegando ao
palácio de cristal, meteu-se no meio da luta entre os cavalos e não levou nem
um coice. No meio da confusão, encontrou o cavalo prateado. Era uma fera,
empinando, mordendo e dando patadas. O filho mais novo do rei jogou uma corda
no pescoço do bicho e veio embora. Na volta, não encontrou mais nenhum cavalo
lutando, nem rio cheio de monstros, nem nada. Tudo havia desaparecido.
O moço correu para o
castelo do gigante, que ficou muito contente ao ver o cavalo prateado mas
disse:
– Só deixo levar a água
da fonte se você for ao palácio de diamante e trouxer minha filha que vive lá
presa.
O príncipe não teve
outro jeito e concordou.
Quase no fim do
caminho, encontrou novamente o vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O
vulto avisou:
– Não se preocupe. Essa
vai ser sua última viagem a mando do gigante. Não tenha medo de nada. Vai
encontrar um rio de fogo. Salte dentro das chamas e vá em frente. Ao chegar ao
palácio de diamante, você vai enxergar vários leões tomando conta. Se estiverem
de olhos fechados é sinal de que estão acordados. Se estiverem de olhos
abertos, é porque estão dormindo.
E o vulto acrescentou
que o rapaz só deveria entrar no palácio quando os leões estivessem de olhos
abertos. Disse também que a filha do gigante estava no palácio sentada num
trono com doze cobras venenosas em volta. Mandou ter coragem, andar com cuidado
para não pisar nos rabos das serpentes, pegar a moça no colo e fugir.
Aconselhou ainda:
– Quando estiver
voltando para casa, não pare de jeito nenhum, na estalagem onde estão
hospedados seus irmãos!
Dizendo isso, sumiu.
O rapaz atravessou o
rio de fogo, fez tudo o que o vulto recomendou e trouxe a moça de volta.
Foi correndo para o
castelo do gigante, que ficou muito contente ao ver a filha e disse:
– Agora você pode
escolher: ou fica com minha filha, com o cavalo prateado e com a espada de ouro
ou leva a garrafa cheia de água.
O rapaz vacilou.
A filha do gigante era
a moça mais linda e perfumosa que ele já tinha visto na vida.
O rapaz abaixou a
cabeça. Disse que levava a garrafa.
Depois, já com a água,
montou o seu cavalo branco e partiu.
No meio do caminho,
escutou um galope. Olhou para trás.
Era a moça, a filha do
gigante. A moça chegou toda risonha cavalgando o cavalo de prata com a espada
de ouro na mão:
– Eu estava encantada
pelo gigante e agora sou livre, graças a você. Quis ficar com a garrafa mas
agora, além dela, tem também a espada de ouro, o cavalo prateado e a mim, se
quiser.
O rapaz abraçou a moça
cheio de felicidade.
No fim do dia, os dois
chegaram a uma estalagem. Era o lugar onde estavam hospedados os dois irmãos do
moço.
Ao reencontrar seus
irmãos, o príncipe ficou tão feliz que se esqueceu das palavras do vulto:
– Queridos irmãos –
disse ele -, consegui arrancar do gigante a garrafa com a água que vai curar
nosso pai.
Arrumem suas coisas.
Amanhã cedo vamos todos juntos de volta para casa.
Os irmãos mais velhos
vibraram de alegria. Por fora. Por dentro, ficaram mordidos da mais negra e
suja inveja.
No dia seguinte, o
grupo partiu.
Andaram, andaram e
andaram. Numa tarde, o calor estava abrasador e os viajantes sem uma gota
d’água. Quando finalmente encontraram um poço, descobriram que não tinham como
tirar a água.
– A gente amarra você
numa corda, você vai até o fundo e pega a água com o chapéu – disse o irmão
mais velho ao irmão caçula.
O moço foi. Quando
estava lá embaixo, os dois irmãos cortaram a corda, agarraram a garrafa com o
remédio, a filha do gigante, o cavalo de prata, a espada de ouro e foram
embora.
Diante daquela traição,
a pobre moça se desesperou, deu um grito e ficou muda.
O irmão mais velho e o
irmão do meio chegaram de volta ao palácio de seu pai e foram recebidos como
heróis.
Mentiram. Disseram que
tinham arriscado a vida para conseguir o remédio. Disseram que o irmão mais
novo tinha morrido durante o combate.
A moça muda chorava sem
conseguir dizer nada.
Na hora de mostrar o
cavalo prateado, o bicho empinou, deu coices e patadas para todos os lados e
desembestou fugindo para um morro perto dali.
Na hora de mostrar a
espada de ouro, ninguém teve força para arrancá-la da bainha.
Na hora de abrir a
garrafa com a água que traria a luz para os olhos do rei, ninguém conseguiu,
nem com martelo nem com alicate.
A decepção foi geral.
Abatido, o rei voltou para seu quarto escuro. De que adiantava um santo remédio
que ninguém podia tomar?
Enquanto isso, o filho
mais moço do rei continuava preso no poço chorando e gritando por socorro. Um
dia, escutou uma voz. Era, de novo, o vulto encapuzado e curvo, coberto de
panos. O vulto disse:
– Bem que eu avisei.
Não devia ter voltado à estalagem onde estavam seus irmãos. Agora, pegue essa
corda e segure firme.
E assim, graças ao
vulto, o rapaz conseguiu sair do poço.
Foi então. O vulto
arrancou os panos que cobriam seu corpo. Era um esqueleto. O filho caçula do
rei cego levou um susto.
– Não tenha medo –
disse o esqueleto. – Graças a você minhas dívidas foram pagas e eu pude ser
enterrado.
Se quiser, posso
levá-lo agora, neste instante, até o reino de seu pai.
– Mas o reino fica
muito longe daqui! – exclamou o jovem.
– Confie em mim. Basta
você se agarrar nas minhas costas.
Desconfiado, o príncipe
caçula examinou o esqueleto. Perguntou:
– Você é o morto ou é a
morte?
– Eu sou o morto
agradecido! – revelou o esqueleto com seu sorriso cheio de ossos.
O rapaz respirou fundo,
agarrou firme nas costas do esqueleto e fechou os olhos.
O esqueleto levantou voo mergulhando num espaço incompreensível.
A viagem durou pouco
tempo. Logo, os dois já estavam aterrissando nas terras distantes do rei cego.
O moço agradeceu,
despediu-se do esqueleto e saiu andando.
Estava magro, barbudo e
esfarrapado, por isso ninguém o reconheceu.
Chegando ao castelo,
avistou o cavalo prateado passeando ali perto, solto, no alto do morro.
Perguntou que cavalo era aquele.
– Nesse ninguém monta –
disseram as pessoas.
A figura magra e
barbuda pulou a cerca, foi até o morro, chamou o cavalo e montou.
A notícia logo chegou
aos ouvidos do rei.
– Se o barbudo montou
no cavalo, talvez seja capaz de tirar a espada de ouro da bainha – disseram
todos.
O desconhecido
esfarrapado foi convidado a visitar o palácio.
Trouxeram a espada de
ouro.
A figura magra e
barbuda tirou a espada da bainha com a maior facilidade.
O espanto era geral.
– Se o barbudo montou
no cavalo e desembainhou a espada de ouro, talvez seja capaz de abrir a garrafa
com o remédio do rei – disseram todos.
Trouxeram o vidro mas o
desconhecido disse:
– Só abro o remédio no
quarto do rei.
A figura magra e
barbuda foi levada até lá. O rei estava deitado na cama. O esfarrapado então
tirou a tampa da garrafa e, com cuidado, passou o líquido nos olhos do rei.
Foi um milagre.
Os olhos do rei se
abriram e brilharam. Em seguida, o velho examinou a figura magra e barbuda e,
espantado, gritou:
– Filho!
Nesse instante, a moça
muda apareceu no quarto acompanhando a rainha.
Ao ver o esfarrapado,
simplesmente voltou a falar:
– Ele voltou!
Então a moça contou
tudo o que havia acontecido. Falou do país do Quem-vai-lá-não-volta, do gigante
e tudo o mais.
No fim, os irmãos
traidores foram trancados na prisão.
O príncipe caçula casou
com a moça.
O rei, que agora tudo
via, mandou realizar a maior festa que jamais se viu até os dias de hoje.
Eu também estive lá
E trouxe até um docinho
Mas confesso minha gente
Comi tudo no caminho!
E trouxe até um docinho
Mas confesso minha gente
Comi tudo no caminho!
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São
Paulo : Ática, 2002. – (Coleção literatura em minha casa ; v.5)
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