— Vamos, Natália! Para a cama!
“Oh, nããããão!”, pensou Natália. “Isso não!”
Caía a noite e Natália, a menina de quase sete anos, sentia o coração
aos saltos. Como todas as noites, a inquietação e a dúvida deixavam-lhe o
coração escuro como breu.
— Não gosto do escuro. Não gosto do escuro, não gosto do escuro —
murmurava Natália, que todas as noites reclamava um grande copo de leite
branco, dormia em lençóis brancos rodeada de bonecos brancos de pelúcia, com
uma luz de presença. E, enquanto a noite ia descendo, Natália, com os olhos
muito abertos e o coração escuro como breu, passava uma noite… totalmente
branca, para fazer guerra à escuridão.
E Natália pensava: “O que se passa de noite enquanto durmo? E se um dia
tudo parasse? Se o meu coração parasse de bater, se a terra decidisse meter-se
debaixo do mar e tudo começasse a ir por água abaixo?”
Quando Natália fechava os olhos, sentia, bem no fundo de si mesma,
aquele movimento de oscilação e de vertigem.
Então apressava-se a abri-los, pensando: “Se eu, Natália, conservar os
olhos abertos, a Terra não deixará de girar.”
Uma noite, Natália ouviu um murmúrio, um sussurro, um rumor. Parecia um
vestido de noiva todo branco.
— Natália — chamou uma voz muito suave. — Natália! Olha para mim.
Mas Natália não via nada... Nada a não ser o escuro, o branco das suas
pelúcias, a luz de presença.
— Estou aqui… Sou eu, a Noite!
Natália arregalou os olhos. Um riso infinitamente doce ressoou nos seus
ouvidos.
— Eu sou a Noite! Vim para fazer contigo uma pequena viagem. Vamos
visitar juntas o mundo da Noite?
Natália, ao mesmo tempo maravilhada e receosa, deixou a Noite envolvê-la
nos seus braços quentes e sentiu o corpo a ficar-lhe pesado. As pálpebras
fecharam-se-lhe e ela elevou-se a seis mil pés acima da Terra! Era uma
impressão bem estranha, porque, ao mesmo tempo que permanecia na cama,
elevava-se nos ares, em cima do grande tapete voador na Noite.
Como a Terra era bela e serena vista do alto! Era luminosa e alegre como
as bolas de uma árvore de Natal. No céu negro, Natália cruzou-se com um pequeno
mercador de areia, que lançava às mãos cheias os seus grãos mágicos, gritando:
— Upa! Mais um para a cama! E upa! O pequeno Martim, para a cama! Upa! A
pequena Helena!
Quando se cruzou com ele, Natália observou-o atentamente. O mercador
olhou para Natália com os seus olhos brilhantes, agitando o pequeno punho com
um ar interrogativo.
— Não, obrigada — disse a Noite. — Esta noite, estamos apenas de visita.
Natália não vai dormir.
— Está bem — disse o pequeno mercador de areia, que prosseguiu com a sua
tarefa: — E upa! Upa! Upa!
E ambas mergulharam mais profundamente na escuridão. Bem no fundo do
céu, uma grande bola amarela tricotava, bocejando, um grande cachecol de noite.
Ao lado dela, as pequenas estrelas saltitavam, rindo.
— Um pouco de silêncio! — resmungou a Lua. — É noite sobre a Terra! Um
pouco de respeito por aqueles que estão a dormir!
— Esta lua parece-se com a minha avó — pensou Natália, que disse para
consigo que a noite estava cheia de barulhos e de cores!
Viu um avião, depois um comboio, uma estrela cadente, um pequeno
helicóptero da noite. Um pequeno marciano que tomava banhos de lua, mexendo os
longos dedos dos pés, que pareciam feitos de borracha. Sobre um asteróide, um
sábio penteava, suspirando, a sua barba branca de três quilômetros de
comprimento, um carneiro observava uma rosa e sorria, ao mesmo tempo que uns
homenzinhos azuis se dirigiam para a escola.
— Estás a ver tudo o que se passa enquanto dormes? A vida continua, mas
é uma outra vida — disse-lhe a Noite.
Depois, começaram a aproximar-se da Terra, que parecia agora uma enorme
bola sussurrante bem dependurada no céu. Ela respirava docemente durante o
sono. De repente, um milhão de despertadores começaram a tocar ao mesmo tempo.
Natália sobressaltou-se.
— Oh, são apenas os padeiros que se levantam para irem fazer o pão e os
biscoitos de chocolate para as crianças.
E aproximando-se mais, viram centenas e centenas de crianças
adormecidas, com um grande sorriso no rosto. Como era tranquila e feliz a
expressão deles!
— Os seus corações continuam a bater, é por isso que os lençóis se
mexem. No seu corpo, o sangue continua a circular e até os olhos se movem
debaixo das pálpebras, mas eles encontram-se no mundo dos sonhos. Nada se
detém, tudo continua.
E a Noite olhou Natália bem nos olhos.
— Sabes que eu só durmo com um olho? A vida não para durante o sono, toda
a gente continua a respirar. Aliás — murmurou a Noite — se tu aguçares o ouvido
quando estiveres na cama, podes ouvir o sussurrar da Noite. E até o murmúrio da
Terra...
De regresso da sua viagem, Natália deu por si na sua cama, cheia de
sono. Era bom pensar em todos aqueles que descansavam, e também naqueles que
trabalhavam durante a noite, tranquilamente, suavemente, para o mundo poder
avançar...
Depressa a noite se tornou tão agradável a Natália que ela dispensou a
sua pequena luz de presença e os seus lençóis fluorescentes e tudo o que torna
as noites brancas.
— Quero dormir no escuro. No escuro total — diz com convicção.
A mãe olha-a com olhos de espanto, perguntando-se o que se terá passado
e porque terá Natália crescido tão de repente.
Natália, por sua vez, perguntou-se durante muito tempo se sonhara com
aquela viagem com a Noite ou se ela existira realmente. Até ao dia em que
deixou de se fazer essa pergunta. Porque o que contava agora é que ela adorava
dormir...
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