Era
uma vez uma criança que se aborrecia. Aborrecia-se no cinema, na ginástica, na
bicicleta, nas férias, na escola, a trincar um biscoito, a chupar um gelado, a
jogar xadrez, dominó, Playmobil… Por isso lhe chamavam a
criança-que-se-aborrece. Antes de nascer, tinha-se aborrecido num cantinho da
barriga da mãe. E tinha amuado, cruzado os braços, feito beicinho. Tinha
recusado brincar com o cordão umbilical (que dizem ser o primeiro brinquedo do
mundo) e dar cambalhotas na água. Agora, passava-se o mesmo.
A
criança-que-se-aborrece ficava num canto do quarto, com os braços cruzados, a
suspirar o dia todo. De vez em quando, por surpresa ou por acaso, divertia-se
durante um quarto de segundo: quando um robô glutão devorava um exército de
seiscentos homens, quando a obscuridade caía sobre o ecrã da sala de cinema,
quando um tiranossauro perseguia, com os dentes todos arreganhados, um
dinossauro, quando traziam o seu bolo de aniversário cheio de velinhas acesas,
sempre que rasgava o papel de embrulho dos presentes de Natal. Eram momentos em
que o seu coração batia mais forte. Durante um minuto, não se aborrecia.
Mas,
logo que o robô glutão terminava o almoço, quando o dinossauro dilacerava o
tiranossauro, depois das velas apagadas, voltava a suspirar.
─
Como este robô glutão me aborrece. Como estes animais me enfadam. Quando é o
meu próximo aniversário?
Ou
então:
─
Já não quero estes brinquedos. Quero um carro telecomandado.
E
choramingava, a fazer beicinho. Quando uma pessoa se aborrece, o mais fácil a
fazer é chorar.
A
mãe coçava a cabeça. O que fazer? Tinha tentado tudo: fazer caretas de macaco,
usar perucas verdes e azuis. Tinha-se disfarçado de tomate maduro, de caneta de
Coca-Cola, e de bebê amuado. O filho nem tinha sequer sorrido. Levou-o então ao
médico. Este, depois de examinar os olhos lacrimejantes, a boca torta e o
coração pesado como uma pedra da criança-que-se-aborrece, disse:
─
Não vejo nada de especial.
E
receitou-lhe livros cômicos, desenhos animados divertidos, jogos hilariantes e
desportos violentos.
─
Infelizmente, não tenho uma poção mágica que o faça rir como um louco. Leve-o
até ao jardim.
E
acrescentou, sem convicção:
─
Leve-o até ao jardim. Talvez vendo outras crianças…
Mas
as outras crianças jogavam às cartas e à bola e a criança-que-se-aborrece
achava tudo isso… aborrecido. Um dia, porém, aconteceu algo surpreendente.
Quando estava sentada no banco de uma praça, com os braços cruzados, a
criança-que-se-aborrece reparou num rapazinho que brincava na relva. Era a
criança-que-brinca-sozinha. Os olhos dela brilhavam e tinha um sorriso no canto
do lábio. O mais interessante é que brincava com uma caixa vazia. A
criança-que-se-aborrece aproximou-se.
─
O que estás a fazer? ─ perguntou, num tom desdenhoso.
─
Estou a brincar, estou a divertir-me, não vês? ─ respondeu a
criança-que-brinca-sozinha, que fechou logo a sua caixinha.
─
É impossível ─ tornou a outra, num tom de voz enervado. ─ Ninguém se diverte
com uma caixa vazia.
A
criança-que-brinca-sozinha não disse nada e voltou a abrir a caixinha.
─
Isso não passa de uma caixa de queijo velha e vazia! Uma caixa nojenta! ─
choramingou a criança-que-se-aborrece.
─
Talvez seja uma caixa velha e nojenta, mas não está vazia ─ continuou a outra.
─ Há sete elefantes a guardá-la, porque os Leões vão chegar à Savana.
Fechou
a caixa.
─
Fechei-a para que eles não fujam. Agora são meus prisioneiros. Também estão lá
dentro dez pelicanos. Estás a vê-los com o bico comprido e a sua pequena bolsa?
Nunca conseguirás adivinhar tudo o que esta bolsa contém: um cobertorzinho de
lã para o Inverno, um despertador para se levantarem de manhã, e três pelicanos
bebês!
A
criança-que-brinca-sozinha disse para consigo:
─
Uma bolsa assim é muito prática. Os pelicanos têm uma bolsa, eu tenho uma
caixa. Vou fechá-la agora, porque ouço um exército de leões a aproximar-se.
E
revirou os olhos.
─
Os leões adoram os pelicanos.
─
Ai, sim? ─ perguntou a criança-que-se-aborrece. ─ Sabia que comiam gazelas,
veados e girafas. Mas nunca li que comiam pelicanos.
─
Eu também não, mas não é difícil de imaginar ─ tornou a outra. ─ Sou eu que
invento tudo isto. É preciso proteger os pelicanos a todo o custo.
E
fechou a caixa.
─
Enganei-os bem! Os leões já se foram embora.
E
pôs-se a rir sozinha.
─
Se abrir agora a caixa, voarão para o céu. Olha! Já estão a sobrevoar o Oceano,
com os bebés dentro da bolsa. Estão todos contentes!
E
a criança-que-se-aborrece ergueu a cabeça, maravilhada, embora não visse nada.
─
Dentro da minha caixa, ainda há muitas outras histórias ─ continuou a
criança-que-brinca-sozinha. ─ Há três milhões de ideias, cento e cinquenta bilhões
de pelicanos!
E
os seus olhos brilhavam.
A
criança-que-se-aborrece sorriu. Compreendeu que, com caixa ou sem caixa, havia
milhões de brinquedos dentro da cabeça de uma criança. Percebeu isto tão bem
que disse à outra:
─
Acho que a tua caixa funciona como a tua cabeça. Abre-la e fecha-la, e fazes o
que queres com ela.
─
Mas tu podes fazer o mesmo! ─ encorajou-a a criança-que-brinca-sozinha. ─ Só
precisas de uns pozinhos mágicos.
E,
com muita delicadeza, virou a caixa de pernas para o ar, fez um passe de magia,
e reabriu-a.
─
Dá-me a tua mão ─ pediu.
A
outra assim fez.
─
Estás a ver, aqui estão uns pozinhos da minha caixa mágica. Deita-os na tua
caixa, esperas um dia e uma noite, e aparecem-te fadas, reis, salteadores,
dinossauros, tudo o que tu quiseres. Nunca mais te sentirás aborrecida.
E
começaram as duas a rir e a inventar histórias.
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