Estava o Senhor Teotónio, que era rico, muito
gordo e grande fumador de charutos, a carregar o carro com os presentes que
passara a manhã a comprar para os filhos, para os sobrinhos e para as muitas
pessoas com quem fazia negócios, quando se aproximou dele um homem pobre, idoso
e magro, que prontamente obteve dele esta resposta:
— Comigo não perca tempo porque não tenho
dinheiro trocado, nem alimento falsos mendigos.
— Mas eu não lhe pedi nada — respondeu o homem
idoso serenamente, com um sorriso que desarmou o Senhor Teotónio e a sua
bazófia de novo-rico.
— Então se não me quer pedir nada, por que
motivo está tão perto de mim enquanto eu carrego o meu carro? — perguntou o
Senhor Teotónio entre duas baforadas de charuto que fizeram o homem idoso e
magro tossir convulsivamente.
— Estou aqui, meu caro senhor — respondeu ele,
já refeito da tosse — para tentar perceber o que as pessoas dão umas às outras
no Natal.
— Com que então — concluiu ironicamente o
Senhor Teotónio, grande construtor civil com interesses de norte a sul do País
— temos aqui um observador! Deve ser, certamente, de uma dessas organizações
internacionais que nós pagamos com o nosso dinheiro e que não sabemos bem para
que servem.
— Está muito enganado. Mas já agora responda à
minha pergunta: o que é que as pessoas dão umas às outras no Natal? — insistiu
o homem pobre, idoso e magro.
— Bem, se quer mesmo saber, eu digo-lhe. Quem
tem posses como eu pode comprar uma loja inteira, deixando toda a gente feliz,
a começar nos comerciantes e a acabar nas pessoas que vão receber os presentes.
Quem é pobre como você fica a assistir. Percebeu a diferença?
O homem magro e idoso refletiu uns instantes
sobre a resposta seca e sarcástica do Senhor Teotónio e depois respondeu-lhe
com uma nova pergunta:
— Então e o espírito do Natal?
— O que vem a ser isso do espírito do Natal? —
quis saber, cheio de curiosidade, o Senhor Teotónio.
— O espírito do Natal — respondeu o homem idoso
e magro — é aquilo que nos vai na alma nesta altura do ano e que está muito
para além dos presentes que damos. Para muitas pessoas, o melhor presente pode
ser um telefonema, uma carícia ou um telefonema quando se está só.
— Era só o que me faltava agora — desabafou,
enfastiado, o Senhor Teotónio, enquanto arrumava os últimos presentes na mala
do automóvel — ter agora um filósofo, ainda por cima vagabundo, para aqui a
debitar sentenças.
O homem magro e idoso afastou-se do carro,
mostrando que não queria esmolas nem qualquer outra coisa que lhe pudesse ser
dada pelo Senhor Teotónio, e encaminhou-se para um grupo de crianças que o
esperavam.
Quando o Senhor Teotónio passou por eles no
carro, ouviu uma voz de criança a dizer:
— Vamos, Espírito do Natal, porque hoje ainda
temos muito que fazer.
Dizendo isto, o grupo ergueu-se no ar a
esvoaçar com destino incerto, largando um pó luminoso enquanto ganhava altura
no céu cinzento de Dezembro.
José Jorge Letria
A Árvore das Histórias de Natal
Porto, Ambar, 2006
A Árvore das Histórias de Natal
Porto, Ambar, 2006
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