Um dia, Maria chegou em casa da escola, muito triste.
— O que foi? — perguntou a mãe de Maria.
Mas Maria nem quis conversa. Foi direto para o seu quarto, pegou o seu
Snoopy e se atirou na cama, onde ficou deitada, emburrada.
A mãe de Maria foi ver se Maria estava com febre. Não estava. Perguntou
se estava sentindo alguma coisa. Não estava. Perguntou se estava com fome. Não
estava. Perguntou o que era, então.
— Nada — disse Maria.
A mãe resolveu não insistir. Deixou Maria deitada na cama, abraçada com
o seu Snoopy, emburrada. Quando o pai de Maria chegou em casa do trabalho a mãe
de Maria avisou:
— Melhor nem falar com ela...
Maria estava com cara de poucos amigos. Pior. Estava com cara de amigo
nenhum.
Na mesa do jantar, Maria de repente falou:
— Eu não valo nada.
O pai de Maria disse:
— Em primeiro lugar, não se diz “eu não valo nada”. É “eu não valho
nada”. Em segundo lugar, não é verdade.Você valhe muito. Quer dizer, vale
muito.
— Não valho.
— Mas o que é isso? — disse a mãe de Maria. — Você é a nossa querida.
Todos gostam de você. A mamãe, o papai, a vovó, os tios, as tias. Para nós,
você é uma preciosidade.
Mas Maria não se convenceu. Disse que era igual a mil outras pessoas. A
milhões de outras pessoas.
— Só na minha aula tem sete Marias!
— Querida... — começou a dizer a mãe. Mas o pai interrompeu.
— Maria — disse o pai — você sabe por que um diamante vale tanto
dinheiro?
— Porque é raro. Um pedaço de vidro também é bonito. Mas o vidro se
encontra em toda parte. Um diamante é difícil de encontrar. Quanto mais rara é
uma coisa, mais ela vale. Você sabe por que o ouro vale tanto?
— Por quê?
— Porque tem pouquíssimo ouro no mundo. Se o ouro fosse como areia, a gente
ia caminhar no ouro, ia rolar no ouro, depois ia chegar em casa e lavar o ouro
do corpo para não ficar suja. Agora, imagina se em todo o mundo só existisse
uma pepita de ouro.
— Ia ser a coisa mais valiosa do mundo.
— Pois é. E em todo o mundo só existe uma Maria.
— Só na minha aula são sete.
— Mas são outras Marias.
— São iguais a mim. Dois olhos, um nariz...
—Mas esta pintinha aqui nenhuma delas tem.
— É...
— Você já se deu conta que em todo mundo só existe uma você?
— Mas pai...
— Só uma. Você é uma raridade. Podem existir outras parecidas. Mas você,
você mesmo, só existe uma. Se algum dia aparecer outra você na sua frente, você
pode dizer: é falsa.
— Então eu sou a coisa mais valiosa do mundo.
— Olha, você deve estar valendo aí uns três trilhões...
Naquela noite a mãe de Maria passou perto do quarto dela e ouviu Maria
falando com o Snoopy:
— Sabe um diamante?
Luís Fernando Veríssimo, Folha de S. Paulo, Folhinha
Nenhum comentário:
Postar um comentário