O irmãozinho, pegando a irmãzinha
pela mão, disse:
- Desde que nossa mãe morreu, nunca mais tivemos uma hora feliz: nossa madrasta nos espanca todos os dias e, quando chegamos perto dela, nos enxota a pontapés. Nosso único alimento, são as côdeas duras de pão; trata melhor o cachorrinho debaixo da mesa, pelo menos ela lhe dá, de vez em quando, algum bocado bem bom. Meu Deus, se nossa mãe soubesse! Vem, vamo-nos embora daqui, vamos por esse mundo afora.
Foram andando e caminharam o dia inteiro, percorrendo prados, campos, caminhos pedregosos. De repente, começou a chover, e a irmãzinha disse:
- Deus e os nossos corações estão chorando juntos.
Ao anoitecer, chegaram a uma grande floresta; estavam tão cansados de chorar e de andar e com tanta fome que resolveram entrar na cavidade de uma velha árvore oca e aí adormeceram.
Na manhã seguinte, quando despertaram, o sol já estava alto no céu e seus raios ardentes penetravam na cavidade da árvore. Então, o irmãozinho disse:
- Estou com sede, irmãzinha; se descobrisse alguma fonte por aí, iria beber um pouco; aliás, parece-me ouvir um murmúrio de água a correr!
Levantou-se, pegou a irmãzinha pela mão e saíram ambos à procura da fonte. Mas a perversa madrasta, que era uma bruxa ruim, vira os meninos irem-se embora; seguiu-os ocultamente, mesmo como fazem as bruxas, e enfeitiçou os mananciais da floresta. Quando os meninos encontraram o regato de água, que corria cintilante sobre as pedras, o irmãozinho precipitou-se para beber; mas a irmãzinha ouviu o murmúrio da água que dizia:
- Quem beber desta água transformar-se-á em tigre.
- Peço-te, querido irmãozinho, que não bebas desta água, - disse ela, - senão te transformarás em fera e me devorarás.
O irmãozinho não bebeu, apesar da grande sede que tinha, e disse:
- Esperarei até encontrar outra fonte.
Quando, porém, chegaram à outra fonte, a irmãzinha ouviu-a dizer:
- Quem beber desta água se transformará em lobo; transformar-se-á em lobo.
Não bebas, querido irmãozinho, - suplicou a irmãzinha, - senão te transformarás em lobo e me devorarás.
O irmãozinho não bebeu, mas disse:
- Esperarei até encontrar a terceira fonte: ai então beberei, digas o que disseres, pois não resisto mais de tanta sede.
Quando chegaram à terceira fonte, a irmãzinha ouviu- a murmurar:
- Quem beber desta água transformar-se-á num gamozinho.
A irmãzinha tornou a pedir:
- Oh, meu irmãozinho, peço-te, não bebas desta água, senão te transformarás num gamozinho e fugirás de mim.
Mas o irmãozinho já estava ajoelhado junto da água e bebeu, porque sentia grande sede. Mal tinha sorvido os primeiros goles, eis que se transformou num pequeno gamo.
A irmãzinha, então, chorou muito ao ver o irmãozinho transformado em gamo e este chorou com ela, achegando-se muito acabrunhado ao seu lado. Por fim a menina disse:
- Tranquiliza-te, meu querido gamozinho, eu jamais te abandonarei.
Desprendeu da perna sua liga dourada e atou-a ao pescoço do gamo; colheu alguns juncos e com eles trançou um cordel com o qual prendeu o animalzinho; depois internaram-se ambos na floresta.
Andaram, andaram, andaram e, por fim, descobriram uma casinha; a menina espiou dentro, viu que estava vazia, e resolveu: "Ficaremos morando aqui."
Juntou folhas e musgo e fez uma caminha macia para o gamozinho e todas as manhãs saía cedo para colher raízes, amoras e nozes pura seu sustento.
A irmãzinha colhia a erva mais tenra, que ele vinha comer alegremente em suas mãozinhas, saltando e dando mil cabriolas a seu lado. A noite, cansada das labutas diárias, irmãzinha rezava suas orações, depois reclinava a cabeça no dorso de gamozinho e nesse travesseiro adormecia sossegada. Se o irmãozinho voltasse à forma humana, a vida ali seria maravilhosa.
Bastante tempo viveram ainda sozinhos na floresta, mas deu-se o caso que o rei organizou uma grande caçada; então ressoaram as trompas por entre o arvoredo, o latido dos cães, os gritos alegres dos caçadores e o gamozinho, ouvindo esse tropel, pensou no prazer que teria em participar daquele divertimento.
- Ah, - disse ele à irmãzinha, - deixa-me tomar parte na caçada! Não resisto à vontade de ir ter com eles.
Tanto implorou que ela teve de consentir, mas disse-lhe:
- Deves voltar, à tarde; eu fecharei a porta por causa dos caçadores; ao bater, para que se reconheça, deves dizer:
"Deixa-me entrar, minha irmãzinha"; se não disseres isso, não abrirei.
O gamozinho escapuliu bem depressa, satisfeito e feliz por encontrar-se ao ar livre. O rei e os caçadores, vendo o lindo animalzinho, saíram em sua perseguição, mas não conseguiram alcançá-lo, pois quando contavam agarrá-lo, de um salto ele desapareceu por trás das moitas. Assim que anoiteceu, correu para casa, bateu à porta e disse:
- Deixa-me entrar minha irmãzinha!
Então, a porta abriu-se; ele pulou para dentro e dormiu, tranquilamente, a noite toda, no seu fofo leito. No dia seguinte, teve prosseguimento a caçada; quando o gamozinho ouviu as trompas de caça e os oh, oh, dos caçadores, não pôde conter-se e disse:
- Abre-me a porta, irmãzinha, tenho que sair!
A irmãzinha abriu e tornou a dizer:
- Tens, porém, que voltar à tarde e pronunciar a senha.
Assim que o rei e os caçadores tomaram a ver o gamozinho com a coleira de ouro, deitaram a persegui-lo, mas ele era muito ágil e esperto. A perseguição durou o dia todo, até que afinal, ao entardecer, os caçadores conseguiram cercá-lo e um deles feriu-o no pé. O pobre gamozinho, mancando muito, conseguiu fugir, embora menos depressa. Um dos caçadores seguiu-o, cautelosamente, e viu-o chegar à casinha e chamar:
- Deixa-me entrar, minha irmãzinha!
A porta abriu-se e fechou-se rapidamente. O caçador, vendo isso, guardou tudo na memória e foi contar ao rei o que vira e ouvira.
- Amanhã, - disse o rei, - voltaremos a caçar outra vez.
Entretanto, a irmãzinha assustara-se terrivelmente quando viu o gamozinho ferido. Lavou-lhe o ferimento e aplicou-lhe logo algumas ervas, dizendo:
- Agora vai deitar-te, meu querido gamozinho, para sarar bem depressa.
O ferimento, porém, era tão insignificante que na manhã seguinte o gamozinho não tinha mais nada. Ouvindo novamente a algazarra dos caçadores, exclamou:
- Não resisto ficar aqui, tenho de ir logo para lá; desta vez não me pegarão facilmente.
A irmãzinha, chorando, dizia-lhe:
- Desta vez te matarão e eu ficarei sozinha nesta floresta, abandonada por todos; não, não te deixarei ir.
- Se não for morrerei de tristeza, - lamentava-se o gamo, - quando ouço a trompa de caça, não posso conter-me dentro da pele!
A irmãzinha não teve outro remédio senão abrir-lhe a porta, embora com o coração cheio de angústia. O gamo, alegre e feliz, disparou rumo à floresta. Assim que o rei o viu, ordenou aos caçadores:
- Podeis segui-lo, o dia todo, mas proíbo que se lhe faça o menor mal.
Logo que o sol se escondeu, disse o rei ao caçador:
- Vem, mostra-me a casinha da floresta.
Quando chegaram diante da porta, o rei bateu, dizendo:
- Deixa-me entrar, minha irmãzinha!
Então a porta se abriu e o rei entrou; lá dentro, deparou com uma jovem tão linda como jamais vira. A jovem assustou-se quando viu entrar, não o seu querido gamozinho, mas um homem estranho, com uma coroa de ouro na cabeça. Entretanto, o rei contemplava-a com tanta doçura e meiguice que, quando lhe estendeu a mão disse:
- Queres vir comigo para meu castelo e ser minha esposa?
Ela respondeu contente:
- Oh, sim! Mas quero que o meu gamozinho me acompanhe, pois nunca me separarei dele.
- Ficará sempre contigo, - prometeu o rei, - e enquanto viveres nada lhe faltará.
Nisso, chegou o gamo fazendo cabriolas; a irmãzinha prendeu-o com o cordel de junco, segurando-o com as mãos; depois saíram todos da casinha da floresta.
O rei a fez montar no cavalo e conduziu-a ao castelo onde, pouco depois, realizaram as bodas, com intenso júbilo e grandes pompas. Assim, ela tornou-se Sua Majestade a Rainha e juntos iam vivendo felizes e tranquilos. O gamo era bem alimentado, bem tratado e passava o tempo dando cabriolas no jardim.
A perversa madrasta, que havia obrigado as crianças a vagar ao leu, julgava que a irmãzinha tivesse sido devorada pelas feras na floresta e o irmãozinho, transformado em gamo, tivesse caído vitima dos caçadores. Entretanto. quando ouviu contar que viviam felizes e abastados, o coração encheu-se de inveja e de ciúme, não tendo mais sossego. Não pensava em outra coisa senão na maneira de criar-lhes novas desventuras. Sua filha única. que era feia como a escuridão e que tinha um só olho, censurava-a, dizendo:
- A mim é que devia calhar a sorte de ser rainha!
- Fica tranquila, - respondeu a velha, acrescentando com satisfação: - no momento oportuno, estarei a postos!
E o momento oportuno chegou. A rainha deu à luz um belo menino, justamente quando o rei se achava ausente, durante as caçadas. A bruxa, então, tomando o aspecto da camareira, entrou no quarto onde repousava a rainha e disse-lhe:
- Venha, senhora, vosso banho está pronto; ele vos fará bem e vos dará novas forças, vinde logo, antes que esfrie.
Com ela estava também a filha. Ambas carregaram a rainha, ainda muito débil, para o quarto de banho e puseram-na na banheira; depois fecharam a porta e deitaram a fugir. Antes, porém, haviam aceso um fogo infernal no quarto de banho e a rainha, fechada lá dentro, em breve sucumbiu sufocada.
Feito isto, a velha meteu uma touca na cabeça da filha e deitou-a no leito, no lugar da rainha. Deu-lhe também a forma e a semelhança desta; só não pôde restituir-lhe o olho que lhe faltava; e para que o rei não percebesse, ela foi obrigada a deitar-se de lado, tentando assim esconder a falha.
À noite, quando voltou e soube que lhe nascera um menino, o rei ficou radiante de alegria e quis logo dirigir-se ao quarto de sua querida esposa a fim de saber como estava passando. A velha, porém, interveio rápida, gritando:
- Pelo amor de Deus, deixai as cortinas fechadas; e rainha ainda não pode ver luz, além disso, está muito fraca e precisa descansar.
O rei, então, retirou-se e não ficou sabendo que no leito havia uma falsa rainha.
Mas à meia-noite, quando todos dormiam no castelo, a ama velava junto ao berço do recém-nascido e viu abrir-se a porta e entrar a verdadeira rainha. Esta tirou a criança do berço, tomou-a no colo e deu-lhe de mamar; depois ajeitou o travesseirinho e deitou-a, agasalhando-a bem com o cobertorzinho. Não esqueceu, também, o seu gamozinho; dirigiu-se para o canto onde estava deitado e fez-lhe alguns carinhos; em seguida saiu silenciosamente, como havia entrado. Na manhã seguinte, a ama perguntou aos guardas se tinham visto entrar alguém no castelo durante a noite. Responderam-lhe:
- Não, não vimos entrar ninguém.
Durante muitas noites seguidas, a rainha voltou a aparecer, sempre sem pronunciar palavra; a ama via-a todas as vezes mas não ousava contar a ninguém.
Depois de alguns dias, a rainha certa noite começou a falar:
- Desde que nossa mãe morreu, nunca mais tivemos uma hora feliz: nossa madrasta nos espanca todos os dias e, quando chegamos perto dela, nos enxota a pontapés. Nosso único alimento, são as côdeas duras de pão; trata melhor o cachorrinho debaixo da mesa, pelo menos ela lhe dá, de vez em quando, algum bocado bem bom. Meu Deus, se nossa mãe soubesse! Vem, vamo-nos embora daqui, vamos por esse mundo afora.
Foram andando e caminharam o dia inteiro, percorrendo prados, campos, caminhos pedregosos. De repente, começou a chover, e a irmãzinha disse:
- Deus e os nossos corações estão chorando juntos.
Ao anoitecer, chegaram a uma grande floresta; estavam tão cansados de chorar e de andar e com tanta fome que resolveram entrar na cavidade de uma velha árvore oca e aí adormeceram.
Na manhã seguinte, quando despertaram, o sol já estava alto no céu e seus raios ardentes penetravam na cavidade da árvore. Então, o irmãozinho disse:
- Estou com sede, irmãzinha; se descobrisse alguma fonte por aí, iria beber um pouco; aliás, parece-me ouvir um murmúrio de água a correr!
Levantou-se, pegou a irmãzinha pela mão e saíram ambos à procura da fonte. Mas a perversa madrasta, que era uma bruxa ruim, vira os meninos irem-se embora; seguiu-os ocultamente, mesmo como fazem as bruxas, e enfeitiçou os mananciais da floresta. Quando os meninos encontraram o regato de água, que corria cintilante sobre as pedras, o irmãozinho precipitou-se para beber; mas a irmãzinha ouviu o murmúrio da água que dizia:
- Quem beber desta água transformar-se-á em tigre.
- Peço-te, querido irmãozinho, que não bebas desta água, - disse ela, - senão te transformarás em fera e me devorarás.
O irmãozinho não bebeu, apesar da grande sede que tinha, e disse:
- Esperarei até encontrar outra fonte.
Quando, porém, chegaram à outra fonte, a irmãzinha ouviu-a dizer:
- Quem beber desta água se transformará em lobo; transformar-se-á em lobo.
Não bebas, querido irmãozinho, - suplicou a irmãzinha, - senão te transformarás em lobo e me devorarás.
O irmãozinho não bebeu, mas disse:
- Esperarei até encontrar a terceira fonte: ai então beberei, digas o que disseres, pois não resisto mais de tanta sede.
Quando chegaram à terceira fonte, a irmãzinha ouviu- a murmurar:
- Quem beber desta água transformar-se-á num gamozinho.
A irmãzinha tornou a pedir:
- Oh, meu irmãozinho, peço-te, não bebas desta água, senão te transformarás num gamozinho e fugirás de mim.
Mas o irmãozinho já estava ajoelhado junto da água e bebeu, porque sentia grande sede. Mal tinha sorvido os primeiros goles, eis que se transformou num pequeno gamo.
A irmãzinha, então, chorou muito ao ver o irmãozinho transformado em gamo e este chorou com ela, achegando-se muito acabrunhado ao seu lado. Por fim a menina disse:
- Tranquiliza-te, meu querido gamozinho, eu jamais te abandonarei.
Desprendeu da perna sua liga dourada e atou-a ao pescoço do gamo; colheu alguns juncos e com eles trançou um cordel com o qual prendeu o animalzinho; depois internaram-se ambos na floresta.
Andaram, andaram, andaram e, por fim, descobriram uma casinha; a menina espiou dentro, viu que estava vazia, e resolveu: "Ficaremos morando aqui."
Juntou folhas e musgo e fez uma caminha macia para o gamozinho e todas as manhãs saía cedo para colher raízes, amoras e nozes pura seu sustento.
A irmãzinha colhia a erva mais tenra, que ele vinha comer alegremente em suas mãozinhas, saltando e dando mil cabriolas a seu lado. A noite, cansada das labutas diárias, irmãzinha rezava suas orações, depois reclinava a cabeça no dorso de gamozinho e nesse travesseiro adormecia sossegada. Se o irmãozinho voltasse à forma humana, a vida ali seria maravilhosa.
Bastante tempo viveram ainda sozinhos na floresta, mas deu-se o caso que o rei organizou uma grande caçada; então ressoaram as trompas por entre o arvoredo, o latido dos cães, os gritos alegres dos caçadores e o gamozinho, ouvindo esse tropel, pensou no prazer que teria em participar daquele divertimento.
- Ah, - disse ele à irmãzinha, - deixa-me tomar parte na caçada! Não resisto à vontade de ir ter com eles.
Tanto implorou que ela teve de consentir, mas disse-lhe:
- Deves voltar, à tarde; eu fecharei a porta por causa dos caçadores; ao bater, para que se reconheça, deves dizer:
"Deixa-me entrar, minha irmãzinha"; se não disseres isso, não abrirei.
O gamozinho escapuliu bem depressa, satisfeito e feliz por encontrar-se ao ar livre. O rei e os caçadores, vendo o lindo animalzinho, saíram em sua perseguição, mas não conseguiram alcançá-lo, pois quando contavam agarrá-lo, de um salto ele desapareceu por trás das moitas. Assim que anoiteceu, correu para casa, bateu à porta e disse:
- Deixa-me entrar minha irmãzinha!
Então, a porta abriu-se; ele pulou para dentro e dormiu, tranquilamente, a noite toda, no seu fofo leito. No dia seguinte, teve prosseguimento a caçada; quando o gamozinho ouviu as trompas de caça e os oh, oh, dos caçadores, não pôde conter-se e disse:
- Abre-me a porta, irmãzinha, tenho que sair!
A irmãzinha abriu e tornou a dizer:
- Tens, porém, que voltar à tarde e pronunciar a senha.
Assim que o rei e os caçadores tomaram a ver o gamozinho com a coleira de ouro, deitaram a persegui-lo, mas ele era muito ágil e esperto. A perseguição durou o dia todo, até que afinal, ao entardecer, os caçadores conseguiram cercá-lo e um deles feriu-o no pé. O pobre gamozinho, mancando muito, conseguiu fugir, embora menos depressa. Um dos caçadores seguiu-o, cautelosamente, e viu-o chegar à casinha e chamar:
- Deixa-me entrar, minha irmãzinha!
A porta abriu-se e fechou-se rapidamente. O caçador, vendo isso, guardou tudo na memória e foi contar ao rei o que vira e ouvira.
- Amanhã, - disse o rei, - voltaremos a caçar outra vez.
Entretanto, a irmãzinha assustara-se terrivelmente quando viu o gamozinho ferido. Lavou-lhe o ferimento e aplicou-lhe logo algumas ervas, dizendo:
- Agora vai deitar-te, meu querido gamozinho, para sarar bem depressa.
O ferimento, porém, era tão insignificante que na manhã seguinte o gamozinho não tinha mais nada. Ouvindo novamente a algazarra dos caçadores, exclamou:
- Não resisto ficar aqui, tenho de ir logo para lá; desta vez não me pegarão facilmente.
A irmãzinha, chorando, dizia-lhe:
- Desta vez te matarão e eu ficarei sozinha nesta floresta, abandonada por todos; não, não te deixarei ir.
- Se não for morrerei de tristeza, - lamentava-se o gamo, - quando ouço a trompa de caça, não posso conter-me dentro da pele!
A irmãzinha não teve outro remédio senão abrir-lhe a porta, embora com o coração cheio de angústia. O gamo, alegre e feliz, disparou rumo à floresta. Assim que o rei o viu, ordenou aos caçadores:
- Podeis segui-lo, o dia todo, mas proíbo que se lhe faça o menor mal.
Logo que o sol se escondeu, disse o rei ao caçador:
- Vem, mostra-me a casinha da floresta.
Quando chegaram diante da porta, o rei bateu, dizendo:
- Deixa-me entrar, minha irmãzinha!
Então a porta se abriu e o rei entrou; lá dentro, deparou com uma jovem tão linda como jamais vira. A jovem assustou-se quando viu entrar, não o seu querido gamozinho, mas um homem estranho, com uma coroa de ouro na cabeça. Entretanto, o rei contemplava-a com tanta doçura e meiguice que, quando lhe estendeu a mão disse:
- Queres vir comigo para meu castelo e ser minha esposa?
Ela respondeu contente:
- Oh, sim! Mas quero que o meu gamozinho me acompanhe, pois nunca me separarei dele.
- Ficará sempre contigo, - prometeu o rei, - e enquanto viveres nada lhe faltará.
Nisso, chegou o gamo fazendo cabriolas; a irmãzinha prendeu-o com o cordel de junco, segurando-o com as mãos; depois saíram todos da casinha da floresta.
O rei a fez montar no cavalo e conduziu-a ao castelo onde, pouco depois, realizaram as bodas, com intenso júbilo e grandes pompas. Assim, ela tornou-se Sua Majestade a Rainha e juntos iam vivendo felizes e tranquilos. O gamo era bem alimentado, bem tratado e passava o tempo dando cabriolas no jardim.
A perversa madrasta, que havia obrigado as crianças a vagar ao leu, julgava que a irmãzinha tivesse sido devorada pelas feras na floresta e o irmãozinho, transformado em gamo, tivesse caído vitima dos caçadores. Entretanto. quando ouviu contar que viviam felizes e abastados, o coração encheu-se de inveja e de ciúme, não tendo mais sossego. Não pensava em outra coisa senão na maneira de criar-lhes novas desventuras. Sua filha única. que era feia como a escuridão e que tinha um só olho, censurava-a, dizendo:
- A mim é que devia calhar a sorte de ser rainha!
- Fica tranquila, - respondeu a velha, acrescentando com satisfação: - no momento oportuno, estarei a postos!
E o momento oportuno chegou. A rainha deu à luz um belo menino, justamente quando o rei se achava ausente, durante as caçadas. A bruxa, então, tomando o aspecto da camareira, entrou no quarto onde repousava a rainha e disse-lhe:
- Venha, senhora, vosso banho está pronto; ele vos fará bem e vos dará novas forças, vinde logo, antes que esfrie.
Com ela estava também a filha. Ambas carregaram a rainha, ainda muito débil, para o quarto de banho e puseram-na na banheira; depois fecharam a porta e deitaram a fugir. Antes, porém, haviam aceso um fogo infernal no quarto de banho e a rainha, fechada lá dentro, em breve sucumbiu sufocada.
Feito isto, a velha meteu uma touca na cabeça da filha e deitou-a no leito, no lugar da rainha. Deu-lhe também a forma e a semelhança desta; só não pôde restituir-lhe o olho que lhe faltava; e para que o rei não percebesse, ela foi obrigada a deitar-se de lado, tentando assim esconder a falha.
À noite, quando voltou e soube que lhe nascera um menino, o rei ficou radiante de alegria e quis logo dirigir-se ao quarto de sua querida esposa a fim de saber como estava passando. A velha, porém, interveio rápida, gritando:
- Pelo amor de Deus, deixai as cortinas fechadas; e rainha ainda não pode ver luz, além disso, está muito fraca e precisa descansar.
O rei, então, retirou-se e não ficou sabendo que no leito havia uma falsa rainha.
Mas à meia-noite, quando todos dormiam no castelo, a ama velava junto ao berço do recém-nascido e viu abrir-se a porta e entrar a verdadeira rainha. Esta tirou a criança do berço, tomou-a no colo e deu-lhe de mamar; depois ajeitou o travesseirinho e deitou-a, agasalhando-a bem com o cobertorzinho. Não esqueceu, também, o seu gamozinho; dirigiu-se para o canto onde estava deitado e fez-lhe alguns carinhos; em seguida saiu silenciosamente, como havia entrado. Na manhã seguinte, a ama perguntou aos guardas se tinham visto entrar alguém no castelo durante a noite. Responderam-lhe:
- Não, não vimos entrar ninguém.
Durante muitas noites seguidas, a rainha voltou a aparecer, sempre sem pronunciar palavra; a ama via-a todas as vezes mas não ousava contar a ninguém.
Depois de alguns dias, a rainha certa noite começou a falar:
"Que faz o meu filhinho?
Que faz meu gamozinho?
Ainda duas vezes virei,
depois nunca mais voltarei."
Que faz meu gamozinho?
Ainda duas vezes virei,
depois nunca mais voltarei."
A ama não disse nada, mas, quando ela
desapareceu, foi aonde se encontrava o rei e contou-lhe tudo o que vinha se
passando.
- Meu Deus, - exclamou o rei, - que será isso! Na próxima noite, ficarei velando perto de meu filho.
Assim o fez; chegando a noite, ocultou-se no quarto do menino e, quando deu meia-noite, viu aparecer a rainha, que tornou a falar:
- Meu Deus, - exclamou o rei, - que será isso! Na próxima noite, ficarei velando perto de meu filho.
Assim o fez; chegando a noite, ocultou-se no quarto do menino e, quando deu meia-noite, viu aparecer a rainha, que tornou a falar:
"Que faz o meu filhinho?
Que faz meu gamozinho?
Ainda uma vez virei,
depois nunca mais voltarei."
Que faz meu gamozinho?
Ainda uma vez virei,
depois nunca mais voltarei."
Cuidou, como sempre fazia, da criança
antes de desaparecer; o rei, porém, não teve coragem de falar-lhe e decidiu
ficar velando, também, na noite seguinte junto do filho. À meia-noite viu-a
entrar e dizer:
"Que faz o meu filhinho?
Que faz meu gamozinho?
Vim ainda esta vez
e depois nunca mais."
Que faz meu gamozinho?
Vim ainda esta vez
e depois nunca mais."
O rei então não se conteve mais,
correu para ela, dizendo:
- Não podes ser outra senão a minha esposa querida.
- Sim, - respondeu-lhe ela, - sou eu mesma, tua esposa querida.
Pela graça de Deus, voltou à vida; bela, sadia e viçosa como fora antes. Contou ao rei o crime praticado pela bruxa perversa e sua filha e o rei, então mandou que fossem ambas julgadas e condenadas. A filha foi conduzida à floresta, onde acabou estraçalhada pelos animais ferozes; a bruxa foi lançada à fogueira, onde teve morte horrível e assim que se transformou em cinzas, o gamozinho recuperou novamente seu aspecto humano.
A partir de então, a irmãzinha e o irmãozinho viveram juntos com o rei no castelo, alegres e felizes pelo resto da vida.
- Não podes ser outra senão a minha esposa querida.
- Sim, - respondeu-lhe ela, - sou eu mesma, tua esposa querida.
Pela graça de Deus, voltou à vida; bela, sadia e viçosa como fora antes. Contou ao rei o crime praticado pela bruxa perversa e sua filha e o rei, então mandou que fossem ambas julgadas e condenadas. A filha foi conduzida à floresta, onde acabou estraçalhada pelos animais ferozes; a bruxa foi lançada à fogueira, onde teve morte horrível e assim que se transformou em cinzas, o gamozinho recuperou novamente seu aspecto humano.
A partir de então, a irmãzinha e o irmãozinho viveram juntos com o rei no castelo, alegres e felizes pelo resto da vida.
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