Havia um homem que era muito pobre e
com muita família. No lugar em que morava, havia uma estrada muito grande e se
dizia que por ali passava Deus e o mundo. Ouvindo dizer isto o homem, e
querendo saber a razão por que Deus o tinha feito tão pobre, armou um laço e
assentou-se na estrada à espera de Deus.
Levou assim muito tempo, e todos que
passavam perguntavam o que estava ali fazendo. Ele respondia que queria pegar
Deus. Afinal, estando já desenganado de que nada fazia, já ia para casa, quando
apareceu-lhe um velhinho e deu-lhe quatro vinténs, dizendo que só comprasse um
objeto que custasse aqueles quatro vinténs. Nem mais barato, nem mais caro.
O homem foi para casa muito contente,
imaginando no que havia de comprar com aquele dinheiro. Lembrou-se de um
compadre negociante rico que tinha, o qual estava para fazer viagem a buscar
sortimentos para sua loja. Dirigiu-se o compadre pobre para a casa do compadre
rico e pediu-lhe que comprasse qualquer coisa que custasse aqueles quatro
vinténs.
Fez o compadre a sua viagem e
chegando na cidade não encontrou nada por aquele preço. Foi ao mercado e ainda
nada. Só encontrava objetos por três vinténs, um tostão, meia pataca, dois mil
réis, três, etc.
Ia já para casa, quando ouviu um
menino mercar: “Quem quer comprar um gato? Custa quatro vinténs.” O homem ficou
muito contente e comprou o gato. Era um animal raro naquele lugar. Chegando o
negociante em casa do amigo onde estava hospedado, e que também era do
comércio, este ficou desejoso de possuir aquele animal e pediu ao amigo para
deixar o gato passar a noite na loja, onde havia muito rato, que lhe davam um
grande prejuízo.
No outro dia quando abriram a casa,
tinha uma quantidade tão grande de ratos mortos que causou admiração. Aí o
negociante dono da casa ofereceu uma grande soma de dinheiro ao amigo pelo
gato.
Este recusou, dizendo ser o gato de
um seu compadre muito pobre, que o tinha encarregado de comprar um objeto
qualquer com quatro vinténs. Instou muito o negociante e afinal ofereceu tanto
dinheiro que o amigo não pôde recusar e vendeu o gato. Voltou o compadre rico
de sua viagem, mas chegando em casa teve tanta pena de dar o dinheiro ao
compadre, que o enganou com uma peça de chita, muito ordinária, dizendo ter
comprado aquilo com os quatro vinténs.
O compadre pobre ficou muito contente
e, chegando em casa, a mulher desmanchou logo a fazenda em camisas para os
filhos. Mas como Deus não quer nada mal feito, assim que o compadre saiu com a
peça de chita, o rico caiu com uns ataques muito fortes e já para morrer. A
mulher o aconselhou a que se confessasse, que ele estava muito mal, e chegando
o padre e sabendo do segredo, mandou-o restituir todo o dinheiro do compadre
pobre. Este veio a chamado do rico, que logo melhorou, só com a presença dele.
Mas o ricaço, não tendo coragem de
entregar o dinheiro, ainda enganou o outro com outra peça de fazenda ordinária.
O pobre não cabia de si de contente,
e mal tinha saído, já o rico estava outra vez morre não morre. É chamado de
novo a toda pressa o compadre pobre, sendo ainda uma vez enganado com outra
peça de fazenda, mas desta vez o rico já estava quase expirando, e não teve
outro remédio senão declarar ao companheiro que aquelas barricas que ali
estavam eram dele com todo o dinheiro que continham.
Ouvindo isto, o pobre quase que não
se segurava em pé, tal foi o choque que sentiu, e como louco correu a dar novas
à família, que não sabia como explicar tamanha felicidade. Houve oito dias de
festas e o pobre ficou logo cercado de muitos amigos, entre eles o rico que
ficou bom da moléstia esquisita, assim que entregou o dinheiro.
(ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro; cantos e
contos populares do Brasil. 3 v. Rio de Janeiro, Livraria José
Olímpio Editora, 1954. Coleção Documentos Brasileiros)
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