O Segredo do Boto




Márcio José Rodrigues – Laguna, SC
 
Uma canoa desgarrada descia a maré vazante em direção ao mar.
Sem um remador que a conduzisse, deslizava suave ao sabor da correnteza.
Levava bem acomodada no fundo, uma criança recém nascida, cuidadosamente enrolada em panos de algodão e pelúcia. O ruído das ondas agitadas pelo vento norte não deixariam que alguém pudesse ouvir o choro desesperado.
Não muito longe, no casebre do pescador Foguinho, a lamparina de querosene ainda não apagara a chama, mal iluminando a pequena peça da cozinha e projetando sombras contra as paredes toscas de tábuas. A corrente de ar filtrada pelas frestas fazia a chama dançar, mudando a tonalidade das imagens mal definidas dos rostos de um casal silencioso e taciturno, que teimava em permanecer fora da cama a horas tardias.
O silêncio desses dos dois personagens escondia um segredo terrível.
Na noite anterior a cena nesse mesmo local, tinha sido muito diferente e conturbada.
A mulher acabara de dar à luz, um menino.
O recém-nascido tinha cabelos negros como o alcatrão, os grandes olhos escuros, a pele morena.
Tudo estaria perfeito, não fossem certos detalhes.
Ora, o apelido que o homem carregava no lugar do nome de batismo, havia recebido pela cor de seus cabelos de fogo, a pele avermelhada salpicada de sardas. A mulher possuía os cabelos ainda mais ruivos. Os filhos, dois pirralhos espertos, tinham bem saído aos pais, com os mesmos cabelos de ferrugem, as mesmas sardas e os olhos mais azuis que o céu do mês de maio.
Não tivesse o próprio pai assistido o parto, cortado ele mesmo o cordão do umbigo a bem medidos cinco dedos de espaço e o amarrado com linha de pesca, diria que o menino teria sido trocado, como coisa de um sortilégio ou feitiço.
– Este menino não parece meu filho!… balbuciou sem jeito.
A mãe nada contestou. Instintivamente, num gesto tão inesperado quanto estranho, estreitou a criança contra o peito, encolhendo-se sobre ela, como a protegê-la de uma já prevista agressão.
O homem implorou por uma explicação.
A mulher encolheu-se ainda mais.
O silêncio constrangedor só fez envenená-lo em suas dúvidas.
A cabeça latejava. O coração ferido ante a expectativa de uma traição, batia desencontrado. Sentimentos de raiva cambiavam com os de tristeza e decepção, enquanto ondas de ciúme e decepção alimentavam uma angústia opressora.
Da mulher não arrancou nenhuma confissão , mesmo diante da faca ainda suja com o sangue do trabalho de parto. A mente do pescador triturava os pensamentos, torturando-o com suspeitas que nenhum homem poderia suportar. Depois ainda viria a humilhação perante os vizinhos e companheiros, o riso disfarçado e a pilhéria no balcão da venda.
Ante o desvairio do homem e uma sombria ameaça contra as crianças, a mulher cedeu.
Mesmo inconsolável, aceitou levar a cabo um plano macabro.
No dia seguinte, entre rezas e lamúrias das velhas carpideiras, uma caixinha com areia foi conduzida ao cemitério da aldeia, simulando o enterro de um natimorto, as crianças levando raminhos de flores do campo.
Passaram-se estações, sucederam-se as temporadas e a faina sem fim das lidas da pesca, mas as noites do casal seriam sempre povoadas de pesadelos.
O remorso é uma dor que só se cura quando a pessoa perdoa a si mesma.
Nos piores momentos, muitas lágrimas para a mulher.
Para o homem, a cachaça.
Alguns anos depois, quando os meninos já eram quase homens feitos, apareceu no pesqueiro, um jovem moreno e forte.
Não possuía canoa nem pertences e ninguém se lembrava já tê-lo visto em um lugar qualquer.
Pescava com habilidade notável e onde andava por aquela barra de rio, sempre havia um grupo de botos por perto. Coisas estranhas que rondavam o jovem pescador levavam a crer que os botos o conheciam e que parecia dirigir-se a eles por meio de sons ininteligíveis.
Por onde pescava sempre havia botos - e tainhas em abundância.
Solitário, só não se esquivava da aproximação dos filhos de Foguinho, que sempre saíam de balaio cheio, enquanto as tarrafas dos outros voltavam vazias.
Ninguém sabia onde dormia ou onde morava. Desaparecia com o anoitecer e se antecipava a todos ao nascer do sol.
A única casa de que se permitia aproximar era a desse pescador.
A mulher costumava observá-lo sem o entender, mas com um sentimento de inexplicáveis ternura e compaixão. Ela já havia percebido em seus olhos, um triste ar de abandono e súplica quando a envolviam com inocência e lhe faziam aflorar sentimentos de mal disfarçada ternura.
Não foi uma vez só, que a quase certeza materna, parecia dizer-lhe que conhecia aquele moço.
Lá fora povo dizia:
– Ele é filho do boto!
E daí, a figura foi se envolvendo cada vez mais em brumas de mistério, até que virasse uma espécie de lenda viva, enriquecida aqui e ali com recortes de imaginação nas rodas de cachaça.
As moças do local espalhavam histórias de um olhar poderoso e irresistível que as deixava enfeitiçadas. Não tardaram a identificá-lo como um mau espírito ou demônio desses povoados açorianos, e logo passou a representar o perigo, o mal personificado saído das artimanhas de alguma bruxa.
E assim, foi:
Um grupo de homens, na calada de uma noite escura, atacou-o de surpresa.
Os demais moradores da aldeia estranharam o súbito desaparecimento, mas acabaram aceitando que ele tivesse ido embora tão misteriosamente quanto havia aparecido um dia.
Só a mulher de Foguinho saía a procurá-lo, mas em suas buscas só encontrou dor de saudade, um sentimento amargo de culpa, que não passaria nunca.
Aquele macabro segredo morreu com aquela gente,
O tempo leva todas as coisas.
Todos eles se foram também.
Só os botos ficaram.
Desde aqueles tempos, nunca mais abandonaram esses lugares e ainda hoje cercam as tainhas para os pescadores de tarrafa do pontal da barra.


Lobisomem



— Por um feliz acaso — continuou Niceros —, meu amo tinha ido a Cápua vender alguns ouropéis. Aproveitando-me dessa ocasião, persuadi nosso hospedeiro a me acompanhar até uma distância de cinco milhas dali. Ele era um soldado, bravo como Plutão. Pusemo-nos a caminho ao primeiro cantar do galo (a lua brilhava, e via-se tudo claro como em pleno meio-dia).
A um bom pedaço do caminho, achamo-nos entre túmulos. E, de repente, eis que meu homem se põe a conjurar os astros. Eu me sentei, cantarolei um pouco, e pus-me a contar as estrelas. Depois, voltando-me para meu acompanhante, vi que ele se despojava de todas as suas vestes, deitando-as à beira da estrada. Morto de medo, permaneci imóvel, como um cadáver. Imaginai meu pavor, então, quando ele se pôs a urinar ao redor de suas roupas, e no mesmo instante se transformou num lobo. Não penseis que estou brincando; eu não mentiria nem por todo o ouro do mundo.
Mas onde era que eu estava? Ah, sim. Quando se transformou em lobo, ele começou a uivar e logo fugiu para a floresta. A princípio, eu não sabia nem onde me encontrava. Depois, aproximei-me de suas vestes, para levá-las: haviam-se transformado em pedras. Se algum dia um homem esteve para morrer de medo, esse homem fui eu.
Contudo, tive a coragem de desembainhar minha espada e fender o ar com toda a força, para afastar os maus espíritos ao longo do caminho, até a casa de minha amante. Assim que transpus a soleira da casa, por pouco não entreguei a alma: um suor frio me escorria pêlos membros, meus olhos estavam mortos, e foi preciso um esforço desesperado para me fazer voltar a mim. Minha adorada Melissa não escondeu seu espanto ao me ver chegar a uma hora tão avançada.
"Se houvesse chegado mais cedo", disse-me, "poderias ter-nos prestado uma grande ajuda. Um lobo penetrou no cercado e matou todos os nossos porcos: foi uma verdadeira carni¬ficina. Entretanto, embora houvesse escapado, não teve tempo de comemorar seu feito, porque um de nossos criados lhe atravessou a lança na goela." Ouvindo isso, deixo a vós julgar se abri desmesuradamente os olhos. E, como o dia já vinha surgindo, corri depressa para nossa casa, como um mercador perseguido por ladrões.
Ao chegar ao local onde havia deixado as vestes transformadas em pedra, vi apenas sangue. Entrando em casa, encontrei meu soldado estendido no leito: sangrava como um boi, e um médico lhe passava ataduras em torno do pescoço. Reconheci, então, que ele era um lobisomem, e, a partir daquele dia, preferi morrer de pancadas a comer um pedaço de pão com ele.
Agora, deixo a quem não acreditar em mim a liberdade de pensar o que queira. Mas, se minto, que os génios que velam por vós me esmaguem com sua cólera!



Satiricon, Petrônio, Ed. Abril

O Resgate dos Girinos




Clarice Villac



Num dia lindo, Sacisperto e Sacimeiga saem para passear.

No caminho para o ribeirão, encontram Saulo, o Sapo, muito triste.

Saulo explica por que:

– Pessoas da cidade grande fizeram piquenique às margens do rio, deixaram lixo jogado no chão, no rio, etc.

Sacisperto e Sacimeiga se espantam, e escutam atentamente, com olhos cada vez mais arregalados, o relato...

– Embalagens caíram no rio, sapinhos-girinos ficaram doentes com resíduos de produtos químicos... peixes adoeceram ao comerem alimentos estragados...

Saulo continuava, cada vez mais triste e agitado:

– Sapinhos-girinos ficaram presos em sacos plásticos que enroscaram nas plantas, galhos e raízes ! Copinhos plásticos entalaram tampando tocas de lazer debaixo d’água !...

Sacisperto e Sacimeiga ficam aflitos e preocupados.

Decidem ajudar a população de sapos.

Chamam a sacizada com assobios do Sacisperto, e quando todos chegam, explicam a situação. Todos se dispõe a ajudar, e vão logo dando sugestões e dividindo as tarefas.

Há várias gerações que os sacis vêm se aperfeiçoando na arte de confeccionar peneiras de taquara, que aprenderam observando os antigos caboclos e caiçaras.

Assim, fazem peneiras de taquara e algumas eles amarram em caules longos de bambu que encontram pelo chão.

Então vão peneirar o rio e catar os resíduos nas margens.

Todos ajudam, e depois de muito trabalho, conseguem resgatar todos os girinos e retirar o lixo que os estava prendendo e envenenando o ribeirão.

Reunidos ali nas margens do riozinho, vendo os sapos contentes coaxando e brincando com seus girinos no rio limpinho novamente, os sacis conversam sobre o acontecido, e Sacimeiga fala:

– Bem, está tudo em ordem agora, mas, e se vierem outras pessoas (ou as mesmas) e repetirem a sujeira, sem nem imaginar todo o transtorno que causaram, e o trabalhão que deu pra limpar tudo, recuperar os bichinhos...

– Ah, e se nós deixássemos avisos explicando, mostrando e pedindo a colaboração ?

– Podemos escrever mensagens juntando essas pedras que estão por aqui e pelo caminho ! – sugere um sacizinho que gostava muito de ler histórias.

– Boa ideia, adoramos brincar de formar palavras ! – concordam saltitantes os outros sacizinhos, que já começam a juntar as pedrinhas e arrumá-las em forma de avisos.

– Vamos conversar com as crianças nossas amigas, assim elas podem explicar para seus pais e amigos, todos vão entender a necessidade de recolherem e levar embora o lixo, as embalagens, os restos dos alimentos e tudo que costumam trazer aqui pro mato, pra perto do rio ! – diz Sacisperto, entusiasmado.

Sem esperar mais nada, Sacisperto e Sacimeiga vão indo pelo caminho que leva ao povoado e conversando sobre isso, lá longe as crianças estão brincando de bolinha de gude, e acenam para eles.



Formação Eixo do Leitor - Público Alvo - 4º Ano











Formação Eixo do Leitor - Público Alvo: 1º Ano














A casa Sonolenta - em ppt






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A Casa Sonolenta







Era uma vez
uma casa sonolenta
onde todos viviam dormindo

Nessa casa
tinha uma cama
uma cama aconchegante,
numa casa sonolenta,
onde todos viviam dormindo.
Nessa cama
tinha uma avó,
uma avó roncando,
numa cama aconchegante,
numa casa sonolenta,
onde todos viviam dormindo.

Em cima dessa avó
tinha um menino,
um menino sonhando,
em cima de uma avó roncando,
numa cama aconchegante,
numa casa sonolenta,
onde todos viviam dormindo.

Em cima desse menino
tinha um cachorro,
um cachorro cochilando,
em cima de um menino sonhando,
em cima de uma avó roncando,
numa cama aconchegante,
numa casa sonolenta,
onde todos viviam dormindo.

Em cima desse cachorro tinha um gato
um gato ressonando,
em cima de um cachorro cochilando,
em cima de um menino sonhando,
em cima de uma avó roncando,
numa cama aconchegante,
numa casa sonolenta,
onde todos viviam dormindo.

Em cima desse gato
tinha um rato,
um rato dormitando,
em cima de um gato ressonando,
em cima de um cachorro cochilando,
em cima de um menino sonhando,
em cima de uma avó roncando,
numa cama aconchegante,
numa casa sonolenta,
onde todos viviam dormindo.

E em cima desse rato
tinha uma pulga...

Será possível?
Um pulga acordada,
que picou o rato,
que assustou o gato,
que arranhou o cachorro,
que caiu sobre o menino,
que deu um susto na avó,
que quebrou a cama,
numa casa sonolenta,
onde ninguém mais estava dormindo.

Autor: Audrey Wood





A quem pertence?





Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que se dedicava a ensinar zen aos jovens.  Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali.
Queria derrotar o samurai e aumentar sua fama.

O velho aceitou o desafio e o jovem começou a insultá-lo.
Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou insultos, ofendeu seus ancestrais.
Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível.

No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.
Desapontados, os alunos perguntaram ao mestre como ele pudera suportar tanta indignidade.
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?
- A quem tentou entregá-lo, respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos. Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo.

A sua paz interior depende exclusivamente de você.
As pessoas não podem lhe tirar a calma.
Só se você permitir...



Autor desconhecido

A avó




A avó, que tem oitenta anos,
Está tão fraca e velhinha!...

Teve tantos desenganos!

Ficou branquinha, branquinha,

Com os desgostos humanos.

Hoje, na sua cadeira,

Repousa, pálida e fria,

Depois de tanta canseira:

E cochila todo o dia,

E cochila a noite inteira.

Às vezes, porém, o bando

Dos netos invade a sala...

Entram rindo e papagueiando:

Este briga, aquele fala,

Aquele dança, pulando...

A velha acorda sorrindo.

E a alegria a transfigura;

Seu rosto fica mais lindo,

Vendo tanta travessura,

E tanto barulho ouvindo.

Chama os netos adorados,

Beija-os, e, tremulamente,

Passa os dedos engelhados,

Lentamente, lentamente,

Por seus cabelos dourados.

Fica mais moça, e palpita,

E recupera a memória,

Quando um dos netinhos grita:

"Ó vovó! conte uma história!

Conte uma história bonita!"

Então, com frases pausadas,

Conta histórias de quimeras,

Em que há palácios de fadas,

E feiticeiras, e feras,

E princesas encantadas.. .

E os netinhos estremecem,

Os contos acompanhando,

E as travessuras esquecem,

- Até que, a fronte inclinando

Sobre o seu colo, adormecem...


(Olavo Bilac)
 

O Eclipse do Sol









O CAPITÃO AO PRIMEIRO SARGENTO
                Amanhã haverá eclipse do Sol, o que não acontece todos os dias. Mande formar a Companhia, às sete horas, em uniforme de instrução.Todos poderão, assim, observar o fenômeno do qual darei explicações. Se chover, nada se poderá ver e os homens ficarão em formação no alojamento, para a chamada.
        O PRIMEIRO SARGENTO AO SEGUNDO SARGENTO
                Por ordem do sr. capitão, haverá eclipse do Sol, amanhã. O capitão dará explicações às sete horas, o que não acontece todos os dias. Se chover, não haverá chamada lá fora. O eclipse será no alojamento.
        O SEGUNDO SARGENTO AO CABO
                Amanhã, às sete horas virá ao quartel um eclipse do Sol em uniforme de passeio. Se não chover, o que não acontece todos os dias, o capitão dará, no alojamento, as explicações.
        O CABO AOS SOLDADOS
                Atenção: Amanhã, às sete horas, o capitão vai fazer um eclipse do Sol em uniforme de passeio e dará as explicações. Vocês deverão entrar formados no alojamento, o que não acontece todos os dias. Caso chova, não haverá chamada.
        ENTRE OS SOLDADOS
                O cabo disse que a manhã o sol, em uniforme de passeio, vai fazer eclipse para o capitão, que lhe pedirá explicações. A coisa é capaz de dar uma bela encrenca, dessas que acontecem todos os dias. Deus queira que chova.

O Jabuti e o Chacal





A filha de um famoso rei era tão bonita que muitos habitantes da região queriam se casar com ela. Dia e noite chegavam pretendentes de terras distantes carregados dos mais belos presentes para a linda moça. Mas o pai tinha resolvido que só daria a filha em casamento àquele que suportasse bravamente os mais difíceis desafios.
            Depois de vários meses de disputa, foram selecionados para a prova final o Jabuti e o Chacal.
            O rei já não sabia que tarefa escolher para eles, quando o Jabuti,
  pedindo licença, disse que tinha uma sugestão:
            - Para saber qual de nós dois é o mais corajoso, vamos ver quem consegue comer a papa de milho mais quente.
           O rei gostou da ideia e o Chacal, meio desconfiado, acabou concordando também.
No dia seguinte, desde as primeiras horas da manhã, os aldeões com as mulheres e crianças já estavam sentados no chão formando um grande círculo no largo da aldeia para assistir a ultima prova. Logo que o rei, acompanhado da esposa e da filha, usando seus melhores e mais coloridos trajes, tomaram seus lugares, protegidos do sol por uma majestosa árvore, a multidão, inquieta, começou a gritar para que a disputa começasse. No meio do alarido ouviam-se as vozes dos homens fazendo apostas, alguns no Jabuti, outros no Chacal.
Finalmente, chegou o grande momento. Os dois candidatos avançaram em direção ao rei. Este levantou-se e pedindo silêncio, perguntou:
- Qual de vocês quer ser o primeiro?
O Jabuti. dando um passo à frente. respondeu rapidamente: - Eu quero começar, majestade!
O Chacal suspirou aliviado. pois não desejava ser o primeiro mesmo.
As atenções se voltaram então para o cozinheiro da aldeia, que desde a noite anterior havia deixado um enorme caldeirão de mingau de milho fervendo numa fogueira armada no centro do pátio. Ele pegou uma concha de madeira, muito comprida, e a mergulhou no caldeirão que soltava fumaças de tão quente. O cozinheiro retirou a concha. encheu uma tigela de barro e passou-a para o Jabuti.
Este pegou o recipiente com muito cuidado e disse:
- Para que todos aqui não duvidem da minha coragem, vou passar a tigela na frente de cada um de vocês para que verifiquem com seus próprios olhos como esta papa de milho está fervendo. E, lentamente. mostrou a fumegante tigela: inicialmente para o rei. a rainha e a filha. depois deu uma volta completa no círculo humano, fazendo a mesma coisa com a multidão reunida ali. Quando terminou o passeio, o mingau já estava praticamente morno e não teve problema nenhum para engoli-lo de uma vez só, em meio aos aplausos do público.
- Chacal - disse o rei - agora é você.
O rival carniceiro tremia tanto que, ao receber a tigela escaldante, deixou-a cair no chão queimando os pés. Não aguentando a dor fugiu pulando numa perna só. vaiado estrepitosamente pelos aldeões.

E assim o Jabuti casou com a filha do rei.

(Bichos da África 4, Rogério Andrade Barbosa)

Tangolomango




Eram oito formiguinhas morando num tagete 

Deu tangolomango numa e das oito ficaram sete.
Das sete que restaram 
Uma se afogou no orvalho 
Outra partiu com um bem-te-vi e ficaram cinco que eu vi.
Dessas cinco que restaram 
Uma tropeçou num pato e das cinco ficaram quatro.
Das quatro que ficaram 
Uma foi imitar o cabrito montês 
Quebrou o pescoço, meu bem, e das quatro ficaram três.
Destas três que restaram 
Uma foi passear na lua 
Deu o tangolomango nela e eis que ficaram duas.

Destas duas que ficaram 

Uma resvalou na espuma e restou apenas uma.
Esta uma que ficou foi jogar paciência
Deu tangolomango nela e acabou-se a descendência