Em algum lugar muito
distante de todos os lugares que nós já ouvimos falar, vivia uma fadinha, que
era muito nova ainda.
Como ninguém sabe
explicar como as fadas nascem, não sabemos também dizer de onde poderia ter
saído uma fada ainda criança.
Ela vivia no meio das
fadas adultas e ninguém parecia se preocupar com sua origem.
No entanto, todas se
preocupavam com a sua educação, embora ninguém tivesse notícia de alguma fada
que um dia tivesse sido mãe.
Enfim, sobre este
problema de família das fadas, parece que as pessoas sabem muito pouco e não se
sabe de gente que tenha se preocupado com isso.
Mas a nossa fadinha
estava lá, com varinha de condão e tudo.
Era xereta como a
maioria das crianças e se metia em tudo quanto era assunto das fadas adultas.
As fadas, como nunca
tinham sido mães, não sabiam se aquela xeretisse era coisa boa ou coisa ruim e,
assim, algumas brigavam com a pequena fada, enquanto outras a achavam
engraçadinha.
Luz Azul foi o nome que deram a ela devido a uma luzinha azulada que brilhava em sua testa, sempre que se sentia muito feliz.
Luz Azul foi o nome que deram a ela devido a uma luzinha azulada que brilhava em sua testa, sempre que se sentia muito feliz.
Como ela estava sempre
feliz, aquela luzinha só se apagava praticamente nos momentos em que ela
dormia.
E lá no Reino das
Fadas, os dias eram calmos e as noites especialmente brilhantes porque, para
quem não sabe, distração de fada, quando não está participando de alguma missão
muito importante, é brincar com sua varinha de condão.
E, como presenciamos
nos filmes, toda vez que alguma fada movimenta sua varinha de condão, milhares
e milhares de estrelinhas brilhantes se esparramam pelo espaço.
E, à noite, isto fica
verdadeiramente lindo.
Não há como não se
encantar; por isso é que se costuma dizer que no Reino das Fadas tudo é
encantamento.
A fadinha Luz Azul
adorava sumir dos olhos das fadas adultas e se esconder em algum lugar muito
bem-escondidinho para se divertir com o desespero das fadas enquanto a
procuravam:
– Luz Azul! Onde se
meteu, menina? Quer nos matar de tanta aflição? (Acho que as fadas entravam em
tamanho desespero que começavam a falar como mães humanas, esquecendo-se
certamente, que até onde se tem notícia, fadas não morrem...).
Quando a menina fada
se cansava da brincadeira, aparecia com a carinha mais inocente do mundo:
– Nossa! Estavam me
procurando? Deitei-me debaixo de uma planta tão bonita e cheia de flores
perfumadas que até adormeci... Tive cada sonho lindo...
Ao encontrá-la cheia
de vida e com os olhinhos brilhando naquela carinha inocente, as fadas perdiam
a coragem de brigar com ela, tamanho era o alívio de vê-la sã e salva e de
volta ao convívio de todas.
– Luz Azul está de
volta! Precisamos vigiá-la melhor! Qualquer hora dessas ela some e não volta
mais! Ela é muito pequena para defender-se sozinha dos perigos da floresta!
A menina fada ria da
aflição das fadas adultas, sem revelar a elas que estivera o tempo todo ali,
bem pertinho, abaixadinha debaixo de um pé de flor.
Lá no reino das fadas,
o tempo se escoava tranquilo entre chuvas de estrelinhas coloridas,
encantamentos, desencantamentos, missões perigosas, outras nem tanto, convites
para festas de aniversários, casamentos, nascimentos e batizados de príncipes e
princesas herdeiros de grandes reinados.
As fadas adoravam tais
convites porque, cá entre nós e que ninguém nos ouça, algumas eram até bem
gulosinhas...
Às vezes, até
escondiam algumas iguarias em suas bolsinhas cintilantes e as levavam para
saborear um pouco mais em casa.
Havia também fadas que
não apreciavam muito as iguarias que conseguiam fazer com suas varinhas de
condão e arriscavam uma receitinha “humana” de vez em quando, surrupiada com a
conivência de alguma cozinheira dos castelos que costumavam frequentar.
Um dia, Luz Azul
resolveu dar uma sumidinha mais comprida e pôs-se a caminhar pela floresta.
Encontrou tanta coisa
bonita que foi caminhando cada vez mais, esquecendo-se completamente de voltar
para casa.
Andou tanto que,
quando deu conta de si, havia escurecido e nem sua varinha de condão conseguia
levá-la de volta para casa.
Isso porque, segundo a
sabedoria das fadas mais velhas, varinha de condão não é muito boa para
funcionar à noite, a não ser para fazer uma linda chuva de estrelinhas
brilhantes.
Mas encantamento que é
bom, não dá para fazer não.
Então, Luz Azul, não
conseguindo voltar para casa, não encontrou outro recurso senão chorar.
Ela chorou alto e
forte como qualquer criança humana, pois estava assustada e com muito medo.
Chorava tão alto e com
tamanho desespero que, próximo dali, uma bruxa que mexia seu caldeirão de
feitiçarias, como toda bruxa que se preza, ouviu e pensou logo em algum filhote
perdido que viria em boa hora para engrossar a poção que estava preparando:
– Acho que esta é
minha noite de sorte!
Pegou logo seu lampião
que a tudo iluminava com as luzes de centenas de vagalumes e caminhou na
direção em que vinha o choro:
– Mas o que é isso?
Uma criança! Ah! Esses humanos não cuidam mesmo de nada! Nem de seus próprios
filhotes!
Aproximou o lampião
bem pertinho do rosto de Luz Azul e ficou impressionada com o que viu:
– Uma criança que
parece uma fada! Mas o que é isso? Quem é você?
Luz Azul, mais uma vez
como qualquer criança humana, atirou-se no pescoço da bruxa e, abraçadinha a
ela, falou entre soluços:
– Sou Luz Azul! Estou
perdida na floresta! Por favor, leve-me para casa! Estou com muito medo! Por
favor, vovó, me ajude!
A bruxa que se chamava
Railda ficou sem saber o que fazer.
Nem por um momento
pensou que teria coragem de atirar aquela criatura tão meiga no caldeirão em
que fervia sua poção.
Railda nunca tinha
sido abraçada por ninguém, muito menos por um filhote tão lindo como aquele que
ela não sabia identificar se era de gente ou de fada.
Nunca soubera como
apareciam as fadas ou se elas tinham filhos que cresciam como as crianças
humanas.
Deixando de lado a
velha questão do enigma das famílias das fadas, voltemos à velha bruxa Railda.
Ela, verdadeiramente,
não sabia o que pensar e o calor do corpo da fadinha enchia seu coração de um
sentimento que não sabia explicar.
Na verdade, ela nem
sabia o que era sentimento, só sabia que tudo o que estava sentindo era
extremamente agradável e ela só sentia vontade de proteger aquele pequeno ser
que implorava por sua ajuda.
Tentou pensar na sua
raiva pelas fadas e assim desvencilhar-se daquilo que podia muito bem ser um
filhote delas, embora ela nunca tivesse tido notícia da existência de nenhum.
Mas não conseguiu.
Pediu então à fadinha
que carregasse seu lampião e ela a levou no colo até sua casa que era bem
próxima dali.
Tão logo se sentiu em
segurança, Luz Azul recuperou sua vivacidade e começou a conversar animadamente
com a bruxa Railda.
Sem se preocupar com o
perigo que poderia estar correndo, Luz Azul identificou logo que sua protetora
era uma bruxa, porque já havia ouvido falar delas lá na comunidade das fadas.
Mas, estranhamente,
não sentiu medo algum e chegou mesmo a pensar que talvez as fadas até
exagerassem um pouco quando falavam tão mal das bruxas.
A bruxa Railda foi
então preparar algum alimento para Luz Azul, mas logo voltou toda preocupada
para perto da menina:
– Menina, tem
certeza que consegue comer uma boa comida de bruxa? Olha que comida de bruxa
costuma ser gostosa somente para bruxas, hein?
– Mas o que comem as
bruxas?
– Adoramos
insetos bem fritinhos, ensopados de sapos e morcegos, aranhas suculentas
empanadas na cinza do fogão, e mil iguarias mais...
– E isso é
gostoso, vovó?
– É muito mais que
gostoso, é delicioso!
– Então quero
experimentar, porque estou morrendo de fome...
E Luz Azul comeu como
jamais havia comido lá no reino das fadas, onde adorava fazer uma boa manha na
hora de comer, só para ser paparicada...
E por falar nisso, lá
no reino das fadas, o desespero era geral pelo sumiço da fadinha:
– Onde terá ido? Nunca
sumiu por tanto tempo assim!
– O que terá
acontecido com ela? Se não a encontrarmos, nunca mais poderemos ser felizes!
– Amanhã, quando o sol
raiar, colocaremos todas as varinhas de condão para procurá-la! Uniremos nossos
poderes para trazermos nossa Luz Azul de volta!
Enquanto isso lá na
casa de Railda, a velha bruxa se encantava cada vez mais com a menina fada:
– Como é linda!
Diga-me, querida criança, não gostaria de ficar aqui morando comigo?
Faríamos belos passeios na vassoura de última linhagem que possuo!Eu teria a
velhice mais maravilhosa que uma bruxa já almejou!
Luz Azul, ao
perceber o entusiasmo da velha bruxa com sua presença, sentiu medo que ela não
quisesse levá-la de volta ao reino das fadas, uma vez que agora não podia mais
contar com a ajuda de sua varinha de condão, a qual havia deixado lá na
floresta e, então, propôs à bruxa, com toda meiguice que conseguiu:
– Vovó, amanhã você me
leva para voar na sua vassoura? Eu nunca voei numa verdadeira vassoura de bruxa!
Dessa forma, Luz Azul
conseguiu distrair a atenção da bruxa e logo foram dormir na cama mais macia
que a fadinha já havia dormido em toda sua vida.
Amanheceu.
Após se alimentarem, a
bruxa e a fadinha foram logo dar um passeio de vassoura, a qual a bruxa
elogiara muito:
– Último
lançamento, minha criança!
Voaram bastante e Luz
Azul pensava o tempo todo numa maneira de convencer a bruxa Railda a levá-la de
volta ao reino das fadas.
Ela pensava sempre no
desespero que haveria de estar por lá com o seu sumiço que, desta vez,
ultrapassara todos os limites.
Com certeza já
deveriam estar pensando que ela, a fadinha desobediente, havia tomado um fim
muito horroroso na floresta sombria.
Foi então que Luz Azul
teve uma ideia:
– Vovó Railda, você
tem uma vassoura maravilhosa. Faz coisas incríveis! Já pensou se tivesse também
uma varinha de condão?
– Como eu, uma
bruxa terrível, poderia andar por aí com uma varinha de condão como se fosse
uma fada boboca?
– Mas, vovó, eu que
sou uma pequena fada adoraria andar por aí montada numa linda vassoura como a
sua e portando, toda orgulhosa, uma varinha de condão, como qualquer boa fada!
Já imaginou, quantos poderes poderíamos somar com uma vassoura que voa e uma
varinha que produz encantamentos?
A velha bruxa viu-se
sem ter como responder à menina:
– Que menina mais
esperta! Não é que pode mesmo ter razão?
Antes da hora do
almoço no reino das fadas, uma vassoura de última linha, pilotada por uma velha
bruxa e trazendo na garupa uma linda fadinha, aterrissou no meio das fadas
aterrorizadas:
– Mas é a bruxa
Railda! O que fez com a nossa fadinha?
– Acalmem-se todas,
por favor! Aqui estou sã e salva pela minha vovó Railda, que me acolheu na
floresta, cuidou de mim e está me trazendo de volta!
As fadas
aglomeraram-se em torno da bruxa, em grande tumulto, todas querendo tocar,
abraçar e beijar Luz Azul enquanto a bruxa Railda, sem entender nada, pensava
no que poderia estar fazendo ali:
– Atraída para um
reduto de fadas bobocas por uma fada ainda criança...
Logo, Luz Azul atraiu a
atenção de todas para a bruxa e contou tudo que havia acontecido, fazendo com
que todas as fadas agradecessem a ela pelo bem que havia lhe prestado.
Tão logo a situação se
acalmou, Luz Azul chamou uma fada e pediu-lhe a vara de condão mais bonita que
tivesse por ali para dar de presente à bruxa Railda.
Não teve quem não se
espantasse com o pedido mas, ao notarem o semblante de alegria tão
incomum no rosto de uma bruxa, correram para atender o pedido da fadinha.
E foi assim que a
bruxa Railda levantou voo do reino das fadas, pilotando orgulhosa sua vassoura
e trazendo nas mãos uma linda vara de condão.
Tempos mais tarde, a
comunidade dos contadores de histórias, absolutamente confusa, não sabia mais
contar histórias ao se deparar com uma comunidade de bruxas portadoras de
lindas varinhas de condão, convivendo pacificamente com uma comunidade de fadas
que voavam em vassouras de última linhagem.
Foi Luz Azul, a
fadinha peralta, que fez com que as histórias de bruxas más e fadas boazinhas
virassem todas de cabeça para baixo!
Ninguém conseguiu
entender mais nada!
Maria
Tereza da Silva Sardinha do Prado
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