Da janela do trem o homem avista a velha cidadezinha que o viu nascer.
Seus olhos se enchem de lágrimas. Trinta anos. Desce na estação – a mesma do
seu tempo, não mudou nada – e respira fundo. Até o cheiro é o mesmo! Cheiro de
mato e poeira. Só não tem mais cheiro de carvão porque o trem agora é elétrico.
E o chefe da estação, será possível? Ainda é o mesmo. Fora a careca, os bigodes
brancos, as rugas e o corpo encurvado pela idade, não mudou nada.
O homem não precisa perguntar como se chega ao centro da cidade. Vai a pé,
guiando-se por suas lembranças. O centro continua como era. A praça. A igreja.
A prefeitura. Até o vendedor de bilhetes na frente do Clube Comercial parece o
mesmo.
— Você não tinha um cachorro?
— O Cusca? Morreu, ih, faz vinte anos.
O homem sabe que subindo a Rua Quinze vai dar num cinema. O Elite. Sobe a
Rua Quinze. O cinema ainda existe. Mas mudou de nome. Agora é o Rex. Do lado
tem uma confeitaria. Ah, os doces da infância... Ele entra na confeitaria. Tudo
igual. Fora o balcão de fórmica, tudo igual. Ou muito se engana ou o dono ainda
é o mesmo.
— Seu Adolfo, certo?
— Lupércio.
— Errei por pouco. Estou procurando a casa onde nasci. Sei que ficava ao
lado de uma farmácia.
— Qual delas, a Progresso, a Tem Tudo ou a Moderna?
— Qual é a mais antiga?
— A Moderna.
— Então é essa.
— Fica na Rua Voluntários da Pátria.
Claro. A velha Voluntários. Sua casa
está lá intacta. Ele sente vontade de chorar. A cor era outra. Tinham mudado a
porta e provavelmente emparedado uma das janelas. Mas não havia dúvida, era a
casa da sua infância. Bateu na porta. A mulher que abriu lhe parecia vagamente
familiar. Seria...
— Titia?
— Puluca!
— Bem, meu nome é...
— Todos chamavam você
de Puluca. Entre.
Ela lhe serviu licor.
Perguntou por parentes que ele não conhecia. Ele perguntou por parentes de que
ela não se lembrava. Conversaram até escurecer. Então ele se levantou e disse
que precisava ir embora. Não podia, infelizmente, demorar-se em Riachinho. Só
viera matar a saudade. A tia parecia intrigada.
— Riachinho, Puluca?
— É, por quê?
— Você vai para
Riachinho?
Ele não entendeu.
— Eu estou em
Riachinho.
— Não, não. Riachinho
é a próxima parada do trem. Você está em Coronel Assis.
— Então eu desci na
estação errada!
Durante alguns minutos
os dois ficaram se olhando em silêncio. Finalmente a velha pergunta:
— Como é mesmo o seu
nome?
Mas ele estava na rua, atordoado. E
agora? Não sabia como voltar para a estação, naquela cidade estranha.
Luís Fernando Veríssimo
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