Numa noite gelada de Dezembro,
dois pobres cães vadios procuravam abrigo debaixo de uma grande árvore de Natal
erguida no meio de uma praça, com uma vistosa iluminação que podia ser
observada até do céu. Debaixo dos ramos da árvore e próximo do calor das
lâmpadas fortes, eles conseguiam ter algum conforto, protegendo-se da chuva e
do frio intenso.
Disse um dos cães para o
companheiro:
— Há quanto tempo andas nesta
vida?
— Desde o Verão passado. Os meus
donos foram de férias e, como acharam que dava muito trabalho arranjar quem
tomasse conta de mim, abandonaram-me. Foi assim que me tornei vadio, embora
seja um cão de raça.
— Quer então dizer que é o
primeiro Natal que passas na rua?
— Sim, é o primeiro. E tu?
— Para mim já é o terceiro. Eu
não sou um cão de raça, sou um vira-lata, e tinha uma dona que gostava muito de
mim. Eu era a sua única companhia. Um dia ela adoeceu e acabou por morrer.
— E o que foi que te aconteceu?
— Os filhos da minha dona não
quiseram ficar com este encargo e puseram-me na rua. Já por cá ando há algum
tempo, remexendo nas lixeiras, bebendo água das poças e das sarjetas e fugindo
das camionetas da Câmara que trazem homens com redes para nos apanharem.
— Pois olha que eu ainda não me
habituei a esta vida e nem sei se alguma vez me habituarei. Ainda estou muito
zangado com os meus donos por me terem feito o que fizeram. Pareciam gostar
muito de mim, gabavam-se muito da minha beleza e da minha raça, mas acabaram
por me abandonar, dizendo aos filhos que alguém me roubou quando eu passeava
sem coleira.
— Já ouvi contar muitas histórias
como a tua, e olha que cada vez há mais. As pessoas são egoístas e quando nos
põem em casa não pensam nas responsabilidades que têm para connosco.
— Mas parece que com os gatos
isso não acontece, e repara que eu não gosto nada de gatos.
— Estás enganado. Também há
muitos gatos abandonados e há alguns pontos em que podemos nos entender, já que
os nossos problemas são os mesmos quando se trata de abandono.
— Então e qual é o teu desejo
para esta noite de Natal?
— Para dizer a verdade, o que eu
desejava é que estas lâmpadas se transformassem em ossos saborosos e numa
refeição quente. Se isso acontecesse, eu até era capaz de acreditar que há um
céu para os cães.
Mal ele acabou de pronunciar
estas palavras, caíram sobre eles vários ossos e duas latas de comida
apetitosa. Ambos se refastelaram com a abundância e com a qualidade da refeição
que iria marcar para sempre a memória que ambos guardariam daquela noite de
Natal.
Certamente haverá quem diga que
nunca as lâmpadas coloridas de uma árvore de rua se poderiam transformar em
comida para cães abandonados. Mas também é verdade que os cães não costumam
falar, e os desta história, para que nos lembremos sempre da solidão dos que
são condenados a tornar-se vadios, falaram durante um bom bocado. Vale esta
história para que não esqueçamos os que não têm teto, neste ou nos próximos
Natais.
José Jorge Letria
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