Rubem Alves
Dentro de uma linda gaiola vivia
um passarinho.
De sua vida o mínimo que se
poderia dizer era que era segura e tranquila, como seguras e tranquilas são as
vidas das pessoas bem casadas e dos funcionários públicos.
Era monótona, é verdade. Mas a
monotonia é o preço que se paga pela segurança.
Não há muito o que fazer dentro
dos limites de uma gaiola, seja ela feita com arames de ferro ou de deveres.
Os sonhos aparecem, mas logo
morrem, por não haver espaços para baterem suas asas.
Só fica um grande buraco na
alma, que cada um enche como pode.
Assim, restava ao passarinho
ficar pulando de um poleiro para outro, comer, beber, dormir e cantar.
O seu canto era o aluguel que
pagava ao seu dono pelo gozo da segurança da gaiola.
Bem se lembrava do dia em que,
enganado pelo alpiste, entrou no alçapão.
Alçapões são assim; tem sempre
uma coisa apetitosa dentro.
Do alçapão para a gaiola, o
caminho foi curto, através da Ponte dos Suspiros.
Há aquele famoso poema do Guerra
Junqueiro, sobre o melro, o pássaro das risadas de cristal.
O velho cura, rancoroso,
encontrara seu ninho e prendera seus filhotes na gaiola.
A mãe, desesperada com o destino
dos filhos, e incapaz de abrir a portinha de ferro, traz no bico um galho de
veneno. Meus filhos, a existência é boa só quando é livre.A liberdade é a lei.
Prende-se a asa, mas a alma voa... Ó filhos, voemos pelo azul...! Comei...!
É certo que a mãe do passarinho
nunca lera o poeta, pois o que ela disse ao filho, foi: Finalmente minhas
orações foram respondidas. Você está seguro, pelo resto de sua vida. Nada há a
temer.
Não é preciso se preocupar.
Acostuma-se.
Cante bonito. Agora posso morrer
em paz.
Do seu pequeno espaço ele olhava
os outros passarinhos.
Os bem-te-vis, atrás dos bichinhos;
os sanhaços, entrando mamões adentro; os beija-flores com seu mágico bater de
asas; os urubus nos seus voos tranquilos da fundura do céu; as rolinhas
arrulhando, fazendo amor. As pombas voando como flechas.
Ah! Os prudentes conselhos
maternos não o tranquilizavam.
Ele queria ser como os
outros pássaros livres...Ah! se aquela maldita porta se abrisse.
Pois não é que, para surpresa
sua, um dia o seu dono a esqueceu aberta?
Ele poderia agora realizar todos
os seus sonhos. Estava livre, livre, livre!
Saiu. Voou para o galho mais
próximo. Olhou para baixo. Puxa! Como era alto.
Sentiu um pouco de tontura.
Estava acostumado com o chão da
gaiola, bem pertinho. Teve medo de cair.
Agachou-se no galho, para Ter
mais firmeza. Viu uma outra árvore mais adiante.
Teve vontade de ir até lá.
Perguntou-se se suas asas aguentariam.
Elas não estavam acostumadas. O
melhor seria não abusar, logo no primeiro dia.
Agarrou-se mais firmemente ainda.
Neste momento um insetinho passou voando bem na frente do seu bico. Chegara a
hora. Esticou o pescoço o mais que pôde, mas o insetinho não era bobo. Sumiu
mostrando a língua.
- Ei, você - era uma
passarinha. - Vamos voar juntos até o quintal do vizinho. Há uma linda
pimenteira, carregadinha de pimentas vermelhas.
Deliciosas. Apenas é preciso
prestar atenção no gato, que anda por lá...
Só o nome gato lhe deu arrepio.
Disse para a passarinha que não gostava de pimentas.
A passarinha procurou outro companheiro.
Ele preferiu ficar com fome. Chegou o fim da tarde e, com ele a tristeza do
crepúsculo. A noite se aproximava. Onde iria dormir?
Lembrou-se do prego amigo, na
parede da cozinha, onde sua gaiola ficava dependurada.
Teve saudades dele. Teria de
dormir num galho de árvore, sem proteção.
Gatos sobem em árvores?
Eles enxergam no escuro?
E era preciso não esquecer os
gambás.
E tinha de pensar nos meninos
com seus estilingues, no dia seguinte.
Tremeu de medo. Nunca imaginaria
que a liberdade fosse tão complicada.
Somente podem gozar a liberdade
aqueles que têm coragem. Ele não tinha.
Teve saudade da gaiola. Voltou.
Felizmente a porta ainda estava aberta.
Neste momento chegou o dono.
Vendo a porta aberta, disse:
- Passarinho bobo. Não viu que
a porta estava aberta.
Deve estar meio cego.
Pois passarinho de verdade não
fica em gaiola. Gosta mesmo é de voar.
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